José Galamba de Oliveira: “Fundo sísmico pode ter outra ambição e alargar-se a grandes inundações e incêndios”

Presidente da Associação Portuguesa de Seguradores diz que ainda é prematuro estimar o impacto dos últimos incêndios, mas que deverá ficar abaixo dos 200 milhões de indemnizações pagas nos fogos de 2017.
José Galamba de Oliveira, presidente da APS. Foto: Gerardo Santos
José Galamba de Oliveira, presidente da APS. Foto: Gerardo Santos
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As seguradoras ainda estão no terreno a avaliar os danos dos incêndios deste mês, diz José Galamba de Oliveira. O presidente a APS fala também de como está a correr o negócio das seguradoras este ano, e adianta que os seguros de saúde continuam a crescer. As estimativas apontam para que no final deste ano quatro milhões de portugueses sejam beneficiários de seguros de saúde. 

Já é possível fazer um balanço preliminar dos sinistros participados dos últimos incêndios?
Não, ainda não temos nenhuma informação. Temos, de facto, inquéritos na rua, junto com os nossos associados, para obterem informação, como habitualmente fazemos nestes eventos mais extremos. Mas, de facto, não temos ainda respostas. Demos até ao final desta semana, precisamente, para ter um primeiro balanço e, portanto, é prematuro avançar com qualquer número. Agora, o que sabemos, em contactos mais informais, é que, obviamente, há muitos sinistros que estão a ser acionados - seguros de automóvel, seguros de incêndio e de outros danos, em vivendas, em pequenos negócios, em fabriquetas, fábricas, armazéns -, e, portanto, uma miríade muito grande de seguros estão a ser acionados. Agora, quantos são e qual é a dimensão, é muito cedo. Temos de esperar mais uns dias. Porque as equipas, de facto, só foram para o terreno esta semana, porque houve zonas em que os incêndios já estavam debelados, mas havia ainda muitas limitações no acesso, principalmente na zona de Albergaria, Viseu, etc. Portanto, algumas equipes já estavam no terreno na semana passada, mas estavam limitadas a avaliar os danos. No curso desta semana e só agora - hoje estamos na quarta -, é que as equipas estão no terreno com mais liberdade, a visitarem os locais afetados e a procederem às avaliações que estão em causa.

Que impacto prevê em comparação com os incêndios de 2017? 
Nos incêndios de 2017 foi uma situação extrema. Principalmente aqueles de outubro, os montantes pagos foram montantes recorde, praticamente acima dos 200 milhões de euros de indemnizações. Não temos ideia de que seja um número tão grande, nem tão extremado, é pelo menos uma primeira análise que podemos fazer, na medida em que as áreas ardidas, neste momento, parecem ter sido, apesar de tudo, menores do que em 2017. Houve menos vento, houve uma situação muito adversa, pouca humidade, temperaturas altas, mas o vento comparado com 2017 foi menor. E em 2017 o incêndio entrou em áreas urbanas, zonas industriais e, portanto, com danos grandes já em edificado industrial e comercial. Este ano esteve muito em zonas rurais e, portanto, eu diria que não vai chegar àqueles números. Mas neste momento é prematuro dizer se vai ficar a metade, a um terço, ou a um quarto, não faço ideia. Não fazemos ideia, de facto. 

As seguradoras estão a conseguir dar resposta aos segurados afetados. Estão a acelerar os processos? 
Sim, o objetivo aqui é sempre esse, e por isso fizemos um apelo às pessoas também para que muito rapidamente entrassem em contacto através das linhas de apoio, porque as seguradoras principais criaram linhas de apoio específicas. Aqui a ideia era que as pessoas rapidamente entrassem em contacto com as seguradoras para desencadearem o processo, ou através das linhas de apoio ou através do canal de mediação - muitas pessoas estão habituadas a lidar com as seguradoras por via do seu mediador, aquela pessoa que conhece e que normalmente trata dos seguros. Mas o objetivo era precisamente apanhar o maior número possível das situações de início, porque as equipas vão para o terreno e poderão rapidamente ver as várias situações que já tenham sido reportadas. O objetivo é muito rapidamente poder-se chegar a valores dos danos e que possam ser pagos. E sabemos que há danos, isso também já me confirmaram. Há indemnizações que já foram pagas. Por exemplo, uma habitação que tem uma destruição total, a avaliação de danos, essa é total, é o valor do capital do seguro, portanto, acaba por ser mais fácil. Naquelas habitações que têm danos parciais, muitas vezes é necessário pedir orçamentos do telhado, das janelas, etc. Portanto, aí pode demorar um bocadinho mais. Mas o objetivo é sempre agilizar os processos, porque, obviamente, isso também é a expectativa das pessoas. 

