Jorge Coelho: Santos Pereira "tem bastante endurance"

Publicado a



É o mais político dos gestores. Jorge

Coelho deixou o Governo em 2001, onde tinha a tutela das Obras

Públicas, e sete anos depois assumiu a presidência executiva da

maior construtora do País. Ainda hoje se ouvem vozes críticas, mas

o socialista - "até ao fim da vida", diz - joga com os

bons resultados da Mota-Engil obtidos no pior ano de sempre para o

sector.



Apresentou os resultados de 2011 e, no

momento, disse que sentia orgulho deles. Porquê?

Todos os indicadores foram positivos.

Não há nenhum que seja negativo face a 2010.

Os resultados líquidos caíram, ainda

que ligeiramente, os resultados financeiros pioraram...

Ah, mas eu explico-lhe isso tudo. Tem

que enquadrar a empresa no mundo e no país. Olhe para as empresas e

para o sector e veja que somos a única empresa que estamos em claro

contraciclo, isto porque definimos uma estratégia correta em 2008.

Definida por si, em 2008, a pedido de

António Mota, o acionista.

Definimos uma estratégia com um fôlego

maior na internacionalização e na diversificação. Isso foi o que

nos permitiu estar na atual situação. Aumentámos o volume de

negócios, o EBITDA, os resultados líquidos não atribuíveis ao

grupo. Os atribuíveis caíram porque tivemos uma imparidade

resultante da nossa participação na Martifer, mais nada.

Atribuiu a responsabilidade pelos maus

resultados à Martifer e sem qualquer cerimónia. É uma pedra no

sapato da Mota-Engil?

Vamos lá por partes. Tivemos

excelentes resultados em tudo, estancámos a dívida. No último

trimestre reduzimos a dívida em mais de 100 milhões de euros. Não

há um rácio que não tenha melhorado face a 2010. E, em termos de

resultados, foi notável para quem conhece a economia portuguesa e o

sector. Olhe para as outras empresas e veja como estão. Quanto à

Martifer, acreditamos no projeto senão não estávamos lá. Espero

que para o ano tenha a oportunidade de dizer que os resultados

atribuíveis ao grupo foram maiores por causa da Martifer.

O que correu mal em 2011 na Martifer?

A Martifer está a atravessar uma

reestruturação global, que irá ter resultados muito positivos,

penso que já no primeiro semestre.

Então, neste momento, pode dizer que

se sente absolutamente vingado dos que em 2008 disseram que a sua

vinda para a Mota-Engil era um tacho?

Nunca liguei muito a isso. O que sinto,

como pessoa, é estar agradado por ter sido possível integrar uma

empresa em conjunto com todos os que cá trabalham, ajudar a definir

uma estratégia e passar por uma crise profunda à qual o grupo não

é imune, e a empresa continuar a ter a sustentabilidade que tem. O

facto de eu, enquanto presidente executivo do grupo, ter saído, há

uns anos, de outra vida e ter conseguido liderar o êxito que o grupo

está a ter, não foi à conta daquilo que pode estar ligado com

aquilo que estava a referir. 70% da minha carteira está no

estrangeiro e ninguém acredita que tenho relações privilegiadas

com todos os governantes dos 20 países onde estamos presentes.

Pelo menos, terá com José Eduardo dos

Santos e com a sua família.

Tenho é relações de profundo

respeito, para com ele e com todos os governantes dos países onde

estamos.

Mas com estes resultados no meio desta

crise servem para calar os que o acusavam de vir para a Mota-Engil

por ter sido ministro, ou não?

Não, servem é para motivar e

dinamizar todos os que trabalham na empresa, credores, fornecedores e

bancos que trabalham com o grupo. Já tenho idade e experiência de

vida suficientes para não me motivar por quem faz críticas dizendo

que posso não prestar. Hoje tenho aquilo que tenho feito da minha

profissional, é transparente e está à vista. Felizmente, para o

grupo, para o país e para todos os 20 mil colaboradores do grupo,

as coisas estão a correr com razoabilidade.

Os próximos anos vão continuar a ser

muito complicados. A Mota-Engil vai continuar a resistir?

