“Já estamos a ver as startups como um produto muito interessante para a economia”

A 351, Associação Portuguesa de Startups, destaca que o amadurecimento do ecossistema empreendedor em Portugal já permite maior valorização e aproveitamento económico.
Cíntia Costa,  communications & community manager da 351, Associação Portuguesa de Startups. Foto: Reinaldo Rodrigues
Cíntia Costa, communications & community manager da 351, Associação Portuguesa de Startups. Foto: Reinaldo Rodrigues
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Cíntia Costa é um dos rostos à frente da da 351, Associação Portuguesa de Startups, criada por fundadores para fundadores para dinamizar o ecossistema, em maio de 2022, mas que já existia informalmente desde 2019. A communications & community manager desta ONG retrata um ecossistema de startups ainda muito jovem, mas já com alguns exemplos de empreendedores em série. O papel da 351 tem sido o de ligar todos os players para ajudar a acelerar o crescimento destes negócios no nosso país e internacionalizá-los, mas também o de descentralizar a constituição de novas comunidades, para que se possam espalhar pelo país e criar mais proximidade com as startups.

Como é que em Portugal se olha para os empreendedores e as startups?

Tem havido um desenvolvimento do ecossistema, que podemos dizer que nasceu mais ou menos por volta de 2011, 2012. Ainda é bastante jovem, mas tem havido aqui um amadurecimento. Tem havido também algumas considerações legais, porque já existe hoje o estatuto de startup, uma criação mais recente do governo. Portanto, já estamos a ver agora as startups como realmente um produto muito interessante para a economia, quer em Portugal, quer a nível internacional, porque uma startup é, por definição, um produto escalável e repetível. A ideia aqui é criar um produto ou um serviço que possa ser utilizado um bocadinho em todo o mundo e ter impacto global. É cada vez mais valorizado.

Falou num ecossistema ainda muito jovem. Mas já vemos empreendedores experientes em Portugal…

Sim, já temos alguns empreendedores que criaram primeiras startups e agora estão a evoluir para uma segunda startup ou uma segunda ideia. Chamamos-lhe os empreendedores em série. Em Portugal, já temos alguns e têm criado produtos muito interessantes e muitas vezes têm feito o exit, que é o que nós chamamos quando realmente fazem uma venda ou uma reatribuição da startup. E, nesse caso, acabam por ter novas ideias e novos projetos e ter aquele espírito empreendedor que não conseguem dominar, e voltam a criar novas startups.

E como é que os fundadores de sucesso podem ajudar depois o ecossistema a crescer mais depressa?

Sem dúvida que através de mentoria, que é uma das formas do que nós chamamos de give-back. Portanto, os próprios empreendedores conseguem ajudar através das suas experiências, partilhar com outros empreendedores e é um bocadinho também aqui o objetivo da 351, é criar um ambiente saudável para que exista esta partilha e evitar assim que se cometam os mesmos erros, aprenderem uns com os outros e criarem um ambiente ou um ecossistema em que as startups conseguem crescer mais rápido, porque já evitam certos passos desnecessários ou que iriam resultar em insucesso.

E de que forma é que o apoio institucional ou privado pode acelerar a maturidade deste ecossistema?

O apoio institucional acaba por ser muito importante porque as startups sentem-se valorizadas, têm aqui um ecossistema que apoia a vários níveis. E temos vários players, desde a Startup Portugal, que tem aqui um papel muito importante de apoio às startups, até à parte do investimento, como o Banco Português do Fomento ou a Portugal Ventures. E o apoio privado também se pode constituir aqui, quer seja a nível de incubadoras, aceleradoras, como também de investimento e temos os VC [Venture Capital] ou também os Business Angels que acabam por ter um papel muito importante na parte financeira das startups para lhe darem então algum valor que possam utilizar para construir o seu produto, para levá-lo para o mercado, validá-lo e depois crescer.

E porque é que neste caso criam uma associação que é uma ONG para ajudar a alimentar, a construir este ecossistema?

Sentimos que havia aqui um gap no mercado em que os fundadores não tinham apoio entre si e foi aí que surgiu a comunidade em 2019, no sentido de haver um ambiente seguro, uma forma das pessoas se conectarem, mesmo que não se conheçam à partida e de partilharem experiências, como eu estava a falar há pouco. Depois tivemos a necessidade de criar uma associação para termos uma estrutura legal que nos permitisse dar alguns apoios, já mais a nível financeiro. Temos um projeto que é o Community Fund, em que o objetivo é ter um pouco de financiamento para projetos ou artigos de pesquisa ou também eventos de comunidades, para fomentar um bocadinho as comunidades nos vários setores, nos vários verticais e a partir daí termos o apoio aos empreendedores. Ou seja, não se extingue apenas no matchmaking e no networking, mas sim também criar valor para os próprios fundadores e para as comunidades, como eu estava a referir. E nesse sentido, temos esta estrutura legal e então permite-nos fazer vários projetos, mas também um dos nossos objetivos é empoderar as pessoas para fazerem parte do ecossistema empreendedor.

