
Aos 76 anos, o fundador do segundo maior grupo hoteleiro do país diz-se “desencantando” com “a degradação da política”. Embora seja ainda cedo para prognósticos, deixa elogios ao Executivo de Luís Montenegro que acredita que está motivado para “fazer coisas”. Sobre a obra mais urgente para o turismo nacional, o empresário pede que haja uma “palavra de honra” no capítulo dos prazos e defende que “15 anos” para fazer um novo aeroporto “é um disparate”, apontando “sete anos” como um timing exequível e “objetivo” para ter a infraestrutura a operar. Até lá, defende, é urgente que a ANA avance com as obras de melhoramento na Portela.
Tem sido uma voz discordante do rumo do país. Foi duro nas críticas ao anterior Executivo e chegou a dizer que António Costa foi “um desencanto grande”. Tem mais fé no governo de Luís Montenegro?
Vamos esperar para ver. Sempre tive alguma simpatia pelo António Costa mas hoje sinto-me desencantado, porque tenho vindo a assistir a uma degradação da política. Gosto muito do António Costa como pessoa, considero até que o que lhe estão a fazer, neste momento, é de uma injustiça muito grande e pode prejudicar, uma vez mais, o país. Para nós, indiscutivelmente, é bom que António Costa seja presidente do Conselho Europeu. É mais uma referência, como António Guterres ser secretário-geral da ONU ou Durão Barroso ter sido presidente da Comissão Europeia. Tudo isto são coisas que nos valorizam, que nos põem nos palcos mediáticos. Disse que o António Costa tinha sido um desencanto porque, indiscutivelmente, para mim é, talvez, o político, no quadro atual, mais preparado, com maior tarimba e até com um jeito negocial grande. E teve a oportunidade que mais ninguém teve neste país: uma maioria absoluta e dinheiro - tinha o PRR, tinha o resto do Portugal 2020, tinha o começo do Portugal 2030, até tinha o apoio do principal partido da oposição, na altura com o Rui Rio.
Ainda que seja cedo para fazer uma avaliação, agradam-lhe os nomes do novo Executivo, como o ministro da Economia, Pedro Reis, ou o secretário de Estado do Turismo, Pedro Machado?
Está a dar-me dois exemplos que são positivos. O Pedro Reis conheço há muitos anos, é um homem prático, de terreno, que passou pela banca, pela AICEP e conhece o mundo real, o que é uma vantagem positiva. Estive, esta semana, a almoçar com o ministro das Infraestruturas, que já conhecia, e que é um fazedor. Precisamos, neste país, de gente que fale menos e faça mais. O Miguel Pinto Luz é, de facto, uma pessoa que basta falar um bocadinho com ele e para ver que está entusiasmado, está empolgado e creio que vai fazer coisas.
Acredita que há margem para estes ministros avançarem com as grandes obras de que o país precisa?
Têm de avançar. É evidente que têm uma vida difícil, não têm maioria, estão com uma dificuldade tremenda em fazer alianças e entendimentos, por razões que nós sabemos e que não são fáceis. Hoje temos de ter algum bom senso. Estamos a entrar numa fase em que o panorama é este: não paro de fazer nada, porque acho que a solução, quando temos algumas dificuldades, é continuar a fazer. Fazer mais e, se possível, melhorar. Chamam-me doido por ir para o interior fazer obras, mas é fundamental. O nosso interior é maravilhoso, temos destinos sensacionais. Vou para Miranda do Douro, que é de facto muito longe, mas é um sítio encantador. E hoje temos estradas que nos levam lá com relativa facilidade.
Mas falta a ferrovia.
Falta a ferrovia. A ferrovia foi uma coisa esquecida, abandonada neste país - há um partido famoso que arranjou maneira de dar cabo da ferrovia. Há alguns partidos que acham que perdem as eleições, mas vêm para a rua complicar a vida de toda a gente. Chegámos a ter linhas férreas em Portugal desde um senhor que se chamava Fontes Pereira de Melo, que teve um plano ferroviário interessante no século XIX e que fez um conjunto de obras. Antes do Duarte Pacheco tivemos a política das obras do fontismo. Brinquei, há dias, com este novo ministro e disse-lhe que ele será o novo fontismo, ou o novo Duarte Pacheco. O país precisa desesperadamente que se façam coisas.
E o que falta fazer no turismo?
Podia enumerar uma lista infindável, porque é o setor no qual trabalho, mas a mais urgente reforma de que o país precisa é de descentralizar. Não sou minimamente defensor do regionalismo, num país da nossa dimensão, de criar regiões. O país precisava de uma reforma profunda da administração do território. Podia falar do Algarve, que tem 16 câmaras municipais e se calhar oito chegavam. Se formos a Portalegre, que é talvez o [distrito] mais pobre do país, tem 15 câmaras municipais, mas não tem população. Tem políticos e tem vereadores, tem muita gente, mas depois não tem dinheiro para fazer nada. E os políticos dizem que são temas muito delicados porque as populações ficam contra, mas é mentira. Eles é que fomentam o bairrismo.
Foi um dos defensores de Alcochete. A correr bem são pelo menos 15 anos até que haja novo aeroporto. Tem falado na necessidade de uma solução intercalar. O que é preciso fazer entretanto para o turismo continuar a crescer?
