João Quadros "Ninguém é intocável"

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A primeira coisa que faz ao acordar é beber um Red Bull. Depois,

senta-se à secretária e escreve um Tubo de Ensaio, rubrica diária

de Bruno Nogueira na TSF, que faz há três anos. Embora as suas

piadas cheguem para compor uma antologia do humor português, o

argumentista prefere viver na sombra. "Ao fim de 18 anos de

escrita, percebo que estou na moda e isso assusta-me um bocadinho. A

minha mulher está sempre a dizer que não devo dar entrevistas."

Desta vez, não seguiu o conselho. Mas foi uma conversa agendada a

ferros: primeiro, porque raramente atende o telefone ou responde a

emails, depois porque nunca recebe ninguém após as 19:00. Dez

minutos antes da hora, recebemos uma mensagem: "Estou atrasado,

a acabar a dar a explicação à minha filha".

É num terceiro andar da Calçada da Estrela, em Lisboa, que João

Quadros trabalha nas suas piadas: primeiro lança-as no Twitter para

testá-las, depois afina alguns detalhes e escreve a versão final do

texto. Ser humorista de secretária tem as suas vantagens, mas

garante que precisa de disciplina para conseguir cumprir os prazos.

"Os meus amigos, sabendo que sou um bocado destravado, passam a

vida a perguntar-me se alguma vez falhei. Nunca aconteceu, nem mesmo

quando estive doente."

Aos 47 anos, com quase vinte de carreira, assina regularmente

artigos de opinião na imprensa portuguesa e escreve para televisão.

Ser conhecido não é uma ambição. Há pouco tempo, uma revista

organizou uma lista dos 100 mais influentes de Portugal e atribuiu à

dupla criativa do Tubo de Ensaio o 13.o lugar. O resultado? "Estava

de férias na Praia da Rocha, quando foi publicado o artigo. Depois

das duas da manhã, com os copos, as pessoas lá vinham ter comigo.

Mas quem é que àquela hora consegue ser construtivo?"

Antes de escrever, o argumentista escolhe o assunto e lê tudo o

que lhe aparece à frente. As piadas surgem quase sempre à primeira

tentativa. Se não for assim, "dificilmente saem". A

atualidade é incontornável, mas não lhe faltam ideias inspiradas

no Governo de Passos. "É extraordinário, embora seja tudo um

bocadinho tragicómico. Ainda hoje escrevi sobre a decisão de poupar

dinheiro no tratamento a doentes terminais com cancro. Isto é

comédia trágica."

Há muito que não recebe uma notificação do tribunal, mas em

tempos colecionou processos de quem não gostava de se ver retratado

pela sua acidez. No dia em que Duarte Lima foi libertado, Bruno

Nogueira leu o texto às 9:00 e às 12:00 já a TSF tinha recebido

uma carta do tribunal. "Estava a vê-lo na televisão quando me

ligaram da rádio. Só podia ter mais do que um advogado. Como é que

em duas horas, num dia daqueles, alguém consegue processar um

humorista?"

O tempo das "vacas sagradas do humor" já lá vai, mas

Quadros garante que Portugal ainda tem gente muito sensível às

piadas. "Não há intocáveis, mas existem aqueles que me caem

logo em cima, mesmo sem terem lido o que escrevi." Aconteceu há

pouco tempo com Vasco Graça Moura: "Tínhamos ido receber um

prémio e ele estava na plateia. Disse que tinha preparado um

discurso, mas não o ia ler porque criticava o acordo ortográfico.

Quando cheguei a casa o Twitter estava inundado: 'Mas quem é este

bandalho para falar assim sobre o Vasco Graça Moura?'"

Embora seja um dos mais respeitados autores de humor em Portugal,

foi como diretor de recursos humanos que Quadros começou a vida

profissional. Vestia fato e gravata e desdobrava-se em reuniões. A

escrita esteve sempre presente, até que um dia decidiu mudar. A meio

de mais uma reunião, levantou-se para ir à casa de banho. Nunca

mais lhe puseram o olho em cima. Um ano depois ganhava tanto como o

que recebia pelo trabalho na empresa.

Foi por essa altura que escreveu para Herman José piadas célebres

como "eu é que sou o presidente da junta", ou inventou

personagens como Diácono Remédios. Também fez coisas que não

recorda com saudade: "Escrevi de tudo, até os textos do Preço

Certo". Do que mais se orgulha? Do Último a Sair, a sátira aos

reality shows que passava na RTP, cujo formato está a tentar vender.

"Acho que o Ricky Gervais era perfeito."

5 ideias geniais: @omalestafeito, o Twitter de João Quadros

1. Paulo Campos tinha portageiras em casa para servir à mesa.

2. Governo vai privatizar 40% da CGD. Queres ver que o Nogueira

Leite vai para fora cá dentro?

3. Mário Lino escondia dinheiro das portagens em falsos

dicionários de Francês/Português.

4. Estou a ver isto em Madrid e acho que a nossa polícia de

intervenção devia usar gatos, não cães.

5. Crato quer convencer crianças que há futuro nas meias-solas.

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