Durante o estado de emergência, dois terços das empresas de ourivesaria e joalharia estiveram fechadas. O verão trouxe uma "recuperação tímida", mas há ainda unidades encerradas e os despedimentos já se fizeram sentir. A quebra esperada no volume de negócios, neste ano, "será sempre acima dos 45%", em média, admite o presidente da AORP, a associação do setor, que ontem apresentou a nova campanha de promoção internacional da joalharia portuguesa, um investimento de três milhões de euros, entre 2020 e 2021, para promover o regresso à "trajetória de crescimento e expansão internacional".
Together We Stand é o mote da nova campanha, na qual em vez das joias é dado palco aos protagonistas do setor, dando a conhecer sete histórias de empresários que retratam a nova dinâmica da joalharia portuguesa. "Queremos passar uma mensagem de união e resiliência. Estamos todos ligados no problema, temos que estar ligados na solução", diz Nuno Marinho, presidente da Associação de Ourivesaria e Relojoaria de Portugal. Em simultâneo, a AORP lança o novo portal Portuguese Jewellery, uma montra digital do bem saber fazer dos artesãos e marcas nacionais e que irá, até ao fim do ano, evoluir para um marketplace de vendas das joias portuguesas no mundo. Arranca com 30 empresas pré-aderentes, mas Nuno Marinho acredita que, à medida que o projeto for amadurecendo, outras se juntarão.
Este é um setor essencialmente formado por micro e pequenas unidades, quatro mil no total, e que contam com dois a três trabalhadores, em média. Gera um volume de negócios anual de mais de mil milhões de euros, um valor acrescentado bruto de 233 milhões e exportações de 208 milhões, valor que representa um crescimento de 23% nos últimos cinco anos. Um inquérito realizado pela Deloitte, mostra que 87% dos empresários apontam o "reduzido investimento público" para a promoção do setor, como um dos "obstáculos" à internacionalização. Modernizar a indústria e a digitalização são outros dos desafios apontados pelos industriais, a par da certificação que, em Portugal, é realizada em exclusivo pelos serviços de contrastaria da Imprensa Nacional Casa da Moeda.
Aliás, a AORP garante que foi o encerramento das contrastarias durante o estado de emergência, "sem qualquer aviso prévio e sem consulta aos parceiros", que acabou por obrigar muitas empresas a encerrar, também na medida em que não podiam certificar o artigo que produziam. A reabertura aconteceu mês e meio depois, após "muita pressão", mas "o mal estava feito", afiança Nuno Marinho. E apesar das grandes mudanças entretanto operadas, inclusivamente a nível diretivo, o setor reconhece que "há algumas melhorias no serviço", mas continua a criticar duramente o sistema de monopólio, considerando que lhe retira competitividade.
"Para podermos combater com as mesmas armas e estarmos em pé de igualdade com outros mercados, precisamos de modernizar e agilizar o processo de certificação. Comparativamente a Espanha, França e Itália, temos um dos sistemas mais arcaicos e menos eficientes", diz Nuno Marinho, que reclama o fim do monopólio das contrastarias. "Num momento em que compramos algo hoje, online, esperamos que nos seja entregue no dia seguinte, cada minuto conta. Um dia de atraso é um dia ganho pela nossa concorrência a ocupar o nosso lugar", defende o empresário.
Sobre a falta de investimento público, Nuno Marinho admite que o setor se sente "esquecido", pela sua pequena dimensão, já que a maioria das empresas de joalharia não tem condições de se candidatar aos fundos comunitários, da forma que estes são desenhados. Qualquer oficina de ourivesaria tem "muita dificuldade" em cumprir a métrica que é usada para medir os ganhos nos sistemas de incentivo à inovação produtiva, por exemplo. E o objetivo da AORP é conseguir que, no próximo quadro comunitário de apoio, os sistemas de incentivos sejam desenhados tendo em conta as especificidades de setores como o da joalharia.
"O mercado nacional está maduro e perfeitamente explorado, mas o potencial exportador é enorme. E nós temos capacidade a nível tecnológico, criativo e de flexibilidade... temos tudo para conseguimos vencer lá fora, temos agora que conseguir que o Governo acredite em nós. Não estamos a pedir subsídios, mas um coinvestimento", diz Nuno Marinho, sublinhando que a intenção é conseguir "pôr o setor no mapa, através do investimento e da capacitação, que não foi feita até agora".
