Na próxima semana vamos conhecer o orçamento para o próximo ano. Se tivesse de escolher uma medida fundamental que está no documento, qual seria ela?
É difícil escolher, mas para a CGTP a questão do aumento geral dos salários e do salário mínimo nacional é a que mais se coloca neste momento, sendo que ela se articula com um conjunto de outras prioridades que também nos são fundamentais. O Governo tem agora uma oportunidade de poder alterar o rumo que tem vindo a ser seguido.
O que a CGTP ainda não disse é qual é o salário mínimo que gostava de ver no próximo ano.
As conclusões do conselho nacional da CGTP relativamente às prioridades reivindicativas para 2021 é que para haver uma melhoria das condições de vida dos trabalhadores, o aumento de referência que propomos de 90 euros seria um passo significativo no sentido de garantir também o desenvolvimento do país. Associamos sempre a necessidade de desenvolver o país aquilo que são a melhoria das condições de vida e de trabalho em Portugal. Relativamente ao salário mínimo nacional temos a reivindicação de atingirmos os 850 euros no mais curto prazo, e digo curto prazo porque acreditamos que é possível negociar e caminhar nesse sentido, mas para isso os aumentos do salário mínimo têm de ter um volume significativo.
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O que é um volume significativo?
Na prática não são 25 euros ou 30 euros, teria de ser mais, mas estamos disponíveis para negociar. É uma questão de negociação. O Governo ainda não apresentou nenhuma proposta.
Mas nunca será além dos 30 euros pelo que se percebeu até agora. O Governo fala de um aumento na média dos últimos anos, o que aponta para 25 euros.
As indicações que têm vindo do Governo têm sido nessa base, mas para nós é insuficiente porque de facto o que temos no nosso país, e isso não é só fruto da pandemia, já tínhamos quando a CGTP realizou o seu XIV congresso em fevereiro, e já caracterizávamos o modelo que tínhamos no nosso país, fruto da política seguida pelos sucessivos Governos, era um modelo de baixos salários, fraco aparelho produtivo, de desinvestimento nos serviços públicos, intensa precariedade que, na última legislatura, teve alguns avanços e recuperação e até aumento de rendimentos e direitos, mas que não resolveu o problema.
Mas a pandemia dificultou tudo isso.
Com o surto epidémico acentuaram-se estes problemas, mas não foi só por causa do vírus, mas mais pelas opções que foram tomadas pelo Governo nestes 6 meses e que não garantiram o que era necessário. Foram medidas desequilibradas que acentuaram as desigualdades, aumentar a pobreza e trazer cortes salariais a mais de 1 milhão de trabalhadores. Colocaram os trabalhadores numa situação ainda mais frágil.
Ter um acordo de longo prazo na concertação social sobre os rendimentos, como era suposto ter sido negociado este ano, o que é que a CGTP pretende que se faça, não só no salário mínimo mas em todos os salários?
Para a CGTP a questão é sempre o conteúdo de cada acordo. Só subscreveremos um acordo que os trabalhadores considerem que garante, de facto, a melhoria das suas condições de vida. Ora, um acordo seja a que prazo for o que precisa é de ter a garantia de que há uma significativa aposta e investimento no que é necessário: aumentar o poder aquisitivo dos trabalhadores, aumentar as suas condições de vida, acabar com a precariedade que já colocou centenas de milhares de pessoas no desemprego e que já antes da pandemia colocava.
Ainda sobre o salário mínimo: para a CGTP um aumento razoável teria de ser sempre acima dos 35 euros, certo?
Sem dúvida alguma.
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Mas não admite que com tantas empresas em enorme dificuldade, o aumento do salário mínimo nesta altura possa até ser contraproducente para os trabalhadores?
Dizemos que isso é um argumento falacioso porque as empresas não são todas iguais. Depois, há empresas, e temo-lo dito, que necessitam efetivamente de apoio. As micro e pequenas empresas estão em situações complicadas - estávamos a viver um momento de crescimento, mas com a pandemia ficaram em situação difícil e essas precisam de apoio. O que não tem havido é o apoio dirigido às empresas que de facto precisam desse apoio. Tem havido um apoio em que quem mais beneficia são as grandes empresas e desequilibra o investimento do próprio estado, a despesa do próprio estado, relativamente a isso. Para nós essa questão do aumento do salário ser prejudicial para as empresas não é verdade. Os custos com o trabalho representam uma pequena parte do custo geral das empresas. São dados do Banco de Portugal, entre 16% e 18%. O aumento do salário mínimo, mesmo que fosse significativo, teria um efeito reduzido no custo geral das empresas. Não é por aí que as empresas podem melhorar a sua situação, ao passo que o aumento do salário ia contribuir para o desenvolvimento do país. Temos assistido à quebra brutal do consumo, não só pelo corte de rendimentos e congelamento de salários... tanto no público como no privado não houve, ainda, este ano aumento de salários.