A Mota-Engil está a ter dificuldades

sérias aqui em Portugal, temos dificuldades com o sistema

financeiro, como as outras empresas, temos maus prazos médios de

recebimento, nomeadamente do Estado, e isso cria dificuldades sérias.

Temos é tido a capacidade de não nos resignarmos. Nós não nos

resignamos em nada. A prioridade é ultrapassar a dificuldade e não

descansamos enquanto isso não sucede, aqui ou em qualquer outra

parte do mundo. Não desistimos e acreditamos em nós, e isso está a

dar resultados.

O que se verifica é um peso cada vez

menor do mercado português na carteira de negócios.

Era bom que tivéssemos mais trabalho

no nosso país porque criaríamos mais emprego. Essa é uma grande

preocupação, a de colocarmos trabalhadores portugueses noutros

países. Somos, de certeza, o grupo em Portugal que tem mais

portugueses no estrangeiro. Temos mil pessoas. Acabámos de firmar um

contrato com a brasileira Vale do Rio Doce para a construção de uma

linha ferroviária no Malawi, para onde serão destacados 350

trabalhadores portugueses.

Como é dizer que às pessoas que têm

que deixar o seu país, a família e partir para outra vida?

Isso é uma questão que tem a ver com

quem governa o país, Eu, enquanto gestor da empresa, tenho

responsabilidades perante os acionistas, mas também perante os

trabalhadores, que confiam em nós. As pessoas que vão para o Malawi

são, na sua maioria, da nossa participada Ferrovias, que estava a

ter dificuldades em se manter. Este projeto veio trazer condições

para a mantermos de pé, sem despedimentos, antes pelo contrário,

com entrada de pessoas. Costumo reunir-me com as pessoas em todos os

países onde trabalhamos e sinto um grau de satisfação muito

elevado. As pessoas estão habituadas a mudar de país, há um clima

de mobilidade interna. É a internacionalização que ajuda a

resistir, se o trabalho desaparece em Portugal.

É por isso que a Mota-Engil surge em

contraciclo e m relação às outras empresas.

Mas atenção, porque o contraciclo não

é à custa do mercado nacional. Tivemos a capacidade de prever que

tínhamos que reorientar a nossa estratégia para estarmos mais

resistentes a qualquer crise.

Já percebi.

Eu sei que já percebeu, mas há

pessoas que podem vir dizer 'Ah, pois, porque tiveram privilégios'.

No mercado nacional somos tratados como as outras empresas.

Lá vão conseguindo umas obras

interessantes, como a construção da futura sede da EDP, em Santos

(Lisboa).

Apresentámos o melhor projeto ao

melhor preço e ganhámos. É normal que ganhemos mais obras porque

somos a maior construtora do país, o contrário é que seria

estranho.

É este o projeto mais interessante que

tem, pela dimensão e pela localização?

Não, há vários projetos, uns com

mais protagonismo, outros com menos. Na área da construção,

estamos a fazer várias coisas. Acabámos de construir a Fundação

Champalimaud, o CCB também fomos nós que fizemos, o Museu dos

Coches está a ser feito por nós. Isto é uma grande empresa que faz

grandes obras. E é uma marca da casa, a Mota-Engil estar ligada à

construção de grandes edifícios que sejam marcas de grandes

empresas e marcas arquitetónicas, como é o caso da Fundação

Champalimaud.

Tem-se dito coisas bastante

preocupantes sobre o que espera do sector.

Quando um responsável de uma das

associações do sector, à saída de uma reunião com o

primeiro-ministro, diz que até ao final do ano, se não forem

tomadas medidas, haverão mais 130 mil desempregados, qualquer pessoa

tem que ficar preocupada. Eu, como sou líder executivo da maior

empresa do sector, tenho que ficar ainda mais preocupado e trabalhar

para que isso não me afecte muito. Mas estou, de facto, muito

preocupado com o sector e com o país porque isto pode provocar uma

crise social muito grande. Estas pessoas, se forem parar ao

desemprego, com o seu nível de formação, não conseguem, na

generalidade, ir trabalhar para mais lado nenhum. É preciso

encontrar enquadramento para esta situação. Não estou a defender

que se inventem obras para as pessoas terem trabalho, há é que

encontrar naquilo que é o projeto de desenvolvimento económico do

país qual o papel que estas pessoas podem ter. Isso compete a quem

governa, a mais ninguém.