E isso faz parte do mindset português, ou seja, quando se pensa em ideias, que se possa investir nessas ideias, ou quando se sai das universidades, quando se entra no mercado de trabalho, de facto as startups estão no mindset dos jovens ou de quem tem uma ideia?

Cada vez mais está. Se calhar não à partida, porque Portugal é um país bastante adverso ao risco. Mas acabamos por ver que as universidades estão a fomentar cada vez mais cadeiras de empreendedorismo e, portanto, capacitar os jovens para poderem dar um passo em frente quando têm uma ideia ou quando têm esse espírito empreendedor que não conseguem domar, e criar uma estrutura, uma metodologia e também conectá-los com outros players do ecossistema para criar então um caminho mais fácil, digamos assim, para o sucesso através desses vários apoios. Estou a falar então de incubadoras, aceleradoras, a própria 351, que faz esta conexão também com vários players do ecossistema. Portanto, acho que as universidades têm um papel muito de formar e de dar também esta validação de que é ok ser empreendedor.

E depois a burocracia, como é o nosso país?

Sem dúvida que isso é um desafio. Criar uma empresa, na verdade, é um processo até um pouco complexo e que tem alguns custos, colocar capital, mas também, por exemplo, contratar um contabilista. Porque é logo obrigatório. E as startups não são exceção e têm então todo este trabalho para fazer. Acho que pode haver aqui algum trabalho governamental, e estamos também a fazer um pouco deste trabalho com a Startup Portugal, para criar cada vez mais condições para os jovens poderem criar as suas próprias empresas e no caso também startups, de uma forma mais fácil e diminuir o nível burocrático.

A 351 tem voz para conseguir levar ao Governo a perceção que tem das necessidades deste ecossistema?

Temos de fazê-lo através de parceiros que estão conectados ao governo. Representamos no fundo os fundadores, não é? Portanto temos aqui algum impacto e alguma importância nas conversas que estão a ser tidas.

E os fundadores já reconhecem em vocês também esse papel de representatividade?

Sim, sem dúvida. Cada vez temos mais membros na nossa comunidade. Somos já mais de 1800 e também estamos a criar agora o programa de membership, em que basicamente vamos ter associados. Além de membros, que obviamente será sempre gratuito, os associados vão ter direito a mais-valias e criamos essa proximidade dos fundadores que nos dão assim também o seu feedback e que se fazem representar.

Quais é que são as grandes oportunidades no nosso país, nomeadamente até no desenvolvimento de projetos iniciais?

O nosso mercado tem várias vantagens e também tem algumas desvantagens. As vantagens são, sem dúvida, poder facilmente chegar a um mercado ou aceder ao mercado porque existem poucos players, não é? Existe alguma contenção, digamos assim, do que são alguns negócios ou alguns verticais, algumas das áreas. Mas também temos então o problema que é não podemos ficar apenas por Portugal. Ou seja, a startup já tem que nascer com um mindset internacional. Podem realmente testar o seu produto num mercado mais pequeno, mas depois têm sempre de expandir se quiserem crescer e eventualmente tornar-se num unicórnio, que é o sonho de todos. Sem dúvida que temos, em comparação com outros mercados, mais dificuldades, também, por exemplo, no acesso ao financiamento. Uma vez que é difícil, por vezes, que os investidores sintam, a partir da confiança no projeto, principalmente quando é muito jovem e que tem pouca validação do mercado. E os investidores em Portugal têm alguma aversão ao risco e vão procurar muito os projetos que já têm tração, já têm resultados, métricas para apresentar. Isso é completamente diferente do que, por exemplo, existe nos Estados Unidos, em que basta ter um PowerPoint e quase que já têm dinheiro na mão. Existe essa disparidade, que estamos a trabalhar também nesse sentido para mitigar o risco e criar aqui condições para que possa haver mais investimento para que as startups também se sintam apoiadas nesse aspeto financeiro.

E depois também há um lado da vossa intervenção que é descentralizada geograficamente?

O que pretendemos fazer realmente é criar um ecossistema descentralizado. Nesse sentido, temos vindo a criar alguns projetos para também capacitar, como estava a falar também há pouco, os próprios ecosystem builders, como costumamos chamar os gestores de comunidade, que possam criar as suas próprias iniciativas e comunidades nas várias cidades. O objetivo é criar um ambiente propício a que uma startup possa nascer, por exemplo, no Fundão, que é também um caso de sucesso mais recente, e noutras regiões, claro. Nesse sentido, temos o Portugal Tech Week, que é um dos projetos que temos anual: durante uma semana o maior festival de inovação no país e que realmente, através de parceiros locais, conseguimos chegar a mais de 20 cidades este ano e tivemos mais de 250 eventos. Foi, sem dúvida, um sucesso que nos orgulhou bastante. E temos também projetos como o Community Leaders Academy, que é um programa da Techstars, na verdade, para capacitar e validar os próprios ecosystem builders nas várias cidades e damos, então, formação e criamos um ambiente em que podem partilhar com outros community builders e ecosystem builders as suas dificuldades e possam crescer juntos. Estes são alguns dos projetos que temos e que pretendem apoiar esta descentralização e a criação de um ecossistema viável em todas as cidades.