Sabemos mais que nos salários mais baixos, que inclui o salário mínimo, cada euro de aumento é injetado na economia...
E as empresas desenvolvem-se e vimos isso no período da Troika. Houve aumento de salários e houve desenvolvimento das empresas. Não houve tantas insolvências ou falências. As empresas melhoraram a sua atividade, aumentaram a sua produção e poderia ser uma aposta muito grande, desde que o Governo também assim opte por aí, na nossa produção nacional. Porque isso obrigaria ao aumento da produção nacional.
A suspensão da caducidade da contratação coletiva é uma questão que a CGTP tem levantado na concertação social. O Governo anunciou uma suspensão de 18 ou 24 meses, ainda não se sabe exatamente. É suficiente para si?
Essa é mais uma das prioridades que colocamos para 2021 e nos eixos das conclusões do nosso congresso. Na revogação das normas gravosas da legislação laboral, a caducidade das convenções coletivas é uma delas. O que temos assistido desde que o código do trabalho foi aprovado é que teve um efeito de bloqueio na contratação coletiva e esta é fundamental para o progresso. A nossa Constituição e o próprio código do trabalho dizem que a contratação coletiva tem de ser uma forma de progresso social. E estamos assistir ao inverno. A caducidade é uma das formas que o patronato tem para impedir a negociação e fazer chantagem com as associações sindicais. O que consideramos é que esta norma tem de ser revogado.
Não haver moratória e revogar simplesmente?
Naturalmente que uma moratória é o Governo a admitir que aquela norma é um fator negativo e de bloqueio. Vamos ver o que vem na proposta de lei, só conhecemos o que está anunciado publicamente, mas consideramos que tem de ser revogada.
Sabe qual o número de caducidades que já existiram?
Não tenho o número presente, mas foram algumas e não foram mais porque houve uma grande resistência dos trabalhadores dos vários setores para manter os contratos coletivos em vigor.
Os trabalhadores das plataformas digitais não estão abrangidos. Considera essenciais que sejam incluídos nestes mecanismos?
Para a CGTP sempre foi fundamental que todos os trabalhadores estivessem abrangidos pela contratação coletiva. Esta é precisamente o garante dos direitos e a regulação das relações de trabalho com as especificidades de cada setor e por isso é negociado com as associações patronais de cada setor.
Mas neste caso não há contraparte...
Mas também há, do ponto de vista da legislação, de garantir os mínimos e defender os trabalhadores. A relação de trabalho é naturalmente desequilibrada. O patrão tem um poder que o trabalhador não tem... portanto está sempre numa posição de maior fragilidade, e se não for a legislação laboral a garantir algum equilíbrio, o trabalhador fica desprotegido e é isso que queremos evitar. Nas relações laborais é essencial haver direitos dos trabalhadores... e neste momento não há. Tal como trabalhadores de trabalho temporários, outsourcing, etc., não estão abrangidos pela contratação coletiva e não têm os seus direitos salvaguardados. Tem havido centenas de lutas em locais de trabalho de trabalhadores de empresas que laboram ao lado de trabalhadores da empresa com a mesma antiguidades, as mesmas funções e a mesma categoria profissional com salários e condições diferentes. Isto é discriminação. Tem de haver a garantia de igualdade no tratamento dos trabalhadores.
O Governo que a ajuda europeia que aí vem, e em valores nunca vistos, não vai converter-se em austeridade. Acredita?
A única coisa que temos, por enquanto, é aquele plano de recuperação e resiliência que estabelece parâmetros muito gerais e que não nos permitem uma análise clara. Para a CGTP a utilização destas verbas, de facto substanciais, tem de garantir a tal mudança de rumo e o investimento no desenvolvimento do país e nas condições de vida e de trabalho no país. Temos de garantir o aumento dos salários porque é isso que vai garantir a produtividade e a competitividade. Estávamos a falar da legislação laboral e da caducidade, mas podíamos falar da desregulação dos horários de trabalho que são praticados no nosso país. A CGTP tem a reivindicação pelas 35 horas, mesmo que atingidas de forma gradual. Temos já muitas empresas - não só a administração pública - em que o horário tem vindo a ser reduzido.
A partir deste mês muitas empresas que recorreram ao lay-off simplificado deixam de estar impedidas de despedir. Teme uma vaga de despedimentos no país?
