Jorge Rebelo de Almeida. “O valor do Vila Galé pode chegar a 500 milhões”

Jorge Rebelo de Almeida revela a estratégia para crescer e deixa recados aos governantes.
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Marginal de Paço de Arcos, às portas da capital. Frente ao mar o Palácio dos Arcos, outrora em ruínas, é hoje um hotel 5 estrelas do grupo Vila Galé. Foi aqui, por entre história e poemas - já que o hotel presta homenagem aos grandes poetas, que se leem nas paredes -, que decorreu a entrevista ao empresário.

Primeiro tema de conversa: balanço forte ou fraco da Web Summit, que terminou esta quinta-feira?

A nossa expectativa de ocupação hoteleira era muito superior, não teve tanto impacto como esperado. Foi mais nos hotéis do Parque das Nações, o resto da cidade não encheu. É preciso dizer que muitos dos inscritos eram portugueses e, além disso, os estrangeiros também usaram alojamento local ou ficaram em casa de amigos. Eventos desta natureza são sempre importantes para a imagem de Portugal e valeu a pena pela grande repercussão internacional que teve.

Elvas é o mais recente investimento Vila Galé, um hotel no valor de 5 milhões de euros e com 64 quartos, noutro edifício histórico tal como este onde estamos, em Paço de Arcos. Do que se trata?

Vamos recuperar o Convento de São Paulo, no centro histórico desta cidade alentejana, que está bem cuidada, que tem tradição gastronómica e os fortes recuperados. Elvas é uma cidade com uma presença militar muito forte e no hotel vamos apresentar as fortificações militares portuguesas no mundo, por exemplo sete na Ásia e sete em África. E porque é uma cidade de interior, mas a que falta vida. Chegou a ser uma cidade importante, mas hoje é Badajoz que tem 200 mil pessoas. Este hotel é muito direcionado para o público espanhol. Até ao final do ano vamos acabar o projeto, quanto ao início da obra depende das entidades. Temos de fazer alguma coisa por nós! Faz parte da nossa ambição também puxar pelo interior do país e por regiões menos consolidadas do ponto de vista turístico, estimulando a fixação das populações, a criação de emprego e a geração de riqueza.

O último hotel que inaugurou em Portugal foi no Douro, em maio, no valor de 3 milhões de euros. O interior do país é realmente atrativo?

Sim. Nesse sentido, por exemplo, ando há anos para fazer um comboio histórico que passe por Évora, Beja e Algarve, que vai dar para recuperar uma série de caminhos de ferro. Está tudo à espera que aquilo desapareça. Também podia ser um comboio que viajasse pelo Tejo ou fosse até Foz Coa. Quando há turismo em força, em Lisboa, temos de empurrá-lo para fora da cidade, criar outros polos e atrações.

E recuperar edifícios históricos é uma estratégia, uma missão? Ou foi a crise que trouxe essa oportunidade?

Sem dúvida. Houve épocas em que isso foi muito mais difícil e dou-lhe o exemplo: em 2000 abrimos uma peça, que é património nacional classificado, o Arraial Ferreira Neto que era o último Arraial de pesca de atum. Para o reconstruirmos - onde é hoje um belíssimo hotel e que agora levou uma remodelação e está impecável -, fizemos um esforço tremendo. Tivemos de ouvir e dialogar com 15 entidades - ninguém acredita nisto. Respondendo à pergunta, uma empresa durante uns anos tem de ganhar sustentabilidade, músculo. Depois há uma fase em que atinge uma situação que lhe permite fazer coisas boas para o país. Só há crescimento se houver investimento e para ter investimento é preciso um plano de atração de investidores com incentivos, e, mais do que isso, é importante ter previsibilidade e que não estejam sempre a sair coelhos da cartola, é importante que os empresários tenham uma noção do que vai acontecer.

Refere-se às taxas e taxinhas que surgiram no Orçamento do Estado?