Essas linhas ainda estão abertas? 
Estão abertas, sim, mas o tempo depende de cada seguradora. Mas sabemos que estão linhas abertas, estão equipas no terreno e, portanto, o objetivo é que o assunto seja tratado e resolvido o mais depressa possível, que é o melhor para todos. 

A maioria dos danos nas habitações, comércio, indústria e floresta estarão cobertos?
Bom, olhando para a história, só uma pequena parte estará coberta. Ou seja, as perdas económicas são sempre muito superiores aos valores que estão segurados. E não creio que vá ser uma situação muito diferente. Há de facto muitas perdas económicas, em especial com habitações que não têm contrato de seguro. Isso infelizmente é a história do nosso país. Só é obrigatória a cobertura de incêndio para a habitação em propriedade horizontal. É um seguro completamente facultativo nas vivendas e nas casas que estão por todo o país. Agora, haverá pessoas que o contratam e haverá pessoas que não o contratam. Em anos anteriores, ou até em 2017, em Pedrógão, a verdade é que a percentagem de habitações que tinham seguro, nesse evento, era abaixo de 20%. Se podemos extrapolar, eu não estou à espera de uma grande diferença para a realidade que temos hoje aqui presente, como os incêndios da semana passada. 

Há muitos agricultores sem seguro? 
Sim. Há alguns seguros em Portugal, seguros que têm apoio estatal, e há linhas para determinadas culturas, para a vinha, para algumas frutas, etc. Não é um seguro muito generalizado, tem uma penetração muito baixa em Portugal, e esse também é um desafio para o qual temos vindo a alertar, no diálogo que fazemos com as autoridades, de que devemos criar condições para que haja uma maior apetência das pessoas para comprar esse tipo de seguro. Porque quando olhamos para outros países, temos de facto uma penetração baixa desse tipo de seguro em Portugal. Porque também existe um pouco a ideia de que quando as coisas correm mal o Estado dá ajuda. E é preciso quebrar esse mecanismo. 

O preço desses seguros também explica a pouca adesão? 
Toda aquela agricultura que é mais profissional, de grandes extensões, hoje em dia já tem em seguros. O problema é para os pequenos agricultores, para a pequena unidade rural, ou para a pequena quinta, etc. 

E para esses é um custo que pesa? 
Pode pesar, mas ainda assim o que nós dizemos é que há apoio estatal, não para todo o tipo de culturas, mas para um conjunto de culturas definidas pelo Governo. Há de facto apoios e muitas vezes significa que se calhar é preciso que as pessoas tenham consciência de que é uma proteção que vale a pena comprar, e que não vale a pena estar à espera do Estado para quando há um problema, porque muitas vezes os apoios do Estado tardam em chegar e sabemos como é que é às vezes a burocracia destes processos. 

E na área florestal? 
Na área florestal é uma situação idêntica. 

Há pouca oferta por parte das seguradoras? 
Há oferta, mais uma vez, para as grandes, eu diria para a floresta industrial. Os grandes produtores têm seguros, também têm uma capacidade de prevenção maior, e isso é fundamental. O problema é a pequena floresta, o pequeno proprietário, que muitas vezes está inserido em zonas em que o talhão ao lado não está limpo. Quando o fogo passa não há seguro que valha, porque não é somente o prémio do seguro, é o valor. E esse é de facto um dos problemas. Aí é preciso atuar a montante, é preciso repensar a floresta portuguesa, é preciso ordená-la. 

