Mais sustentável, mais redundante e mais inteligente. É desta forma que João Falcão e Cunha, diretor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), descreve aquela que será a "cadeia de produção modelo" dos próximos anos. Para que esta visão - em linha com os objetivos do desenvolvimento sustentável - se concretize, é fundamental uma transformação da indústria baseada na investigação e no conhecimento, uma vez que a digitalização, a automação e a inteligência artificial têm um papel nesta mudança. .A Europa definiu o objetivo de renascimento industrial assente na eficiência de recursos, numa produção de baixo carbono, no desperdício zero e na economia circular. Para fazer face ao desafio é preciso maior e melhor colaboração entre centros de investigação e indústria. "Acho que podemos todos fazer melhor. A investigação, sobretudo a aplicada, tenta criar conhecimento novo em resposta aos desafios da indústria. Mas as instituições que fazem investigação deviam ser mais desafiadas pelas empresas e organizações", diz Falcão e Cunha, para quem é à indústria que compete validar a utilidade os resultados da investigação. "É muito importante que a indústria desafie as universidades. Uma pessoa ligada à indústria, com quem trabalhamos na FEUP, costuma dizer que não é só preciso criar pontes é preciso aprender a dançarmos juntos: os empresários e os investigadores têm de estar mais próximos e de se desafiar mutuamente", garante..Áreas de investigação como a robótica, aprendizagem automática, realidade aumentada e design digital, simulação e impressão já têm impacto ao nível da transformação das cadeias de valor, algo que se vai manter e intensificar no futuro. "É algo que acontece a vários níveis, com tudo o que resultar dessa investigação em conhecimento e produtos e serviços mais eficazes e eficientes. Podem poupar dinheiro, melhorar a eficácia das pessoas, podem simplesmente ser mais agradáveis e do ponto de vista emocional melhores", afirma Falcão e Cunha, dando como exemplo a automação. "A maioria das pessoas não gosta de tarefas repetitivas e as tecnologias que permitem automatizar tarefas são boas para a maior parte das pessoas e devem permitir a evolução das capacidades e das funções que estas exercem"..Tendo em conta os atuais avanços científicos e tecnológicos, para o diretor da FEUP será na área das fontes de energia que mais depressa será percetível a transformação. "A indústria vai adaptar-se para produzir com um impacto muito mais limpo no ambiente e aqui está presente a questão das fontes de energia verdes: tudo o que é solar, hídrica, eólica, assim como na capacidade de acumularmos energia com um impacto ambiental muito menor do que aquele que temos no presente", antecipa..Citaçãocitacao "As instituições que fazem investigação deviam ser mais desafiadas pelas empresas".Outra área em que a I&D pode apoiar a indústria, defende Falcão e Cunha, são as cadeias de abastecimento, que têm de ser cada vez mais redundantes. No último ano, a pandemia trouxe à ribalta a necessidade de transparência e rastreabilidade das cadeias de abastecimento, com o seu eventual encurtamento a ser também posto em cima da mesa. Mas para Falcão e Cunha é na redundância que está o ponto. "Estamos numa sociedade global e não vamos andar para trás. O que temos de fazer é tornar as cadeias mais redundantes e a investigação pode ajudar a perceber como isso pode ser feito: ver que risco existe nas várias ligações e de que forma a cadeia de logística global reage a falhas. É algo que está bem estudado ao nível da internet onde as cadeias de abastecimento de informação da internet são resistentes a eventuais falhas", explica o investigador. "O que se passou no canal do Suez mostrou que as cadeias físicas não têm grande redundância e neste campo há muita investigação que pode ser feita", alerta..Neste aspeto, também a aposta na digitalização e o caráter inteligente das fábricas e da logística têm um papel importante. "Podem compactar conhecimento que estaria distribuído em muitos locais. A inteligência artificial pode permitir passar a fazer de forma mais distribuída algo que antes só seria possível fazer num determinado local em que esse conhecimento estava disponível", exemplifica..O combate ao desperdício, nomeadamente em setores tradicionais como o têxtil e o calçado, com recurso ao design digital e à simulação é outra área em que investigação e indústria continuarão a par. "Hoje o ciclo de vida da roupa é totalmente diferente de há 200 anos e temos de o repensar", diz. Não se trata apenas de usar a design digital e simulação para produzir apenas o que será efetivamente vendido - estratégia já adotada por certas empresas - mas pensar para lá do ciclo de vida do produto. "Podem ajudar a que se saiba não só construir o produto como desconstruí-lo e aproveitar os componentes melhor. Hoje em dia desenhamos as coisas para que sejam construídas e usadas mas não as desenhamos para voltarem a ter outra utilização no fim do primeiro ciclo de vida - e isso pode ser interessante e viável", antecipa Falcão e Cunha.