Nós alimentamo-nos de novas ideias e novos projetos. Não sou eu, toda a nossa organização se alimenta disso. O que me irrita, e irrita qualquer investidor de boa vontade, é que lhe atrapalhem a vida sem justificação. Os empresários não podem fazer tudo, mas também é verdade que temos alguns empresários muito fracos e que não são fixados no interesse nacional.... e eu até entendo, porque foram criados por este Estado que só lhes dificulta a vida, só lhes troca as voltas. O problema não é o imposto ser mais alto ou menos alto. Nós estamos no Brasil, onde temos impostos muito mais altos do que em Portugal, mas o Brasil tem futuro, a nossa empresa tem lá 20 hotéis não tem uma ação no tribunal do trabalho... Ouvi alguém dizer, há dias, uma coisa muito engraçada sobre o atual executivo português: se este governo conseguisse melhorar o desemprego, aumentar o investimento e as exportações, seria um governo para durar. E é isso que está a faltar. Mas sabemos que há limitações...

Acredita então que este governo tem condições para durar?

Temos de nos empenhar todos para que funcione o melhor possível, não nos podemos dar ao luxo de trocar de governos, sobretudo trocar seis por meia dúzia. Hoje já ninguém tem o sonho de dizer “este é o governo da sua vida”. Dou grande mérito ao António Costa que, de facto, tem uma tremenda capacidade negocial, com espírito positivo, tem uma energia boa, mas falta fazer uma série de coisas.

Braga e Porto são outros dois novos investimentos. Do que se trata?

Em Braga, o edifício é uma bela peça, passa pela conversão do Hospital de São Marcos. Os anexos vão ficar giros com a nossa intervenção. Quanto ao Porto esteve muitos anos no marasmo e acordou! Isso deve-se às companhias low-cost, que têm os seus defeitos, claro, mas trazem os jovens, com mais ou menos dinheiro, que enchem e animam a cidade. E são eles que daqui a 10 anos voltam.

Quando abrirá o hotel em Braga?

A obra vai avançar antes mesmo da de Elvas, o projeto já foi entregue e deveremos começar em março ou abril. Até porque há áreas do edifício que não estão na parte considerada histórica e que podemos ir avançando. Deve abrir em abril de 2018.

Identifica potencial na serra da Estrela, em Manteigas, já o disse. Aí admite construir um novo hotel?

A serra da Estrela é um dos sítios bonitos que temos e eu conheço bem aquela região, de onde é oriunda a família do meu pai. Lá faz falta mais oferta hoteleira. Aí teríamos de fazer um projeto de raiz, até porque não há ali nada para recuperar. Além disso, aqui em Portugal estamos atentos, até porque são esperados mais programas de revitalização.

Continua a decidir a cor dos cortinados de cada hotel novo que abre?

Esse prazer ninguém me tira. Há empresários muito bons e preparados e são eles que salvam o país mas há muita gente que acha que o investimento é como os bebés, vem com as cegonhas, acham que a riqueza se cria na fantasia.

A burocracia continua a ser o grande entrave aos hoteleiros?

O hotelzinho que estamos agora a construir no Porto demorou tempos infindos. Ainda hoje esperamos uma autorização para tirar de lá o entulho e que Câmara do Porto nos passe um documento para circular com o camião para tirar o lixo. São coisas deste género que continuam a existir e quem não anda no terreno não se apercebe. O país está cheio de gente que tem um prazer tremendo em atrapalhar a vida dos outros. Hoje, se o turismo está bom em Portugal é por uma conjugação de fatores que tornou Portugal mais interessante.

E temos ou não turismo a mais?