Desde o início que dissemos que era preciso impedir todos os despedimentos e que não era suficiente o que o Governo tinha colocado nas medidas específicas desta fase. Isto já aconteceu neste período, mesmo com esta proibição, porque esta referia-se a despedimentos coletivos ou por extinção de posto de trabalho. Tivemos milhares de trabalhadores com vínculos precários que foram despedidos mesmo que do ponto de vista oficial não se considerem despedimentos - que são despedimentos. Agora temos este período de nojo e depois as empresas estão de mãos livres. Ora, não pode ser! O que temos exigido é a proibição de todos os despedimentos no quadro do surto pandémico. Despedimentos para reduzir postos de trabalho em empresas que ainda por cima receberam verbas avultadíssimas... a verdade é que recorreram ao lay-off simplificado. Cerca de 25% dos trabalhadores abrangidos eram das grandes empresas, das com mais de 250 trabalhadores, e a maioria delas tinham, apesar da quebra de faturação que lhes permitiam recorrer à medida, uma situação financeira que lhes permitia ultrapassar este período mantendo postos de trabalho, salários e garantindo que depois de passar este período podiam retomar - a economia teve a sua retoma, não tão desenvolvida como gostaríamos, mas lá está, com um milhão de trabalhadores com corte de salários o consumo desceu. O Governo agora tem de tomar medidas para que não haja essa onda de despedimentos.
Teme-a?
A CGTP está atenta e os sindicatos estão a acompanhar as situações nos locais de trabalho e os trabalhadores estão a organizar-se para resistir a eventual despedimento que haja a seguir ao período em que não se pode despedir por despedimento coletivo. Mas naturalmente que tememos que sim, que as empresas aproveitem, como estão a aproveitar, para retirar direitos aos trabalhadores. Esta questão dos horários de trabalho, e agora com a ajuda do Governo nesta questão do desfasamento de horários em situação de contingência, a verdade é que está-se a tentar passar uma borracha por cima dos direitos laborais.
A CGTP denunciou casos de abuso das empresas com lay-off simplificado. Essas práticas continuam durante este período? Há algum balanço que possa fazer?
Não temos o número de empresas, mas sabemos e temos muitas situações em que houve, por parte das empresas, o aproveitamento desta situação e a tentativa de retirar direitos aos trabalhadores em termos de desregulação dos horários de trabalho, do despedimento de trabalhadores com vínculo precário, etc. na refinaria de Sines 700 trabalhadores, que já lá estavam há muitos anos em situação precária, foram mandados embora. Temos agora a Autoeuropa, que pode perfeitamente colocar aqueles 120 trabalhadores que quer mandar embora noutras áreas da empresa. Mas as empresas aproveitam para fazer alguma "limpeza" e isto não pode ser permitido. Tivemos violação dos direitos de férias e outros mais básicos. Até houve empresas que quiseram obrigar os trabalhadores a gozar agora as férias de 2021, que só vencem em janeiro de 2021. Naturalmente que interviemos e em muitas conseguiu-se reverter
A autoridade para as condições do trabalho tem estado bem a fazer a fiscalização dos lay-off?
Não. Até houve reforço da ACT, por pressão nossa, mas não só é insuficiente como tem de haver orientação e exigência por parte da ACT quando faz as intervenções. O número de situação é imenso, portanto não se chega a todo o lado, mas para além disso há permissividade, nomeadamente nesta questão da precariedade. Um trabalhador que tem um posto de trabalho permanente não pode ter um vínculo precário. Se não houver fiscalização da ACT... até onde é que a ACT pode chegar quando deteta situações incorretas? Tinha de haver fiscalização nos contratos de trabalho a termo... e não há. A verdade é que temos milhares de trabalhadores contratados a termo certo que não podiam estar nessa situação porque ocupam postos de trabalho permanentes. Tal como temos, e agora até no quadro na epidemia, os falsos recibos verdes que ocupam postos de trabalho permanentes, que estão subordinados, que utilizam as ferramentas da empresa deviam ser trabalhadores das empresas. Também aqui não há fiscalização. E houve apoio porque nós desde a primeira reunião que tivemos chamamos a atenção para o que estava a acontecer com os trabalhadores independentes - mesmo os que são mesmo independentes, que estão com uma situação de proteção muito reduzida e que cria as tais situações de pobreza de quem trabalha, que é uma coisa que não devia acontecer em lado nenhum do mundo.
Este novo mundo do teletrabalho parece ter vindo para ficar. A CGTP tem recebido queixas neste âmbito?
Muitas queixas e a constatação do aproveitamento que é feito pelas entidades patronais do teletrabalho. O teletrabalho em si pode-se justificar em situações muito concretas e até admitimos que é natural, mais ainda com este aumento de infeções, que os trabalhadores tenham receio.
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Quais são o tipo de queixas que a CGTP tem recebido?
O teletrabalho tem em si um conjunto de formas de relação de trabalho, logo à partida o isolamento, que não garante nem os seus direitos - o trabalhador isolado fica mais frágil - mas depois é a promiscuidade entre a vida profissional e a sua própria casa e que é muito negativa. A não garantia de todos os direitos dos trabalhadores não só nas retribuições, mas também em relação a instrumentos e condições de trabalho.
E horários também. Já todos ouvimos dizer que assim se trabalha mais.
O que acontece é que o trabalhador na sua casa não controla o horário de trabalho, acaba por trabalhar muito mais horas e por estar ao serviço da empresa quase 24h. Tem de haver o cumprimento da lei - a lei já diz que o trabalhador quando está em teletrabalho tem os mesmos direitos, um deles o horário, dos outros.
Há uma questão prática que é as pessoas em teletrabalho gastam eletricidade e consumos de trabalho para estarem em contacto com a empresa.
Estava a incluir isso nos instrumentos de trabalho e nas condições, até mesmo na secretária, a cadeira, o equipamento e naturalmente todos os custos associados. O trabalhador não tem de pagar os custos que deveriam ser da empresa. Para as empresas a generalização do teletrabalho seria uma poupança enorme de custos e esses custos não podem passar para o trabalhador senão estamos a reduzir o seu salário.
Por outro lado também é verdade que o trabalhador deixa de ter a despesa em transportes.
Que nas grandes áreas metropolitanas reduziu muito desde a descida dos passes. Mas a verdade é que isso acaba por não ser compensado com a situação da relação de trabalho, da falta de trabalho coletivo, da tentativa das empresas porem escrito que é ao trabalhador que compete o pagamento desses custos de eletricidade e internet. E isso não pode ser, têm de ser as empresas a suportar.
Há poucos dias a CGTP comemorou 50 anos. A luta laboral ainda tem a importância que tinha há 50 anos?
Tal como no primeiro dia, e já era herdeira da história da luta do movimento operário, em que os quatro sindicatos decidiram convocar aquela reunião intersindical se justifica e é necessária uma central sindical de classe que de facto garanta a organização, mobilização, envolvimento e luta dos trabalhadores pelas melhores condições de vida e trabalho, mas também de desenvolvimento do país e de transformação da sociedade. Porque esta CGTP não se limita à resposta imediata, para nós o objetivo mais longínquo é também o fim da exploração do Homem pelo Homem, a alteração desta sociedade em que o lucro é que comanda tudo.
Mas a taxa de sindicalização caiu muito em Portugal. Sentiu essa fuga?
De 2016 a 2020 sindicalizaram-se mais de 114 mil trabalhadores nos sindicatos da CGTP.
Isso é um resultado líquido?
São as novas sindicalizações. O resultado líquido não é tão elevado porque houve reformas, despedimentos, desemprego, encerramentos de empresas, etc, que levaram à saída de muitos trabalhadores. O resultado líquido foi positivo em cerca de cinco mil e continuamos a sindicalizar. Mesmo neste período em que se podia pensar que quem tem corte de salários podia ser mais uma despesa. Mas não é uma despesa, é um investimento porque garante que o trabalhador está organizado num sindicato e isso é fundamental. Mesmo durante a pandemia a sindicalização nos sindicatos da CGTP continuou a ser muito grande e muitos milhares de trabalhadores a procurarem os sindicatos, não só para garantir a defesa de uma ou outra situação, mas para se organizarem e lutarem contra esta situação que estamos a viver.
Terminamos com uma pergunta à secretária-geral da CGTP; entidade patronal, e não entidade intersindical. Qual vai ser o aumento salarial dos trabalhadores da CGTP em 2021?
Ainda não temos isso definido, mas garantidamente que haverá conversações com os trabalhadores e haverá aumento com certeza.
Será acima dos 35 euros que pede para o aumento do salário mínimo?
Depende, porque a CGTP depende das quotas dos associados e as quotas dos associados dependem dos seus salários...
Tipicamente 1% do salário.
Sim, na generalidade dos sindicatos. Vivemos disso, não temos outra fonte de receita. Terá a ver com a negociação e o que queremos é que seja os 90 euros para todos os trabalhadores, incluindo os da CGTP.