Inteligência e educação: uma relação bidirecional

O que é a inteligência? Algo com que nascemos ou que se desenvolve? E qual o papel da escola na inteligência? Questões que estiveram em debate no programa "Educação tem Ciência".
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A inteligência é, de acordo com Célia Oliveira, psicóloga, "o conjunto de capacidades cognitivas que viabilizam a aprendizagem, a resolução de problemas e a adaptação aos diversos contextos de vida". É graças à nossa capacidade verbal, de raciocínio, abstração, memória, de atenção, de planificação, entre outras, que somos capazes de aprender. Foi este o ponto de partida para o debate no "Educar tem Ciência", um projeto da Iniciativa Educação em parceria com a TSF e o Dinheiro Vivo, que esta semana pôs Célia Oliveira e Nuno Crato, presidente da Iniciativa Educação, a discutir sobre o que é, afinal, a inteligência, o que a potencia e como se desenvolve.

Célia Oliveira alertou para o facto de existirem "muitas confusões em torno da noção de inteligência", a começar pelo chamado "fator G, o fator geral de inteligência, que tem a ver com a base genética da inteligência, que tem "pequenas variações interindividuais", e que, consoante o meio em que o indivíduo se insere, pode ser mais ou menos potenciado.
Nuno Crato trouxe para o debate as críticas de que a noção de "fator G"tem sido alvo nos últimos anos. "De acordo com essas teorias, existiriam diversas inteligências, inteligências múltiplas", lembrou. Uma hipótese descartada por Célia Oliveira, para quem tem havido uma apropriação do termo inteligência por uma série de competências que não são cognitivas. Noções como " inteligência emocional" remetem para capacidades sociais e emocionais que, sendo importantes para o funcionamento geral do indivíduo, "são diferentes do conceito de inteligência originalmente definido", alertou.

A popularização de asserções como a de que a "inteligência emocional" possa ser mais importante do que a inteligência cognitiva para o sucesso escolar é preocupante para Célia Oliveira. "Pode redundar em opções - e até políticas - - educativas sem uma base científica sólida e que podem prejudicar o processo de aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos", alertou. Citando os resultados de um estudo publicado em 2020, a psicóloga sublinhou os impactos limitados da inteligência emocional no sucesso académico. "A investigação aponta para um efeito cerca de quatro vezes superior das capacidades cognitivas comparativamente às competências emocionais", referiu.

"Um dos grandes erros de certos conceitos educativos é que basta motivar [o aluno]. Em leitura isso tem-se visto: a ideia de que bastaria despertar o gosto pela leitura, que obviamente é preciso, e que isso substituiria a aprendizagem sistemática do código alfabético ou do código fonético. Esta ideia tem sido bastante prejudicial", lembrou, por seu turno, Nuno Crato.

A relação bidirecional entre o desenvolvimento cognitivo e o processo de aprendizagem escolar foi destacada por Célia Oliveira: "A aprendizagem potencia o desenvolvimento cognitivo e o desenvolvimento das nossas capacidades cognitivas vai favorecer as aprendizagens". A escola assume assim um papel determinante no desenvolvimento da inteligência, com "ongoing trends on human intelligence", uma síntese de meta-análises, publicada já este ano na revista Intelligence, a mostrar que, por cada ano de alargamento da escolaridade obrigatória, há um aumento de um a cinco pontos do QI.

O chamado "efeito Flynn", que traduz o aumento do QI médio da população mundial ao longo do século XX, nos países desenvolvidos, que poderia ser explicado pelo aumento da escolaridade obrigatória, espelha esta realidade, mas tem vindo a estagnar. Para alguns autores, a explicação está nas opções curriculares, que passaram de curricula informados pela ciência para curricula mais ideológicos, a que os autores chamam "faith based". Um estilo de educação que vê a escola como "uma espécie de parque de diversões", acusou Nuno Crato. "A escola é um lugar sério e o ensino é algo muito sério porque o futuro dos países e das pessoas depende dele", frisou.


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