Não faz sentido nenhum. Nós nunca estamos bem: se não temos turistas, é porque não temos turistas; se temos é porque é de massas. Eu nunca vi país tão exigente com estas coisas. O turismo não só mobilizou o país como desenvolveu transversalmente a recuperação de património histórico do país, veja-se os bairros de Lisboa e Porto que estão a ser recuperados à conta do turismo e são francamente importantes. Estamos aqui num edifício recuperado que é um bom exemplo disso. Um edifício que se calhar já não existiria hoje, porque quando nós aqui entrámos há cinco anos, para o restaurar, estava à beira de se desfazer todo.

Tem havido muita discussão acerca dos preços praticados pela hotelaria em Lisboa, por serem baratos em relação às outras capitais europeias. Concorda?

Tem e vai continuar a ter preços mais baratos. Apesar de ter neste momento uma pressão tremenda na procura, a oferta continua a crescer em Lisboa e não dá espaço para subirem os preços. São as regras do mercado. Um hotel novo, a abrir, quer clientes e por isso baixa o preço. Estou convencido de que se atinge um ponto de equilíbrio e que, a médio prazo, Lisboa tem condições para melhorar o seu preço. Com jeito! Agora vem aí o Papa Francisco, figura com que simpatizo particularmente apesar de não ser muito católico, e já se fala de preços obscenos para alugar um quarto nessa época. Isso não faz sentido... vamos estar a estragar trabalho, porque num determinado período passa a imagem de que os hoteleiros são aproveitadores. Tem de se melhorar o preço nesse momento e é legítimo, mas com moderação, senão passamos a imagem de exploradores, de aproveitadores. É evidente que apareceu muita gente nova no setor e é saudável, mas há gente que não sabe das contas do negócio e entra em aventuras que depois não têm retorno. Em 2011 vimos a quantidade de produtos que foram parar a fundos de investimento imobiliário ou ao malparado dos bancos.

Podemos vir a assistir a mais momentos críticos como esses?

Podemos, em minha opinião há alguns sintomas de que há gente a desestabilizar o mercado, a fazer investimentos a preços excessivos. A banca, como também tem dinheiro e está com uma grande necessidade de fazer negócio, já se está a alargar mais e a abrir o seu critério de rigor nalguns apoios. Toda a gente começa a fazer contas e a achar que o limite é o céu, porque acha que o turismo é um negócio maravilhoso. O negócio é bom para quem o saiba fazer, mas hoje já não há negócios mirabolantes como houve no setor imobiliário há 20 anos, com números improváveis que já não se vão repetir.

Isso pode representar oportunidades de fusões e aquisições?

Um movimento de aquisições poderá vir a acontecer.

Qual o futuro do destino Portugal?

Hoje, o grande desígnio de Portugal deve passar por ser um país verde, que cuida do ambiente, até porque viveríamos todos muito melhor e teríamos uma imagem de marca como destino sustentável. E estamos à beira de fazer um disparate com os aeroportos. Houve uma altura em que achei que esta solução Portela-Montijo era interessante. Agora não acho e penso que Alcochete podia ser melhor, fica fora do corredor aéreo e não tínhamos de investir assim tanto dinheiro, podíamos pôr lá as low-cost.

Uma área de futuro é a do agrobusiness. O grupo Vila Galé aposta na casa de Santa Vitória com vinho, azeite e agora fruta. É uma aposta ganha?

É uma aposta muito mais difícil por duas razões: em si mesma, a atividade agrícola é mais difícil do que a hoteleira, mas também por outra razão, ainda andamos a aprender, nós e o país. Porque durante muitos anos tivemos a agricultura esquecida, até por decisões políticas, sem sentido, completamente idiota. Hoje não podemos ter só turismo, temos de ter atividades económicas, até para sermos um país mais interessante. Temos de ter as tecnologias de informação, temos de ter vários setores de atividades desenvolvidos. O vinho português é hoje um exemplo de vaidade para todos nós. No azeite, a capacidade de produção quase duplicou em 15 anos e a qualidade aumentou, porque hoje há gente profissional a tratar deste tema. Na agricultura é difícil porque as margens são mais apertadas do que outras atividades imobiliárias ou hoteleiras, e exige maior gestão. Mas é um setor em que me sinto muito feliz por ter começado. Dei para esse peditório da agricultura em 1998 e hoje, quando desço para ir ver o nosso projeto alentejano, fico embevecido. Quando se fazem coisas boas, elas são contagiantes.