Durante esta crise, alguma vez dormiu

menos descansado com medo de não poder pagar os salários?

Sentia e sinto. Só se fosse

irresponsável é que sentiria, não só uma alta preocupação, como

ter a noção de que não sou eu que estou em causa, que a gestão

tem aqui uma grande preocupação, a de encontrar sempre soluções

para os problemas. Isto faz com que eu ainda durma menos do que durmo

na minha vida, que já é pouco. Só há uma pessoa que dorme menos

que eu, que é o professor Marcelo Rebelo de Sousa.

Quantas horas dorme?

Durmo muito pouco. Nunca me deito antes

de ver as capas dos jornais do dia seguinte, pela 1h30 e às seis da

manhã já estou a ouvir o noticiário de uma televisão. Mas

sinto-me bem a dormir estas horas. O professor Marcelo dorme menos e

tem mais atividade do que eu, portanto, isto não deve fazer mal.

Mas a Mota-Engil também está numa

situação em que o pagamento de salários pode falhar?

Tudo fazemos para que isso nunca

aconteça. Agora, não somos imunes às dificuldades. Por isso,

repito que tenho muito orgulho nos resultados de 2011 e numa coisa

importantíssima, a nossa carteira de negócios. Temos uma carteira

histórica - 3,5 mil milhões de euros - com 70% no estrangeiro. E

a tendência é para que esta percentagem suba.

Teve que reduzir o número de

trabalhadores?

Qualquer empresa grande está

permanentemente a fazer ajustamentos. Agora, não houve, nem vai

haver nenhum despedimento coletivo. Isso também é motivo de

orgulho.

E a austeridade chegou à gestão e aos

trabalhadores?

Tudo o que era possível cortar foi

feito e esse trabalho ainda continua. Nas viagens, isto que o Governo

aprovou agora de viajar em económica, está em vigor na Mota-Engil

há dois anos e meio. Mas o grupo tem uma cultura de pouca

ostentação. Pode ver, até pelas nossas instalações, está tudo

muito com os pés no chão.

Mas cortaram nos prémios de

produtividade?

Em 2011, pela primeira vez não subimos

salários, a não ser em alguns casos nas categorias que ganhavam

menos. O mesmo ocorrerá este ano. A nossa prioridade é o emprego.

Não houve prémios?

Não, houve prémios. É um erro deixar

de pagar prémios quando se congela salários, temos que ter

trabalhadores motivados do ponto de vista económico para

corresponder ao realinhamento estratégico.

Os gestores também receberão os seus

prémios?

Sim, vão ser agora analisados os

resultados para ver se correspondem ou não aos objetivos. Os

gestores receberão a componente variável que a comissão de

vencimentos entender. São mais impostos que o país arrecada. E a

Mota-Engil tem lucros, pelo que não pode cortar nos prémios, tem

que motivar as pessoas.

A família Mota continua a ser o

acionista maioritário.

Sim, com cerca de 60%, o resto está

disperso em bolsa. Tenho a sorte de ter uns acionistas que estão

sempre disponíveis para novos desafios. E temos parcerias noutras

atividades do grupo, com empresas nacionais e estrangeiras. Por

exemplo, abrimos o capital da Mota-Engil em Angola à Sonangol e ao

grupo Atlântico e estamos a pensar fazer o mesmo noutros países.

Qual é o peso de Angola na carteira?

Cerca de 20% e o objetivo é aumentar.

A parceria é, no fundo com o Estado

angolano. Não existe uma excessiva preponderância angolana nas

empresas portuguesas?

Aí é que eu também tenho muito

orgulho. O grupo que agora entrou no BCP [Atlântico] há três anos

que é nosso parceiro. São parceiros de grande credibilidade, com

quem temos um relacionamento magnífico.

Mas não vamos sempre dar ao mesmo, ou

seja, à família Dos Santos?

Não temos nenhuma sociedade com a

família de José Eduardo dos Santos. Mas se tivéssemos teria o

maior dos gostos. A Engª Isabel dos Santos viveu no prédio da nossa

sede, vimos crescer os seus filhos, pelo que teríamos o maior dos

gostos numa parceria.