E se a última década foi "revolucionária" para a indústria, a próxima promete não lhe ficar atrás, com o setor a acordar para uma renovação geracional, com a chegada das segundas e terceiras gerações familiares, apostadas em inovar o negócio, designadamente no e-commerce. Só nos últimos três anos, foram registados mais 611 novos operadores para comércio online de joias, mas a proliferação de lojas virtuais "torna o ambiente digital muito competitivo e exige um grande esforço de investimento por parte das marcas". Também aqui, a AORP alerta para o facto de a legislação em Portugal ser "muito complexa e restritiva", tornando as empresas portuguesas "menos competitivas" no digital.
208 Milhões de euros - O valor total das exportações da joalharia e relojoaria em 2019, um crescimento de 23% desde 2015.
1,049 mil milhões - Volume de negócios do setor em 2018 (últimos dados disponíveis), que conta com 4 mil empresas e 10 337 trabalhadores.
611 Operadores de e-commerce - O número de novas licenças registadas nos últimos três anos para comércio online de ourivesaria e joalharia.
Na TMB, as iniciais de Tiago Martins Barbosa, o fundador da empresa, o saber fazer da ourivesaria tradicional portuguesa vai já na terceira geração. O negócio foi começado pelo seu pai, nos anos 50, primeiro como fabricante de máquinas e ferramentas inovadoras para o setor e, depois, como ourives, e continua, agora, com os seus dois filhos, Tiago e João Barbosa.
E foi pela mão deste último que nasceu a Portvs, o projeto de internacionalização da empresa de Gondomar, assente no B2B, ou seja, na produção para marcas de terceiros, mas com uma grande vertente digital à mistura. O que, em ano de pandemia, veio a surtir grandes resultados. Em 2019, a exportação valia apenas 10% do milhão de euros de faturação da TMB. Neste ano pesa já 40% e compensou o "decréscimo abrupto" do mercado nacional, com quebras de 80%.
"Com um ano e meio de projeto de exportação em marcha, e principalmente num ano destes, não estava à espera", admite João Barbosa. A expectativa é que, dentro de um ano, os mercados internacionais valham já 70%. Uma estratégia bem montada de otimização para mecanismos de busca, assentes no SEO, é o primeiro fator de sucesso. A internet tem sido a porta de chegada de todos os novos clientes neste ano.
Mas é o serviço que a TMB presta, com uma resposta costumizada às necessidades, personalizando os artigos, mas fornecendo também o packaging e os expositores, numa lógica chave na mão, que os fideliza. A economia circular é outra das mais-valias, já que 95% da prata que usa é de origem reciclada.
Quem passear pelos Campos Elíseos, em Paris, e se dedicar a ver as montras das ourivesarias, é provável que encontre peças produzidas na JCF Joalheiros. Criada por José Carlos Santos, em 1994, começou por ser uma operação individual, numa pequena oficina, em Guimarães. Hoje, é uma das maiores do setor: dá emprego a 62 pessoas, gera vendas de cinco milhões, 90% dos quais obtidos nos mercados externos, e trabalha já diretamente com as grandes marcas de referência da alta joalharia francesa.
E em plena pandemia, acaba de inaugurar uma nova fábrica, um investimento de dois milhões, altamente inovadora. "Sempre dei prioridade ao investimento em tecnologia. Isto é como os carros, há sempre novidades a surgir, e é uma das coisas em que os clientes mais reparam, na capacidade do fabricante em acompanhar a inovação", diz José Carlos Santos. Tem já uma das filhas a trabalhar consigo, na área de laboratório e controlo de qualidade. A mais nova está a fazer uma pós-graduação em marketing digital.
Com a covid, e os primeiros cancelamentos de encomendas, em meados de março, o empresário admite que ficou preocupado. Laborou, em abril e maio, com metade da equipa, mas em junho já estava a 100%. Fechou o primeiro semestre "ligeiramente acima" de 2019 e admite fechar o ano da mesma forma. A sua grande preocupação é a eventualidade de um surto de covid na fábrica: "Temos encomendas de grande volume, com prazos muito curtos. Se tiver que reduzir a equipa, nunca mais vou conseguir cumpri-los".
Mas está confiante no futuro, designadamente na capacidade de Portugal em assumir parte das encomendas que as grandes marcas colocavam na China. Ainda esta semana recebeu um pedido de orçamento de uma grande marca americana. "A qualidade é a nossa mais-valia e a grande vantagem é estarmos na Europa, que é algo que as marcas valorizam cada vez mais", frisa.