Na altura, penso que era até no âmbito do setor do turismo, se não o único, das poucas pessoas que defendiam Alcochete. O Montijo não é uma alternativa a nada, é uma solução precária, que iria custar rios de dinheiro também - menos do que Alcochete -, mas Alcochete é uma solução de futuro. Podemos dizer que em Alcochete cabem quatro pistas, mas não vejo Portugal nessa dimensão, até por uma razão: não podemos crescer no turismo disparatadamente. A Portela precisa que se faça aquilo que já devia ter sido feito. A ANA tem-se recusado a fazer aquilo que contratualmente devia estar feito, que era uma ampliação e um melhoramento significativo do aeroporto. O risco da Portela é que de hoje para amanhã saia uma decisão comunitária a dizer que não é possível ter aeroportos dentro das cidades. E nesse dia ficamos sem aeroporto. E é por isso que Alcochete é bom, porque é um aeroporto que pode substituir a Portela e a Portela pode dar lugar a uma grande urbanização, a um desenvolvimento da cidade. Temos de começar a trabalhar e fazer o aeroporto num prazo razoável. Acho que 15 anos é um disparate, dez anos também continua a ser um disparate, mas cinco anos também é um disparate. Na minha avaliação, sete anos é um prazo objetivo que daria para se ter como meta, para cumprir.
A ANA tem essa capacidade?
Tenho dúvidas, porque nem sei se tem vontade, desde logo. Temos de arranjar maneira de, eventualmente, aproveitar o aeroporto de Beja para não perdermos negócio. As cidades como Lisboa e Porto têm de se descentralizar, têm de criar mais coisas, ter uma visão regional. Lisboa não é Lisboa, é Oeiras, é Sintra, é Cascais, é Almada, é Loures, é Vila Franca, é a grande região de Lisboa, que deve ser mobilizada para descentralizar as pessoas. Porque é que não levamos mais turistas a criar outras centralidades?
Defende que a aposta nos comboios é também essencial para tirar os turistas das grandes cidades e levá-los para o interior.
Em primeiro lugar era preciso criar uma empresa que não estivesse no estado a que a CP chegou. A CP é uma empresa que já foi uma grande empresa. Os comboios portugueses já foram uma referência. E desde há muitos anos para cá têm vindo a perder-se. Defendo que o TGV Lisboa-Madrid é importante, tenho uma opinião diferente das entidades oficiais, quer do anterior governo, quer deste. Continuo a dizer que Lisboa-Porto, na minha opinião, precisa de uma melhoria da linha urgente e indispensável, mas não é uma melhoria que custe dez mil milhões de euros, porque vamos endividar-nos loucamente. O interior precisa desesperadamente que o litoral leve gente para lá, porque o litoral está a ficar carregado.
Passando dos comboios para os aviões, que são a principal via de chegada dos turistas ao país, está satisfeito com a estratégia da TAP no que respeita aos mercados dos Estados Unidos, do Canadá e também do Brasil?
Esta estratégia, vamos ser justos, veio de um homem que se chamava Neeleman, que esteve na privatização da TAP, e que pode ter imensos defeitos, mas foi ele que a definiu. O Neeleman lançou a ideia de apostar num mercado que, neste momento, devo dizer que é muito importante para o nosso futuro turístico e até para o interior, porque os americanos gostam de vir a Portugal e gostam, por exemplo, do Douro. Temos dois hotéis lá, que neste momento tem imensos americanos dos Estados Unidos e do Canadá. Temos ali um polo grande de desenvolvimento, porque os americanos como clientes turísticos são maravilhosos. E vêm ao longo de todo o ano, não vêm só, como os ingleses ou os alemães, na época alta fazer férias na praia, mas fazem férias culturais, para ver coisas que eles não têm na terra deles. Subscrevo inteiramente que a estratégia da TAP seja a de manter a linha da lusofonia, porque é rentável. A linha do Brasil, dentro da lusofonia, é, talvez, a mais importante. Adorava que a TAP, que é uma marca muito forte em Portugal, se mantivesse portuguesa, não sei se será possível. E, sobretudo, não sei se é possível manter-se pública.
Falava dos turistas dos Estados Unidos e do Canadá e da importância que têm na vossa operação. No que respeita ao mercado doméstico, apesar da inflação os portugueses ainda têm dinheiro para ir passar férias a hotéis?
Com maior esforço, mas continuam a ter. Aí falamos muito à vontade, porque sempre tivemos uma ligação muito profunda com o mercado português. Somos um grupo com 40% de quota no mercado português, por isso sempre tivemos uma fidelização muito grande. Hoje as férias não são um luxo, são uma necessidade de as pessoas limparem a cabeça, mudarem de hábitos e respirarem saúde.
A Vila Galé acabou de inaugurar dois hotéis e tem em curso um investimento de 60 milhões de euros até ao próximo ano, com aberturas em Portugal e no Brasil. Quais são os planos?
Em Portugal queremos fazer projetos no interior do país, temos um conjunto muito alargado de unidades em desenvolvimento em várias regiões: Ponte de Lima, Elvas, Penacova, Golegã, Miranda do Douro e temos o Paço Real de Caxias, em Oeiras. No Brasil, em Cumbuco, Minas Gerais, Alagoas, Belém, Pará e Mangue Seco. São 13 projetos, no total. Prevemos um investimento na ordem de 60 milhões de euros até 2025. Na Vila Galé temos sempre reinvestido tudo o que se ganha, e é por isso que vamos fazendo muita coisa e não temos um endividamento grande. Porque também odeio estar muito endividado, porque se vem uma crise, fica difícil. Temos o pé muito bem assente na terra.