Descendente de Dona Antónia Adelaide Ferreira e responsável pela quinta que dá nome ao vinho que produz junto ao Peso da Régua, o vitivinicultor fala das suas conquistas, de como o negócio viveu a pandemia e das ambições que tem para a sua marca. E garante que a América do Sul, sobretudo o Brasil, é um mercado que pode dar muito espaço aos vinhos portugueses. Assim se ultrapassem barreiras ainda penalizadoras, como a fiscalidade que põe as nossas garrafas a custar dez vezes mais do outro lado do Atlântico.
Como está a correr a vindima neste ano? Que expectativas tem, em volume e qualidade?
A vindima acabou no fim de setembro e correu normalmente, exceção feita a alguns períodos de chuva, que nos obrigaram a pequenos ajustamentos de calendário. Os brancos são excecionalmente bons e os tintos de boa qualidade. Em termos de produção, houve um aumento de aproximadamente 30% em relação ao ano passado, e de aproximadamente 5% em relação à média dos últimos dez anos. Este momento, apesar de estarmos muito habituados a ele, é sempre empolgante.
A vida regressou ao normal, ou quase. Restaurante abertos, centros comerciais, fim da limitação de horários. Este ano e meio impactou de que forma nas vendas?
Em 2020 tivemos uma quebra de 15 % na faturação total, menos 9% na venda de vinhos e menos 30% na prestação de serviços no turismo. Até no número de dormidas sentimos a pandemia: tivemos uma redução de 6124 para 4192. Apesar da quebra, mantivemos o EBITDA e os resultados líquidos em valores semelhantes ao ano anterior.
Pode desagregar o mercado nacional e as exportações? E as vendas em supermercados, lojas especializadas e canal horeca (hotéis, restaurantes e cafés)?
Nas grandes superfícies, vendemos mais 40%, no horeca menos 46% e o online cresceu 230%, o que é notável. As exportações também correram muito bem, demos um salto de 10%. Já neste ano, estamos a conseguir uma boa recuperação. Até setembro temos um crescimento homólogo de 15% face a 2020: mais 8% em vinhos e mais 30 % no turismo. Esperamos fechar o ano com uma faturação muito semelhante à de 2019. A nossa recuperação está a ser rápida.
E no Brasil conseguiram bons resultados: lideram as vendas de tinto, no que respeita aos vinhos com origem no Douro. Como chegou a este resultado?
No Brasil mudámos de importador, depois de alguns anos com maus resultados. E finalmente parece que acertamos no parceiro certo, o que é absolutamente fundamental. Trata-se de uma empresa presente em todos os canais e regiões geográficas e que tem uma rede de retalho superior a cem lojas, um canal de vendas online, uma força de vendas para o horeca e também para a distribuição moderna. Tudo como deve ser. Assim, contamos multiplicar por quatro ou cinco o valor das exportações para este mercado, de 150 para 750 milhões de euros. No primeiro semestre ficámos em primeiro lugar nas vendas de vinhos Douro Doc para este mercado, com aproximadamente 500 milhões de exportações.
Qual a importância da América do Sul para os vinhos portugueses? Tenho a impressão de que os mais vendidos no Brasil não eram propriamente os mais sofisticados... Isso mudou?
A América do Sul, designadamente o Brasil, é muitíssimo importante para os vinhos portugueses. O Brasil é o único país do mundo, além de Portugal, onde os vinhos portugueses têm um prestígio semelhante aos melhores do mundo - França, Itália, Espanha, etc. Portugal tem aproximadamente 40% do mercado de vinhos importados e é o segundo maior, depois do Chile e antes da Argentina. O consumo total tem crescido fortemente - em 2020 cresceu 18%, de 360 para 430 milhões de litros. Existe um número crescente de consumidores de vinho, já são mais de 80 milhões de pessoas, e verifica-se um aumento do consumo per capita, que embora ainda seja baixo (2,6 litros) está a aumentar consistentemente. Compara com mais de 50 litros em Portugal, o que significa que há caminho a fazer e mercado a ganhar.
A América do Sul tem bons produtores de vinho, como a Argentina e o Chile. Esses países conseguem colocar vinhos bons e mais baratos (que pagam menos impostos) do que nós, portugueses?
O lado negativo do mercado brasileiro é que os países do Mercosul, como a Argentina e o Chile, têm acordos fiscais muito vantajosos, conseguem pôr os seus vinhos no Brasil a preços muito competitivos, nomeadamente quando comparados com os europeus. Um vinho exportado de Portugal terá um preço de venda no Brasil cerca de dez vezes superior àquele a que saiu de cá. Não se percebe como, sendo países irmãos, Portugal nunca estabeleceu um acordo fiscal favorável para os vinhos com o Brasil. Seria mesmo importante para o setor e para o nosso país. O impacto seria excecional... até na perceção da marca Portugal no mundo.
Do ponto de vista do consumo, o que está a mudar em Portugal? Os últimos anos parece que se traduziram num maior peso do rosé nos meses quentes, é assim?
Tanto os vinhos rosé como os brancos têm tido um aumento no consumo, principalmente no verão, mas também ao longo do resto do ano. Uma das justificações tem sido o aumento do turismo, mas também os portugueses estão a beber mais este tipo de vinho. Nós acompanhamos a tendência, na verdade procuramos estudar, testar e inovar.
A Quinta do Vallado entrou no top 50 do World"s Best Vineyards to Visit. Que valor tem esta entrada? Tem impacto nas vendas? O vosso turismo rural que peso tem no negócio?
Esta distinção é muito importante tanto para o turismo como para o prestígio dos vinhos portugueses. A atividade do turismo representa para a Quinta do Vallado aproximadamente 25% das vendas - e não pode crescer muito mais. Mas o que pode crescer muito são as exportações de vinho... à medida que Portugal e os vinhos que produz passem a ser mais conhecidos e a ter mais prestígio. Ainda na semana passada li uma notícia interessante sobre a experiência que a região de Bordeaux está a fazer com castas portuguesas. O aquecimento global está a levá-los a testar a touriga franca e a touriga nacional. Pense bem no que isto significa. Apesar de ser ainda apenas um teste, a verdade é que estão a escolher magníficas castas portuguesas, o que nos valoriza, obviamente.