Há quem proponha a criação de um fundo florestal. 
Essa pode ser uma iniciativa. É preciso de facto  criar mecanismos. Aqui há tempos, falei com pessoas que diziam que se devia criar um conceito de condomínio. Porque as pessoas que têm pequenos lotes, em determinadas zonas, deviam poder partilhar os custos de manutenção, porque muitas vezes o que falta é escala a essas pessoas. E, portanto, essa pequena floresta tem um valor económico muito baixo e as pessoas não sentem, não investem, não têm a possibilidade de recuperar esse investimento, fazem uma pequena manutenção. Sabemos que o Governo alguma coisa fez a seguir a 2017, em termos de políticas de manutenção, a limpeza das matas, aquela área que foi definida à volta das habitações, portanto, alguma coisa foi feita, mas é curto. É preciso medidas mais estruturais para transformar a floresta portuguesa, que está muito compartimentada, olhar para ela e perceber como é que se pode aglutinar esforços, conseguir sinergias entre os vários proprietários. 

Tivemos um sismo em Portugal há pouco tempo. Há poucas habitações com essa cobertura? 
Sim, é outra das nossas batalhas. No último inventário que fizemos, são 19% das habitações que têm uma cobertura de risco sísmico neste momento em Portugal. Um bocadinho maior na zona de Lisboa, se calhar há uma maior consciência de que Lisboa é uma zona sísmica por natureza, portanto aqui estará nos 25, 26%, mas a média nacional é 19%. 

E porquê? Em que medida é que isso encarece um seguro multirriscos? 
Estamos a comprar uma cobertura que neste momento é facultativa. A nossa proposta é que passe a ser uma cobertura obrigatória, mas neste momento, sendo uma cobertura facultativa, a principal razão por que as pessoas não compram, é, obviamente, pela questão do custo. Mas também, e isso é muito claro em algumas análises que fizemos, não existe uma perceção de que isso seja um risco iminente. Este sismo mais recente atingiu cinco e qualquer coisa na escala de Richter, mas, enfim, abanou um bocadinho, mas não houve nada. E, portanto, a perceção é que isso é uma situação que não vai acontecer nas nossas vidas. E por isso não há a consciência de que é um risco que vale a pena proteger. As habitações são o principal ativo patrimonial das famílias portuguesas. Ou seja, as famílias acumularam toda a poupança que conseguem ao longo da vida para comprar a sua casa. E, portanto, deveriam ter pelo menos a preocupação de proteger esse património, porque se houver um sismo com uma magnitude maior, não será o país todo, mas pode haver zonas de Lisboa com danos consideráveis para quem vive em propriedade horizontal. 

Depois deste último sismo, notou-se uma maior procura por essa cobertura junto da seguradoras?
Sim, falando com alguns dos nossos associados, notou-se um fluxo maior de pessoas junto do canal dos mediadores, perguntando como é e quanto custa, etc. Se isso vai mexer muito nos 19% para uma percentagem superior, é prematuro. Eu acho que não, porque aquilo foi um pequeno pico naqueles dias em que estava na agenda mediática, toda a gente falava sobre o tema. Mas é um tema que precisa de algumas decisões políticas, e que já teve uma proposta em consulta pública em 2009. 

Depois veio a troika. 
Depois veio a troika e estragou tudo, foi tudo que para a gaveta, ficou esquecido. Entretanto, no último governo do Partido Socialista, do doutor António Costa, foi aprovada uma estratégia nacional para a proteção civil preventiva 2030, era assim que se chamava, salvo erro em 2022, e aí constava que era importante criar-se um sistema de proteção para o risco sísmico em Portugal. Na sequência disso, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) foi mandatada para fazer um estudo, que aparentemente tinha uma data para a sua finalização, que era abril passado, mas que ter-se-á atrasado, e neste momento está para o final do ano. Nós temos feito alguns estudos sobre o tema, temos uma proposta concreta que já apresentámos ao Governo. Portugal precisa de desenvolver um mecanismo de proteção do risco sísmico, como muitos outros países têm. Não podemos mais uma vez ficar à espera do Estado quando houver uma situação de catástrofe, porque a experiência o que nos diz, em muitos outros países, é que a prioridade do Estado é para resolver os temas que são públicos. As escolas, os hospitais, o aeroporto se ficou danificado, a rede do metro, as redes das águas e, portanto, essa é a primeira prioridade, e as habitações acabam de ficar como segunda prioridade. 