Mas os parceiros das empresas

portuguesas são controlados pela família Dos Santos.

Isso não quero saber. A minha empresa

também tem capital de uma família, a Mota. Em Angola, sou um enorme

respeitador. Estou em 20 países, tenho várias sociedades, mas só

me coloca a questão de Angola.

Nenhum desses outros seus parceiros

entrou no capital de várias empresas portuguesas.

Sou de uma geração que combateu ao

lado dos angolanos pela sua independência. Não me meto nem tenho

que me meter nos problemas políticos de Angola, como também não

aceito que Angola venha interferir nos problemas políticos do meu

país. É por isso que me tratam bem em Angola e eu trato bem os

angolanos. Para mim, o mercado de Angola é igual ao da Polónia.

Tenho é que, como investidor estrangeiro, me sujeitar às leis desse

país, que é soberano e independente. Em Angola, ter como parceiro a

Sonangol é ótimo.

A Sonangol é o Estado angolano.

Não é o Estado angolano, é uma

empresa 100% de capitais públicos. Qual é que é o problema disso,

o que é que eu tenho a ver com isso. Olhe, às vezes rio-me com

estas discussões que há aqui em Portugal. Como é que um país que

tem a situação económica que tem e precisa desesperadamente de

investimento se dá ao luxo de discutir essas coisas. Como é que a

Mota-Engil, uma empresa multinacional, que quer ser bem recebida pode

estar com essas questões. Isso é de um surrealismo! Acabou de haver

uma privatização, a da EDP, que foi ganha por um grupo chinês, e

na REN entrou outra empresa chinesa.

É positivo este interesse chinês?

Claro que sim. Trata-se do país com a

maior sustentabilidade financeira do mundo. Conheço bem a realidade

chinesa e nunca a China olha para um país como o nosso, para uma

EDP, para eles uma empresa pequenina, de forma isolada. A decisão do

Estado chinês - estamos a falar de empresas públicas - de vir

para aqui faz parte de uma estratégia de longo prazo. E não vieram

para cá apenas pela EDP. Isso é importante para Portugal, ter tido

a capacidade de atrair investidores de áreas do mundo onde há

dinheiro. Estou convencido que não vão ficar por aqui. Já há dois

bancos chineses com escritório em Portugal.

E o facto de a China ser uma ditadura

deve inspirar alguma preocupação?

As relações económicas e as

políticas devem ser separadas. A China tem as suas características.

Não sei se é uma ditadura. Sabe que o mundo evoluiu tanto que é

difícil hoje dizer que tipo de regime tem um país. Também há

democracias que acabam por ser ditaduras.

Os bancos portugueses também cortaram

o crédito à Mota-Engil, uma empresa em boa situação.

Nenhum banco cortou o crédito. Temos

excelentes relações com toda a banca portuguesa e estrangeira. Se

não lhes apresentei os projetos como é que me podem cortar o

crédito?

Porque é que não os apresentou?

Porque não vivo nas nuvens e sei como

se encontra o sistema financeiro em Portugal e aquilo que é

fundamental, neste momento, é resistirmos e não apresentar projetos

de grande dimensão, que já sabemos que a banca terá dificuldade em

apoiar. Temos que nos adaptar. Os bancos não fazem mais porque

também não podem.

Passou a trabalhar mais com bancos

estrangeiros?

Trabalhamos com os portugueses e os

estrangeiros. O peso dos portugueses ainda é muito grande, ainda que

saibamos que é difícil para os bancos portugueses apoiar

determinados projetos. Os meus colegas, que estão fora de Portugal,

sabem que para apresentarem qualquer projeto à comissão executiva

tem que lá vir o financiador.

Mas os bancos portugueses conseguiram

dinheiro junto do BCE a 1%. Onde foi parar esse dinheiro?

Também não podemos entrar aqui numa

demagogia que não faz sentido. A banca não fechou, agora não tem é

a capacidade de apoiar projetos de grande dimensão como acontecia

antes.

E continua a ter que sustentar as

empresas públicas.