Quantas pessoas emprega ao todo?

Entre Portugal e Brasil são três mil pessoas.

Se somarmos os investimentos ao longo destes 30 anos, estamos a falar de que valores?

Nunca fiz a conta, mas o valor hoje da Vila Galé pode chegar ; 500 a milhões de euros. Não sei, é difícil de avaliar.

Que balanço faz da atividade que tem no conturbado Brasil?

O Brasil está a atravessar uma fase difícil, por razões mais políticas do que económicas. Sendo um país em que tudo é muito dominado pelos políticos há uma retração brutal de investidores internacionais por falta de confiança e segurança. O Brasil é difícil, tem um sistema financeiro complicado, uma justiça difícil, a carga fiscal é tremenda. E quem nos dera no Brasil termos equipas como temos em Portugal. Mas não desistimos, vamos continuar a apostar no Brasil.

Tem também investido em remodelações. Onde?

Acabámos de fazer uma ampliação no Vila Galé Marés [Salvador da Bahia, Brasil], porque apesar de a crise lá estar acentuada, a verdade é que os nossos resorts têm corrido bem, porque hoje somos a principal empresa de resorts no Brasil, país onde antes o tipo de hotéis existentes não tinham estas características. Só a Vila Galé tem já cinco resorts e mais dois na calha. Temos um que inaugura agora a 26 de novembro, que é um aparthotel ao lado do Vila Galé Cumbuco, com 354 apartamentos e que está pronto. E o que já existia vai ser ampliado. Temos uma área muito grande lá. E temos um outro em Touros [oitava unidade no Brasil, perto de Natal, no Rio Grande do Norte, vai empregar 500 pessoas e terá 450 quartos] para começar. Está em fase de licenciamento, é um investimento de 28 milhões de euros, com abertura lá para setembro de 2017.

Se somarmos todos os novos investimentos e a intervenção no Brasil, estamos a falar de que montante?

É um investimento grande, na ordem dos 60 milhões de euros. O mais pesado é em Sintra, andará em torno de 25 milhões, o Porto deverá ir para os 6 a 7 milhões, Elvas serão 5 milhões...

Hoje, qual é a média aceitável em termos de investimento por quarto?

Numa localização premium, em Lisboa, quem gastar 140 mil euros por quarto, vai ter dificuldade em ter retorno. A procura turística aumentou em Portugal mas a oferta também aumentou. As pessoas que pensam que o preço vai subir muito, têm o revés de ter de lidar com o facto de todos os dias nos depararmos com a abertura de mais hotéis.

O hotel em Sintra traduziu-se numa luta ambiental de anos. Quando arrancará?

Nós estamos permanentemente a investir. Vamos começar em Sintra, que é um projeto muito antigo da Vila Galé. A obra arranca este mês, novembro. Foi uma luta muito complicada, demorada e enrolada. Um exemplo flagrante da burocracia deste país. É um hotel que vai ter um conceito inovador na área da saúde. Toda a gente acha que estes produtos da área da saúde devem ser só para casais, mas este vai ser para família. Uma das grandes apostas vai ser uma alimentação gourmet racional. Eu vou ser o primeiro cliente porque estou a precisar. Vou instalar-me lá e reeducar-me. Este hotel tem esse conceito: mudar de vida. Terá um revival spa, até porque em determinados momentos todos nós precisamos de uma semana deste género. Quero introduzir algumas intervenções na área médica, da dermatologia ao check-up completo, sem aquele clima de hospital. Conheci este conceito no Brasil. O nosso privilegia a vida ao ar livre, com uma inovação: tudo em família.

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