A ASF fala em complexidade para explicar o atraso. 
São estudos técnicos que são complexos. Como eu disse há pouco, isto passa por uma premissa, pelo menos a nossa proposta, eu não conheço a da ASF, que é tornar a cobertura obrigatória. Os seguros multirrisco na propriedade horizontal têm um capital médio de 125 mil euros. Estamos a falar de médias, obviamente, porque quem tem uma casa de um milhão de euros terá um preço diferente. Mas para a média do país, que são os tais 125 mil euros, o custo de uma cobertura adicional do seu seguro multirrisco para a cobertura de risco sísmico, será de um valor entre os 30 e os 75 euros. E porquê esta diferença? Esta diferença tem basicamente duas grandes variáveis, uma é o tipo de construção, que é percetível, se é uma casa de madeira, se é uma casa de há 100 anos, se é uma casa nova, por um lado. E por outro lado, a outra variável que também impacta este custo, é a zona do país. Porque há zonas de risco sísmico maior do que outras. Combinando estas duas, o valor de quem tem uma casa com capital de reconstrução de 125 mil euros pode ter um aumento, dependendo da casa e do sítio, entre 30 e 75 euros por ano. 

As seguradoras não recusam este tipo de cobertura? 
Neste momento há oferta. Atualmente há uma oferta que está disponível. A recusa, e tem acontecido alguma recusa, é pelo estado das habitações. Há habitações que estão tão degradadas em termos da sua infraestrutura que obviamente o seguro é recusado. Mas muitas vezes o seguro não é só para o sísmico, é um seguro multirriscos, que também se recusa. Portanto, dependendo da condição da habitação - e infelizmente sabemos que na habitação degradada, que está a ser utilizada por famílias, pode não se conseguir fazer um seguro -, ou se estão em zonas de leito de cheias, portanto, há determinadas zonas de risco, onde obviamente o seguro seria tão alto que não faz sentido oferecê-lo. 

Quais são as zonas de maior risco? 
Tipicamente, as zonas de maior risco são toda a Lisboa e o Vale do Tejo, a zona do Algarve e os Açores. Estas são as zonas de maior risco. Depois, há mais três zonas que estão definidas no país, e que as seguradoras levam em consideração quando olham para o risco de sísmico. 

Propõem a criação de um fundo sísmico. Como é que deve ser desenhado o sistema para atrair as seguradoras? 
A proposta que nós fazemos é que os prémios associados a esta cobertura de risco sísmico devem ser canalizados para uma entidade que vai gerir o risco sísmico em Portugal. E essa entidade tipicamente é gerida entre o Estado e as seguradoras aderentes a este mecanismo. Essa entidade recebe esses prémios e com esses prémios faz basicamente duas coisas. Uma primeira é comprar resseguro internacional, porque neste tipo de risco é importante que uma parte da responsabilidade se passe para os resseguradores internacionais. Os estudos técnicos que estão feitos, pelo menos os nossos, é que numa primeira fase, para estes prémios de que já há pouco falei, o seguro teria uma capacidade de oito mil milhões de euros à partida. Ou seja, o fundo é constituído, amanhã há um sismo, e teria oito mil milhões de euros para serem entregues a quem tivesse danos. 

Sem contar com financiamento do Estado?
Sem contar com o apoio do Estado, só com o apoio das seguradoras e das seguradoras internacionais. Portanto, esse era o limite, eu diria assim, o limite no primeiro momento. Obviamente que depois a decisão, e por isso é que é importante que isto seja uma entidade gerida pelo setor segurador, mas também com o apoio do Estado, que à medida que o tempo passa, ou vamos aumentando a capacidade, continuando a comprar seguro internacional, ou mantemos oito mil milhões de euros, porque achamos que é um valor razoável e, compra-se menos resseguro e capitaliza-se mais o fundo. Portanto, o dinheiro que entra tem dois destinos. 

A APS tem estado em articulação com a ASF? Tem alguma expectativa de que as propostas da associação sejam incorporadas? 
Nós temos uma expectativa de poder, obviamente, dar a nossa opinião, uma vez que tenhamos acesso, ou os trabalhos da APS estejam mais avançados. A ASF sabe da nossa disponibilidade, estaremos obviamente disponíveis para partilhar ou dar também a nossa opinião. De resto, muitos dos estudos que fizemos partilhámos com a ASF, eles também têm essa informação. 

Qual é a sua expectativa em relação à entrada em vigor deste sistema? Nunca antes de 2026? 
Este é um tema de que tenho falado regularmente com as autoridades desde 2016. Julgo que finalmente entrou na agenda política. Depois destes anos todos, está um processo em marcha. Mas isto vai obrigar a leis, a ir ao Parlamento, a criação de uma entidade deste tipo não é sequer uma decisão do Governo, vai ter que ir de facto ao Parlamento e, portanto, é um processo legislativo longo. Eu diria que ficaria muito satisfeito se, depois da proposta da ASF, e depois da decisão política de avançar, se conseguisse fazer alguma coisa em menos de um ano. Não acredito que avance antes de 2026.

Mas há alguma coisa que este sistema não pode contemplar, sob pena das seguradoras não aderirem? 
Há algumas coisas que são importantes garantir ao montar uma entidade que vai gerir estes fundos. É que esta entidade tem que ter obrigatoriamente a intervenção das seguradoras, porque têm o know-how de gerir esta relação com os resseguradores, todo o cálculo. Portanto, há aqui um know-how muito específico do setor que é importante garantir, e por isso é importante que as seguradoras participem, e em princípio no mercado português todas estão disponíveis para o fazer, ou seja, para ter uma intervenção na gestão desta unidade. Que, na nossa ótica, pode depois ter outra ambição. É que ela pode não se ficar pelo risco sísmico, pode ser um mecanismo para riscos catastróficos, em que o risco sísmico seja um primeiro pilar. É aquele que nós pensamos que é mais urgente, porque não há em Portugal nenhum mecanismo de apoio, mas podemos pensar, numa fase posterior, uma vez estabilizado o mecanismo do risco sísmico, criar outros pilares, por exemplo, para o risco de grandes inundações ou grandes incêndios, precisamente para situações de catástrofe, zonas muito grandes que são destruídas, com famílias com impactos muito grandes. Portanto, há outros pilares que podem ser desenvolvidos e alguns dos mecanismos lá fora têm esses pilares. Aqui em Espanha, há um mecanismo destes que abarca todo o tipo de catástrofe. São as inundações, são os grandes incêndios, é também o risco de cyber [cibersegurança]. Ou seja, é um mecanismo que já nasceu há mais de 50 anos, portanto, os espanhóis, de facto, têm muita experiência, é um case study para muitos países. Montaram o sistema ainda no tempo do franquismo, e têm muita experiência. Foram agregando outro tipo de riscos para tratamento em situações de catástrofe. 

E a proposta da APS vai nesse sentido? 
Na nossa proposta da APS é esse o modelo, é criar um mecanismo de proteção de riscos catastróficos, em que o primeiro pilar é o pilar do risco sísmico, e é aquele que está mais detalhado e mais avançado, mas sem pôr em causa a possibilidade de avançar para outros pilares. E, se calhar, aqui em Portugal, por exemplo, o risco de cheias, e todos aqueles problemas durante o inverno, com as tempestades, que muitas vezes vimos, se calhar esse fundo pode também ter um papel nas cheias e nos incêndios. 

E uma vez criado o fundo, esse alargamento poderia ser rápido? 
Podia ser mais rápido, porque se tivermos um mecanismo a funcionar para o risco sísmico, há muitas sinergias que se criam. A gestão do fundo, a política de resseguro, a política de investimentos. Portanto, há um conjunto de sinergias que se aproveitam para vir a incluir outros riscos. 

No ano passado houve uma quebra da produção no setor de 1,9%. 
No ano passado, no global, houve uma quebra, mas nós olhamos sempre para as duas vertentes, o ramo Vida e o ramo Não-Vida. O ramo Não-Vida cresceu. A quebra foi de 1,9% no total, mas foi justificada pela quebra de 14,3% do ramo vida. 

Por causa dos Planos Poupança-Reforma? 
Sim, houve uma quebra muito grande, em resultado de uma concorrência dos certificados de aforro no primeiro semestre do ano passado, com aquela série dos 3,5%, que de facto canibalizou um pouco a oferta e, portanto, houve muitos fundos que saíram inclusivamente dos PPR. O governo liberalizou a possibilidade de as pessoas levantarem fundos dos PPR, tipicamente é poupança para a reforma, até na sequência da pandemia etc. Portanto, significa que as pessoas tiraram dinheiro dos PPR, em grande medida, para canalizar para o outro lado, e portanto a produção nova não aconteceu. Houve reembolsos por emissões que se venceram, portanto, chegaram ao seu fim de vida, esse dinheiro não foi reinvestido no setor segurador, saiu do setor segurador, e houve também alguns resgates, esses sim, porque o governo, enfim, alterou algumas regras de resgate. 

E este ano ainda se nota algum impacto? 
Este ano não, o ramo Vida está a crescer 16%, os seguros de vida e os seguros não vida estão com um crescimento idêntico ao do ano passado, que é à volta de 10%. O ano passado foram 10,5%, este ano vai com 10,6%, portanto eu diria que é muito equivalente. 

Para o ano, qual é a previsão? 
A previsão que temos neste momento é que os seguros de vida vão, com certeza, enfim, não estamos à espera de grandes variações ou impactos macroeconómicos dentro do orçamento, etc. Acreditamos que aquele ritmo de crescimento da nova produção do seguro de vida vai continuar. E, portanto, pensamos que já vai ser um ano positivo, depois de dois anos difíceis, vamos ter um ano positivo. E vamos continuar a ter um ano positivo na área Não-Vida, até porque esta área tem uma correlação muito direta com a atividade económica, e se acreditamos que a economia cresce, o ramo vida também cresce. Quando há emprego, há mais seguros de acidentes de trabalho, também a atividade económica cresce, vendem-se mais automóveis, as pessoas também compram casas e acabam por fazer alguns seguros, pelo menos para quem pede crédito à habitação. A atividade económica neste ano mantém-se mais ou menos estável, não há assim grandes diferenças relativamente ao ano passado e, neste momento, as expectativas apontam para um crescimento à volta de 10%. 10% no ramo Vida e 16% no Não-Vida e, portanto, isto vai dar um crescimento acima de, provavelmente, 10% no global.

E como estão a evoluir os seguros de saúde? 
Os seguros de saúde estão com um crescimento este ano idêntico ao do ano passado, entre 17% e 18%. O ritmo de crescimento é idêntico nos seis primeiros meses deste ano. Mais uma vez, a expectativa é que até ao final do ano esse ritmo se mantenha. É preciso dizer que alguns destes crescimentos no ramo Vida, há uma parte que são, de facto, seguros novos, outra parte são aumentos de preço, porque tivemos aqui um efeito de inflação que obrigou a fazer algum repricing dos seguros de saúde. 

Em média, no ramo Vida e no Não Vida, qual foi o aumento de preços neste ano? 
O ramo Vida, acima de tudo, são seguros financeiros, portanto é aquilo que as pessoas colocam nos PPR, não se pode dizer que isso é um aumento. Nos seguros de saúde, nós compilamos a informação agregada, não temos informação desagregada, ou seja, dos nossos associados, dizendo que isto é aumento de prémio e isto são seguros novos. Há uma boa parte que são seguros novos, porque a verdade é que nós fechámos o ano de 2023 com cerca de 3,3 milhões de beneficiários nos seguros de saúde, e no final agora do primeiro semestre já estavam em 3,7 milhões. Portanto, estamos a falar de 400 mil portugueses que são beneficiários de seguros de saúde pela primeira vez. Apesar de tudo, é um crescimento importante. 

E isso tem a ver com o estado do Serviço Nacional de Saúde? 
Tem contribuído. A aceleração do crescimento do seguro de saúde no pós-pandemia tem muito a ver com as dificuldades de acesso ao SNS, na marcação de consultas, especialidades, cirurgias, etc. E, portanto, isso reflete-se no seguro de saúde, que já trazia uma dinâmica de crescimento, mas que foi acelerada claramente no pós-pandemia. 

E tem estimativa até ao final do ano? 
A expectativa que temos, ou que tínhamos há um mês, é que a este ritmo de crescimento vamos seguramente ultrapassar os quatro milhões. Portanto, essa é a expectativa, é chegar ao final do ano com quatro milhões de portugueses que são beneficiários de seguro de saúde. 


Os hospitais privados têm capacidade de resposta para este aumento de procura?
Neste momento têm mostrado ter essa capacidade, mas que é indiscutível que, hoje em dia, quando vamos a um hospital privado, e eu também já lá estive em check-ups e tudo o mais, vemos que há muito mais pessoas, a facilidade de marcar consultas já não é como era há dois ou três anos, mas a verdade é que neste momento ainda assim conseguem dar resposta. Eu não sei se esse nível de resposta noutras zonas do país é essa, mas a verdade é que hoje em dia já representam uma capacidade importante do sistema nacional de saúde. 

Quais são os grandes desafios do setor segurador nesta altura? 
Os grandes desafios têm a ver com algumas tendências estratégicas da sociedade e que mudam o perfil de risco. A primeira são as alterações climáticas. Isto coloca um desafio tremendo ao setor segurador. E nem sequer falo só nos incêndios, porque uma das realidades que temos sentido nos invernos são as tempestades e as cheias. Em 2023, só em eventos, a maioria dos quais relacionados com tempestades, portanto, inundações cheias, etc, na região de Lisboa, Porto, Algarve,  foram pagos 31 milhões de euros, que obviamente é um número importante. Mas, enfim, não se pode dizer que seja uma catástrofe, mas infelizmente são tempestades que foram passando pelo território nacional e que foram deixando estragos grandes.  O que vemos quando analisamos a série histórica dos últimos 15 anos é que este tipo de eventos é mais frequente e, em alguns casos, mais extremo também. E, portanto, temos que nos adequar e temos que ter capacidade e por isso é que é importante olhar para o território, olhar para as coberturas, e até alertar as pessoas que, apesar de tudo, há muitas perdas económicas que não estão seguras e, portanto, se todos contribuirmos um bocadinho, aquelas pessoas que estão em zonas onde passa o furacão, onde passa a tempestade, podem ser ressarcidas se tiverem seguros. É um apelo ao mutualismo. E, portanto, nós temos que ir adequando a oferta a esta nova realidade das alterações climáticas, eventos mais frequentes e mais extremados. 

E as outras prioridades? 
O segundo tema tem a ver com a demografia. E aqui temos os seguros de saúde, de que já falámos. Temos de perceber que a nossa pirâmide etária em Portugal está a envelhecer e, portanto, temos que dar seguros que deem resposta a essas necessidades, seguros mais alinhados com as necessidades dessas pessoas. Hoje vivemos todos muito mais tempo e ainda bem que assim é, mas a verdade é que implica uma maior prevalência de doenças crónicas, doenças mentais, das demências, etc. Portanto, temos que ter respostas, apólices que não podem ser iguais aos seguros tradicionais de quem está na sua vida profissional aos 30 ou aos 40 anos. Temos que ir adequando o tema da saúde mental, que hoje é um tema muito presente e estão a começar a aparecer algumas ofertas que dão respostas a isso. Há o tema dos cuidados continuados, que é um problema muito mal tratado do lado do SNS. São desafios para o setor segurador redirecionar a sua oferta para esta nova realidade. Isto do lado da saúde, e depois do lado das pensões. As pessoas que hoje têm 40 anos, ou à volta disso, quando chegarem à idade da reforma, o valor da primeira pensão relativamente ao último salário pode ser menos de metade. Podem ter uma quebra no seu nível de vida. E, portanto, uma das coisas que nós temos vindo a defender é que é importante em Portugal trabalhar-se o tema da poupança complementar para a reforma, seja através da concertação social, ou seja, que as empresas possam ser incentivadas a dar planos de pensões para os seus trabalhadores, que permitam a capitalização. É o segundo pilar, que noutros países está super desenvolvido e aqui não está. E depois o terceiro pilar, que é a poupança individual, que são os PPR. Os PPR foram um caso de sucesso em Portugal, quando as pessoas tinham um incentivo fiscal no momento em que compravam. Havia sempre uma altura do ano, com muitos anúncios, que era o final do ano, em que as pessoas iam comprar para ter o benefício de IRS. E  isso hoje desapareceu. Está provado que é necessário incentivar as pessoas a poupar no longo prazo, porque obviamente é sempre mais fácil consumir. 

Que tipo de incentivos é que gostariam de ver nos PPR? 
É voltar a pensar que podemos ter incentivos como esses, como existiam há dez anos. 

O Governo aprovou um conjunto de medidas para incentivar a poupança de longo prazo. 
Sim, mas não está lá isto, mas devia estar. E nós, para o Orçamento deste ano, um dos nossos contributos que enviámos foi precisamente de que deveríamos equacionar, criar um incentivo fiscal para a poupança de longo prazo. Porque a verdade é que se há alguém que está disponível para pegar na pequena poupança e pará-la no tempo - não mexer nela durante 10 anos, 15 ou 20 anos - deveria ter um incentivo fiscal. 

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