Tem a sensação de que estejamos a viver um fervilhar criativo e que existe um movimento muito acelerado de crescimento, de novas startups, de apoio no ecossistema, de muita gente integrada e ligada a tentar construir?

Sim, sem dúvida. Como estávamos a falar no início, desde 2011, 2012, até agora, houve realmente uma maturidade que se vê e o número de startups, sem dúvida, aumentou muito mais nestes últimos cinco anos. Hoje, temos mais de 4700 startups em Portugal, que é completamente diferente do que tínhamos no início. Sente-se também um grande avanço na parte dos enablers, como nós costumamos chamar, que são as incubadoras. Há cada vez mais incubadoras e a própria Rede Nacional de Incubadoras tem capacitado e acreditado mais incubadoras em Portugal, aceleradoras e programas de aceleração, mas também programas e concursos de empreendedorismo, quer seja por várias corporates que estão em Portugal, quer seja internacional e com delegações que vão ao exterior para apoiar estas startups também na internacionalização, que é um ponto, sem dúvida, importante, como já falámos. E vê-se que o ecossistema está mais alargado e também mais conectado, que era uma dificuldade que sentíamos ao início. Parte da criação da 351 enquanto associação é ser um bocadinho o conector entre estes vários players e sentimos que já está a acontecer, ainda não estamos no ponto ótimo, mas está a acontecer esta ligação.

E nós estamos no ponto de visibilidade suficiente para atrair investimento global?

O objetivo é esse, mas ainda estamos no caminho. Diria que ainda não estamos nesse ponto, mas já temos alguns VCs internacionais em Portugal, sim.

E quais é que são as grandes oportunidades que temos aqui para o empreendedorismo?

As startups têm o objetivo de ser escaláveis e de estar no maior número de mercados possíveis, mas claro que também depende de cada vertical. E há startups que podem fazer sentido estar nuns mercados e não noutros, consoante a sua estratégia, e outras que realmente podem estar em todo lado. Aqui vai dependendo do produto, do serviço, etc.

Mas quais são as áreas de maior crescimento internacional?

Diria que talvez a saúde, que é um ponto muito importante hoje em dia e que têm havido várias startups de health tech. Mas também a educação, que é um vertical também super importante e que está em evolução, quer seja em Portugal, quer seja a nível internacional. Sem dúvida a inteligência artificial, que é incontornável. E projetos de impacto social, que também estamos a apoiar bastante em Portugal e que podem ter outras repercussões noutros países.

Isso é interessante, porque olhar para as startups também com projetos com impacto social é muito importante e é importante incentivá-las também. Mas há aqui uma necessidade muito grande de haver também mudanças estruturais para reduzir aqui a dependência dos apoios estatais, ou não?

Sim, sem dúvida. Os apoios estatais são importantes para valorizar as startups, mas o objetivo é que as startups sejam independentes e o ideal é que possam concretizar as suas próprias rondas de investimento e ter apoio quer de players privados, quer depois da sua própria autogestão, o que nós chamamos de bootstrapping. Portanto, com os seus próprios meios, criar aqui um produto que seja tão sustentável que a própria startup possa crescer com esse reinvestimento, digamos assim, dos lucros obtidos.

Um evento como a Web Summit chama muita atenção de quem está fora. É suficiente um evento como este para um país como Portugal?

Sem dúvida, a Web Summit é super importante e criou aqui um grande, teve um papel importante para criar um ecossistema que se abrisse ao mundo e tivesse aqui uma montra para o exterior. Mas nós temos de fazer este trabalho a 365 dias. E nós temos vários eventos para que as startups se possam também apresentar ao mundo, como disse. O sentido de criar um ecossistema que seja vibrante todo o ano e não só uma semana por ano é muito importante e contamos com todos os players do ecossistema para o concretizar, sem dúvida.

O que vocês perspetivam para 2025 para este ecossistema e de que forma é que vocês querem intervir ou querem criar novos projetos de intervenção?

Já temos várias coisas planeadas. Temos vários Startup Weekends, que são também projetos da Techstars que estamos a dinamizar em Portugal, e portanto capacitar também os empreendedores ou quem quer ser empreendedor para ter uma metodologia para criar a sua startup. Vamos ter novamente a Portugal Tech Week. Vamos ter novamente a Community Leaders Academy. Várias coisas que vão acontecer e que vão dinamizar o ecossistema. Mas a nível global, já temos também alguns eventos que são já anuais ou com frequência já predefinida, entre os quais a Sim Conference da Startup Portugal também tem aqui um papel importante da dinamização de startups juntamente com investimento.

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