Obrigada pelo Estado. Mas a banca

também tem tudo a ganhar para que o país consiga sair desta

situação. Tem que haver aqui uma interajuda entre o Governo e as

instituições. Um default de uma empresa pública garantida pelo

Estado é o Estado português que entra em default e isso não pode

acontecer. Temos todos que aguentar. Se as previsões do Governo

estiverem certas, e eu até vou a Fátima para que sim, no ano que

vem começamos a crescer. Estas palavras do primeiro-ministro, quando

acordo de manhã, vêm-me logo ao pensamento.

Acredita nessas previsões?

Mal estaria se não acreditasse no

primeiro-ministro do meu país. Se deixasse de acreditar, teria que

ir embora daqui.

É economista. Pode ter uma ideia da

credibilidade dessas previsões.

Acredito que em 2013 isto começa a

arrancar. Não vamos diminuir a capacidade de previsão económica

que a equipa do Governo tem. Já ouvi o ministro das Finanças dizer

que já está a preparar a transição para um sistema fiscal mais

amigo do investidor, portanto, eu vou ouvindo tudo. E vou escrevendo.

Tenho ali no meu computador um registo de cada vez que há uma frase

destas, com a data e tudo.

Para quê?

Para eu saber com quem é que posso

contar.

Qual é o balanço?

Às vezes, tem corrido mal.

E cobra?

Sempre que conheça as pessoas em

causa. Já chateei fortemente algumas pessoas, agora não tenho esse

relacionamento com o ministro das Finanças, para o caso disso vir a

acontecer. Nunca falei com ele na vida.

Já ponderou fazer o mesmo que a

Jerónimo Martins e mudar-se para a Holanda?

Somos uma empresa portuguesa, embora

muito internacionalizada, que paga impostos e distribui dividendos em

Portugal. É esta a característica do grupo Mota-Engil. Agora as

empresas estão numa situação muito delicada e têm que pensar no

seu futuro. Mas não temos nada em preparação nessa matéria [da

eficiência fiscal].

Depois da assinatura do recente

contrato com a Vale do Rio Doce para o Malawi, já está a pensar

noutros mercados?

Temos, neste momento, uma delegação

aberta no Qatar e estamos a estudar o mercado. Dentro de dois ou três

meses tomaremos uma decisão. O plano de desenvolvimento de

infraestruturas é brutal, estamos a olhar.

Voltando ao país e à crise, qual é a

sua maior preocupação?

Vejo com muita preocupação a questão

do desemprego, pelas consequências do ponto de vista social. Ouvi o

António Guterres dizer que pode haver uma explosão social na Europa

e acho que isso também se adapta a Portugal. Há sinais de que

estamos a correr o risco de poder haver problemas sérios de coesão

no país.

Portugal está a impor demasiada

austeridade sem dar a devida atenção ao crescimento?

Esse é um problema europeu, não

português. Portugal é um país pequenino, sem força política. Sou

um europeísta convicto e a Europa, como um todo, não está a ter

capacidade de dar respostas a um nível que o país deve ter. É

óbvio que o equilíbrio das finanças públicas é determinante,

como aqui na empresa, é vital para toda a gente. Mas ao mesmo tempo,

a Europa tem que encontrar solução para que os europeus tenham em

todos os países uma vida com o mínimo de dignidade e que não hajam

situações de explosão social como a que o António Guterres está

a prever para a Europa.

E o Governo está demasiado concentrado

na austeridade?

Não sei, não estou lá para saber

isso. Estamos a viver um momento muito delicado para a vida do país

e não me compete a mim estar a criticar. Não percebo como é que os

países mais pequenos não se conseguem entender para ter mais força

na Europa. A preocupação financeira deveria ser associada também à

social.

Qual a sua opinião sobre o ministro da

Economia?

Não o conheço pessoalmente, é meu

conterrâneo, li nos jornais que é de Viseu como eu. Era o que me

faltava estar agora a comentar ministros. Enquanto presidente da

Mota-Engil não o devo fazer. Acho que está a fazer o seu melhor,

merece-me o maior respeito, temos excelentes relações com o

Ministério da Economia. Tenho reuniões com vários secretários de

Estado no âmbito das minhas atividades. E o grupo Mota-Engil tem

excelentes relações com este Governo, como teve com o anterior e

como espera vir a ter com o próximo, quando houver.

