Investimentos do calçado no digital mais do que duplicaram e valem já quatro milhões

Setor dispõe de 8,5 milhões do programa Compete para a promoção externa em 2022, dos quais quatro estão já comprometidos para os investimento em valorização da oferta.
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Com os mercados encerrados e as feiras canceladas durante a pandemia, as empresas portuguesas de calçado voltaram-se para o online, procurando novas formas de chegar aos clientes em todo o mundo. A prová-lo estão os investimentos realizados pelo setor no digital, que passaram de 1,8 milhões de euros, em 2019, para 2,7 milhões, em 2021. Para este ano, há já quatro milhões de euros comprometidos para apoio à valorização da oferta, mas a Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos (APICCAPS) admite que os investimentos possam, muito rapidamente, chegar aos cinco milhões de euros.

"O tradicional era que este tipo de investimento correspondesse de um a dois milhões de euros ao ano. Mas a pandemia obrigou as empresas a pensar de forma diferente e a encontrar soluções alternativas. O digital não substitui as feiras. É verdade que as feiras, enquanto atividade promocional, já vinham em queda antes da pandemia, e o digital vinha em crescendo. O que a covid fez foi acelerar estas duas tendências", afirma o diretor-geral da APICCAPS.

No total, o setor conta com 8,5 milhões de euros de apoio do programa Compete para a promoção externa em 2022, um valor que deverá revelar-se "curto" face ao investimento crescente das empresas no digital. João Maia reconhece que este é um ano "excecional", na medida em que é de transição entre quadros comunitários, e que "vai faltar algum dinheiro no final do ano", mas garante que a APICCAPS está já a estudar com as entidades competentes se há forma de ultrapassar estes constrangimentos.

Refira-se que, entre 2020 e 2021, o setor executou, apenas, 11,5 milhões de euros dos 13 milhões de que dispunha para a promoção externa, sendo que os 1,5 milhões que sobraram somam ao projeto de sete milhões que o calçado tem para executar em 2022, dando os tais 8,5 milhões. Um orçamento que João Maia classifica de "razoável" e que só é curto porque as tipologias de investimento "complementares às feiras" - como a criação de sites, de lojas online, de catálogos digitais ou de campanhas de marketing direcionadas para as redes sociais - estão a crescer. O setor, que já participou em várias feiras no arranque do ano, designadamente na Alemanha e em Itália, tem ainda 20 ações previstas no exterior, no segundo semestre do ano.

A APICCAPS admite que poderão faltar dois a três milhões de euros, mas acredita que, até ao final do ano, a situação poderá ser desbloqueada. "O que falta agora é 2023 e, sobre isso, estamos a trabalhar a sério, esperamos nós que no âmbito do Portugal 2030, recentemente aprovado em Conselho de Ministros. Esperamos que, rapidamente, surjam concursos já do PT2030 para que possam enquadrar os investimentos do próximo ano e, se calhar, os de final deste ano", salienta.

João Maia falava ao Dinheiro Vivo à margem da Micam, a maior e mais relevante feira de calçado do mundo, que esta terça-feira terminou em Milão. Portugal fez-se representar por 35 empresas, uma das comitivas mais baixas nos últimos anos, mas a pandemia ajuda ainda a explicar grande parte dessa quebra, já que os clientes extracomunitários, designadamente americanos e asiáticos, presenças habituais na Micam, continuaram a não vir. A prová-lo estão os números dos visitantes: em fevereiro de 2019, foram mais de 43 mil, este ano, e no conjunto de quatro certames que decorreram simultaneamente, não chegaram aos 30 mil.

A delegação portuguesa contou com a visita pelo secretário de Estado Adjunto e da Economia. João Neves explicou ao Dinheiro Vivo que "estão já a ser preparados alguns avisos de transição, em áreas como a internacionalização, o regime contratual de investimento e algumas áreas de I&D". O objetivo é que a próxima equipa governativa tenha condições para decidir com celeridade sobre os mecanismos de transição que já estão a ser preparados.

Miguel Vieira e Lemon Jelly são alguns dos expositores habituais e que este ano não estiveram na Micam, embora por razões distintas, mas tendo um ponto em comum: ambas as marcas estão a investir fortemente no digital. "A Micam descaracterizou-se completamente. Quando comecei a fazer esta feira, era realmente muito difícil conseguir um lugar no pavilhão 1, dedicado ao luxo; em setembro, quando lá estivemos, a Micam parecia uma feira, com stands de roupa pronto-moda, a vender ao público. Acho que o certame se descaracterizou por completo", diz Miguel Vieira, que prefere canalizar o seu investimento de promoção para a área digital que "tem funcionado muito bem". O designer foi adiando, durante anos, a abertura de uma loja online para evitar fazer concorrência direta aos seus clientes, mas, à medida que os próprios foram avançando com investimentos similares, acabou por decidir que estava na altura de o fazer também. Criada antes da pandemia, a loja online Miguel Vieira tem-se revelado "um enorme sucesso".

Para a Lemon Jelly, o adiamento da feira, para março, tornou-a desinteressante, sobretudo à luz da ausência dos compradores americanos e asiáticos. "Temos feito grandes investimentos no digital. Já tínhamos site e vendas online, mas reforçámos a equipa e avançámos com a criação de uma plataforma com showrooms virtuais para os retalhistas", explica José Pinto. Este responsável sublinha, no entanto, que o digital é um "complemento" à venda e não o modelo de negócio a seguir. "Ver e tocar o produto continua a ser importante e nem todos gostam de comprar sem essa experiência e, por isso, as feiras continuarão a ter o seu lugar, complementadas pelo online", frisa.

Com presenças menos assíduas, mas com uma aposta renovada na feira estava a Mariano, recentemente adquirida, mas que nesta edição resolveu ficar de fora. "Com os clientes a dizerem-nos que não iam à Micam., decidimos não ir, mas em setembro estamos de volta. Temos que usar os nossos recursos naquilo que nos dá retorno, e a presença na última edição da feira ficou muito aquém das nossas expectativas. Por isso reforçamos o investimento no marketing digital", explica Fátima Oliveira, a diretora executiva da All Around Shoes, que detém a marca Mariano.

Também a Carlos Santos, marca de luxo de homem, não foi à Micam por considerar que, "após tanta instabilidade, o mundo ainda não está preparado para voltar à normalidade". "Muito menos os clientes estão recetivos a comprar normalmente", diz a diretora de Marketing e Vendas da Zarco, a dona da marca. "Optamos por convidar os clientes a virem até à nossa empresa, onde podemos proporcionar um ambiente confortável e mais enriquecedor. Tem resultado. Conseguimos criar relações mais amistosas até", frisa Ana Santos.

A jornalista viajou a Milão a convite da APICCAPS

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