Concorda com as críticas que lhe são

feitas?

Não tenho que concordar ou discordar,

quem as faz é que é o responsável. Agora, há uma coisa que lhe

quero dizer. Só lhe vou dizer isto. É um pouco estranho que aquele

ministro seja alvo de tantas críticas. É muito estranho e estou a

dizer isto do ponto de vista do funcionamento do Governo, ao

contrário do que possa estar a pensar. Não são críticas por

interesse. Já fui ministro muitos anos, já coordenei muitas

atividades e um ministro estar debaixo de fogo tanto tempo como este

ministro está, olhe, tem uma grande endurance. Não conheço o

ministro de lado nenhum, mas com a pancadaria que tem levado, tem

bastante endurance. Agora, não haver maneira de este ministro estar

debaixo de fogo, é um caso curioso para os politólogos analisarem.

O facto de ter sido político e

ministro limita-o na sua intervenção enquanto cidadão. Passou a

entrevista a escapar às perguntas.

Claro que sim, tenho consciência que

há pessoas para as quais o que eu digo ainda pode ter outro

significado, para o bem ou para o mal, e eu não posso esquecer que

sou presidente de uma grande empresa.

Deve ser terrível não poder dizer

nada do que se pensa.

Não, às vezes digo, mas acho que devo

ser contido.

Pelos vistos, isso não o chateia.

Chateia. Sou muito honesto, há

momentos em que irrito profundamente comigo porque me apetecia dizer

o que penso e não estou só a falar de coisas governamentais. Mas

foi uma opção de vida que fiz. Quando estive na política só

tratava de política, agora que estou na vida empresarial trato da

empresa.

Essa sua limitação não é agravada

pelo facto de a maioria não acreditar o seu total afastamento da

política?

Isso é um problema das pessoas. Mas na

verdade, da política nunca me afastei, daquilo que é o pensamento.

A Edifer foi tomada pelos construtores,

a FDO de Braga já declarou insolvência. Estamos a falar de empresas

com alguma dimensão. A Mota-Engil nunca foi chamada a participar num

processo de consolidação com o objetivo de evitar falências?

Há, de facto, um grupo de empresas em

Portugal que estão numa situação muito complicada e foi criado um

fundo dirigido até pelo antigo administrador financeiro aqui do

grupo, o Eduardo Rocha, que tenta encontrar com a banca caminhos para

empresas em dificuldades. A primeira, foi a Edifer. Gostava de dizer

que a Edifer era presidida por uma grande senhora, de quem sou muito

amigo e que respeito muito enquanto gestora. Teve problemas

complicados, alguns motivados por questões de internacionalização

em países com dificuldades. Mas do que fui sendo informado, o

comportamento da Vera Pires Coelho é algo que deve orgulhar as

pessoas que trabalham nas empresas, portuguesas, é um grande exemplo

de dignidade, de dar a cara sem medo, de enfrentar os problemas, e

abdicando daquilo que se calhar o chico-esperto do mundo empresarial

tenderia a aproveitar. Estive com ela a última vez quando cá veio o

ministro dos negócios estrangeiros de Angola. Estávamos a falar

sobre como isto ia mal e ela disse-me uma coisa que é uma grande

lição e da qual jamais me esquecerei: "Oh Jorge, isto está mau,

mas mau está para aqueles que quando for Natal - estávamos nessa

época - não têm casa para poder jantar". Isso é que é uma

grande lição de vida.

Voltando à consolidação no sector.

Se houver essa consolidação e se se

criarem mais dois ou três grupos, aí pode haver condições para

podermos discutir o enquadramento do sector. Até lá, não tem

sentido. E onde é que está o mercado? Problemas já nós temos para

ter aqui capacidade de não fazer despedimentos coletivos. Então,

alguma vez, nos iríamos meter num assunto que levasse a que isso

acontecesse. Só se estivéssemos loucos é que íamos meter aqui

mais estrutura. Reorganizem-se as empresas e depois façam-se os

ajustamentos necessários.

E pronto, sente-se um construtor?

Não, sinto-me um gestor de uma

multinacional e multi-serviços em que a construção é uma das

áreas de negócio Mas eu não sou um construtor.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt