Engenheiro mas tendo-se especializado em gestão financeira, José Galamba de Oliveira lidera a Associação Portuguesa de Seguradores (APS) há cinco anos. Na próxima quarta-feira, a conferência anual da APS debate o tema Smart Living - Tecnologia e Inovação no quotidiano do futuro. Ao DV/TSF, o líder das seguradoras deixa algumas pistas sobre o que aí vem.
Os seguros do Ramo Vida tiveram uma quebra de 37% em pandemia. É recuperável?
Este ramo teve dois anos de queda por circunstâncias do mercado, com as baixas taxas de juro a tornar os produtos menos aliciantes, mas em 2021 tem estado a crescer 70% relativamente aos dez meses do ano passado. Estamos ainda abaixo do pré-pandemia mas em recuperação. Uma nova gama de produtos foi entretanto desenvolvida e está disponível sobretudo nas redes bancárias - um canal de distribuição por excelência dos seguros de PPR, de capitalização, e isso tem tido enorme adesão dos consumidores. A banca também não tem ofertas interessantes, os depósitos têm taxas muito baixas, o que também explica a subida: é uma alternativa interessante.
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Como correu o fim das moratórias dos seguros?
Com muita tranquilidade. Tivemos na ordem dos milhões de contratos em moratória, mas à medida que se venciam as pessoas foram pagando. Não temos problema de cobrança de apólices ou de anuidades relacionadas com os seguros.
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Estamos perante uma subida de casos de covid. Se entrarmos de novo em confinamento faz sentido voltar às moratórias?
Para o setor não seria problema, mas creio que se aprendeu muito com a doença e os confinamentos. O primeiro foi muito mais difícil para todos, era novidade, entretanto desenvolveu-se um conjunto de apoios - que estão a terminar - mas mesmo com mais casos agora será muito difícil pensar que voltaremos ao confinamento como há um ano. Provavelmente teremos medidas adicionais - usar máscara de novo faz sentido, está provado que reduz significativamente o contágio, o distanciamento, eventualmente voltar a limitar as pessoas em sala em grandes eventos,... mas não creio que confinemos de novo. Pode acontecer se vier uma nova variante que traga o caos aos hospitais, mas ao nível da capacidade hospitalar temos hoje pessoas em UCI mas não nos números do início do ano. Isso é que é importante controlar, mais do que o número, que choca e que pode chegar a 3 ou 4 mil: ver se o SNS consegue responder. Por isso não acredito que essas medidas, incluindo moratórias de seguros e de bancos, venham a ser necessárias.
Mas voltar a haver restrições nos eventos pode trazer problemas a certos setores...
Caso haja agravamento, há setores que continuarão a sofrer. Alguns sofreram muito - restauração, turismo, cultura - e os impactos aí seriam grandes. Talvez faça sentido apoios específicos para esses, mas não alargados. Porque em muitas áreas de atividade económica aprendemos a viver com estas novas situações, com o teletrabalho, tecnologias que ajudam em muitas situações do dia-a-dia.
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O trânsito regressou às cidades, e de forma reforçada. Isso traduz-se no ramo automóvel?
Claramente. Estamos com níveis de sinistralidade pré-pandemia, temos o mesmo nível de frequência e de severidade de acidentes de automóvel de antes da covid, com a agravante de o custo associado ser superior. A inflação chegou às peças dos automóveis, há dificuldades na obtenção de peças, o custo de reparação subiu, as reparações demoram mais e com isso os custos com carro de substituição também sobem. Portanto, o custo de um acidente é hoje superior ao de há um ano. Isso é uma preocupação para o setor. Esperemos que estes temas que causam picos de inflação sejam mesmo conjunturais, como dizem os economistas, e no próximo ano volte ao normal. Mas até por isso o setor está interessado em fomentar a prevenção - controle de velocidade, monitorização de regras de trânsito, etc. É fundamental para baixar o número de acidentes. Portugal teve um percurso de redução de acidentes nos últimos 15 anos, mas depois estacionou e em pré-pandemia já não se via essa recuperação; temos caminho a percorrer, com níveis elevados de sinistralidade, comparando com o resto da Europa.
Mas esses custos podem chegar ao consumidor?
Acredito que possam mitigar-se, visto ser uma situação conjuntural. Mas se se mantiverem no longo prazo poderão ter impacto na renovação de apólices. Não há, ainda assim, razão de momento para pensar que possa acontecer.
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Como está a procura por Produtos Poupança-Reforma (PPR)?
Estão a crescer muito, acima de 50%, o que é uma razão de satisfação: há pessoas a comprar produtos de poupança de médio prazo. O PPR foi um pouco desvirtuado nos últimos anos, já não é poupança para a reforma porque há um conjunto de situações em que pode desmobilizar-se; hoje é comercializado como uma poupança de que as pessoas não precisam imediatamente mas tipicamente são resgatados ao fim de 4 ou 5 anos. Mas é poupança a crescer e que tem ainda vantagens fiscais no momento da saída - ao fim de 8 anos começa a ter vantagens em IRS.
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A subida é efeito da pandemia?
Claramente. Muita poupança foi acumulada neste ano e meio e provavelmente alguma dela já não acabará em consumo. E ainda bem, porque temos um problema crónico de falta de poupança e alguma da que estava em depósitos à ordem está a ser convertida em poupança de médio prazo.
Os incentivos à poupança, incluindo PPR, são suficientes?
Temos defendido que é preciso redefinir incentivos no momento de subscrição de novos produtos. Se alguém tem um montante disponível, ainda por cima à ordem, precisa de um incentivo para lhe pegar e o pôr num produto de poupança. Esses incentivos devem acontecer para produtos de reforma, de imobilização de longo prazo. Se há essa disponibilidade deve haver direito ao incentivo. Preconizamos até um novo PPR, que pode ser baseado no PEPP (o PPR europeu) - que está a ser regulamentado, foi aprovado a nível europeu e pode ser comercializado a partir de março. O PEPP pode ser a alavanca necessária, porque é um produto criado a pensar na reforma e faz sentido que haja incentivo à sua subscrição.
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O PEPP - Produto Individual de Reforma Pan Europeu pode arrancar em março em Portugal?
Há uma data de março de 2022 de disponibilização a nível europeu. Há países mais avançados na regulamentação deste produto...
E quando pode existir aqui?
Ainda nesta semana ouvi o ministro das Finanças dizer que o objetivo é que até final do primeiro trimestre haja essa regulamentação e com isso pode arrancar. Diria que provavelmente em finais de março pode haver condições para ser disponibilizado aqui também.
E acredita que terá boa adesão?
Olhando aos últimos dez meses, a como os PPR têm crescido, diria que muitas dessas pessoas poderão comprar PEPP, ainda que este implique mobilização de mais longo prazo, indo atrás de um eventual incentivo fiscal. Se este não existir, será muito mais difícil que as pessoas tomem essa decisão, porque se a situação é idêntica ao PPR, vão preferir este, onde não têm a preocupação de o dinheiro ficar parado até à reforma.
Faria sentido facilitar a transferência de quem tem hoje um PPR para um PEPP?
É um dos temas que estão a ser pensados na regulamentação - se pode acontecer essa transferência e, podendo, como pode funcionar. Tudo que crie condições para poupança mais estável e duradoura é de louvar. A nossa economia tem taxas de poupança muito baixas; precisamos de âncoras que levem as pessoas a deixar lá o dinheiro.
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E se esqueçam, dele.
Não é esquecer, porque ele volta à economia, mas em projetos de longo prazo, de infraestruturas. Há muitos projetos que precisam de financiamento a muito longo prazo. Há muitos projetos que precisam de investimento a muito longo prazo e esse é o tipo de investimento para onde entidades como as seguradoras canalizam a poupança captada, enquanto investidores institucionais.
Siza Vieira defendeu nesta semana que fundos de pensões e seguradoras, que são dos maiores investidores institucionais do mundo, tenham um papel como investidores na construção de infraestruturas, habitação e até no aumento do capital das empresas. Como vê essa ideia?
É uma ideia que merece ser trabalhada... Hoje há limitações regulatórias a isso, há um regime muito exigente - o Solvência II, que gere a solvabilidade das seguradoras e pondera requisitos de capital mínimos em termos de onde os investimentos são feitos. Uma coisa é investir numa obrigação de tesouro do Estado, outra numa PME, o risco e requisitos de capital são distintos. Pode fazer sentido se se revir esse modelo, sem pôr em risco a solvabilidade do setor. Isto é um setor muito credível, sem problemas mesmo em crises violentas como as últimas, porque há uma base de capital muito forte. Temos de garantir que esse capital é aplicado e se há maior risco que esteja acautelado no requisito de capital.
A presidente da Autoridade reguladora avisou que as alterações climáticas vão encarecer os seguros. Esse efeito já se nota?
Potencialmente, mas não temos hoje perceção de que esteja a acontecer. Há situações que indiciam que as alterações climáticas estão a impactar Portugal, eventos mais ou menos catastróficos - fogos, tempestades, furacões mais frequentes e severos na última década. Tivemos uma situação grave em 2017, em Pedrógão e depois logo em outubro; se tivéssemos isso anos seguidos teríamos um problema. Aquilo impactou milhares de famílias, foram dezenas de milhar de sinistros relativamente à parte segura - e o Estado deu uma importante ajuda, de centenas de milhões, ao que não estava seguro -, para o setor foram 250 milhões que acomodámos porque tínhamos reservas e porque estamos cá para os anos bons e maus. Mas acontecendo isto de forma frequente, pode agravar o custo dos seguros. E essa é preocupação do setor a nível global, as alterações climáticas em algumas regiões do globo, têm efeitos dramáticos e os custos dos resseguradores internacionais estão a crescer. Há sempre preocupação com o que isso pode significar daqui a 20 anos. Se não houver o tal controlo do 1,5º C e passar a haver catástrofes maiores, há bens que podem deixar de ser seguráveis ou sê-lo a tal preço que as pessoas não conseguem comprar. É um tema crítico, muito seguido pela nossa indústria porque tem que ver com o nosso negócio. Neste momento ainda não é tema em Portugal, esperemos que não o seja.
O Fundo de Catástrofes liga com isso. Em que ponto está?
Continuamos a debater - infelizmente há demasiados anos -, mas com boas novidades. Em agosto, houve uma resolução do Conselho de Ministros que aprovou a estratégia nacional para a proteção civil preventiva 2030, na qual explicitamente está previsto o desenvolvimento de um sistema de proteção de riscos catastróficos, e estão indicadas a APS e a ASF enquanto entidades importantes na sua definição. Ou seja, foi colocado na agenda política, o que é bom. Agora com a mudança de governo ou o fim de ciclo pode atrasar um pouco - estava previsto que arrancassem os trabalhos em 2022. Temos na mesa uma proposta de trabalho que prevê o faseamento da implementação, com prioridade ao risco sísmico, que é o que nos parece maior em Portugal, já que apenas 16% das casas têm cobertura de risco sísmico. Depois vem outro tipo de riscos, grandes cheias, incêndios, etc.
A APS lançou um simulador do Custo de Reconstrução de Imóveis, que permite que qualquer pessoa possa saber quanto custa reconstruir a sua casa em caso de sinistro total.
Quando se constitui um seguro de incêndio ou multirrisco da casa, o capital que se quer segurar é perguntado e as pessoas muitas vezes não têm noção. Porque não é o valor do empréstimo ou da compra - aí paga-se o sítio, o terreno, etc. A reconstrução custa tipicamente menos do que a compra. As portarias que definiam o preço por m2 em tipologia de reconstrução deixaram de ser atualizadas há muito e criou-se um vazio que quisemos preencher. Envolvemos o IST e um conjunto de professores de engenharia civil e desenvolveu-se o modelo e o simulador, que tem um conjunto de ponderadores (número de quartos, wc, tipologia da cozinha, se é alvenaria ou betão, etc.) e em função deles atribui o valor a segurar. O grau de aceitação tem sido muito grande, está de facto a ser usado. Mas é apenas referência, as pessoas são livres de depois definir o valor que querem.
Mas o seguro fica mais barato?
Depende do que tinham; temos situações em que seguravam por cima e outros por baixo do necessário. Aplicando o simulador há quem passe a pagar menos, mas outros pagarão mais - porque eram capitais de há dez anos, porque os preços de reconstrução subiram, os materiais, etc.
A digitalização tem entrado muito no setor, mas também traz riscos. Nomeadamente as insurtechs estão bem protegidas?
Sim, nós abordamos o tema sob duas vertentes: primeiro, a proteção da informação que o setor tem - como todos os negócios, temos preocupação de segurar a informação que temos, que é muita e sobre as pessoas, seus bens e património - e temos as mais recentes tecnologias de proteção. E a segunda é a de poder oferecer seguros cyber, ofertas que em Portugal estão ainda muito pouco desenvolvidas - aliás, 80% desse mercado é América do Norte, Inglaterra tem 10% e o resto da Europa outros 10%. Portanto há potencial muito grande, até porque com a pandemia começou-se a usar computadores pessoais, abriram-se brechas na segurança das organizações, o número de ataques disparou e é uma preocupação nossa criar condições de segurança e responder com um seguro se alguém entra e causa danos. Essa oferta em Portugal está muito vocacionada para particulares e PME - as grandes empresas que o fazem, recorrem a resseguradores internacionais. E tem três componentes: um de aconselhamento (parcerias com especialistas em segurança informática), um de apoio jurídico em caso de acidente, e um de poder ressarcir impactos económicos que resultem de ataques. E já está disponível em algumas seguradoras.
De que forma pode o setor tirar partido do potencial do Big Data, das piscinas de dados e novas tecnologias para personalizar produtos e serviços?
A nossa preocupação no uso desta informação é de ser feita sempre de forma muito ética. A personalização pode ir só até determinado nível, porque temos uma lógica de mutualização: há um perfil de consumidores com determinadas condições e entre eles mutualiza-se o risco. Se tivermos um seguro para uma pessoa, deixamos muitos de fora. O mutualismo é a essência da seguradora, portanto a temática de tratamento de dados é fundamental e tem de ser feita de forma muito ética; já é muito trabalhada e pode ajudar-nos a definir tendências. Ou seja, ser preditiva, tentar definir tendências de evolução de comportamentos de consumidores e criar então ofertas para determinado perfil de pessoas, ou seja, ofertas mais costumizadas para grupos de consumidores. Mas sempre em grupos de pessoas com afinidades e perfis de risco idênticos, se não distorce-se a essência do setor.
E a nova mobilidade, incluindo carros autónomos, IA, 5G, pode alterar o quadro dos seguros?
Pode. Um seguro automóvel hoje é o número 1 nas carteiras dos operadores em Portugal, tipicamente, representa um terço da carteira de seguros. Se pensarmos num mundo em que a maioria ou a totalidade dos carros é autónoma, o número de acidentes cairá para perto de zero. E o seguro no modo atual deixa de fazer sentido. Levantam-se depois outros temas: se um carro autónomo tem um acidente, a responsabilidade é de quem construiu o carro ou de quem fez a tecnologia? Mas ainda estamos longe dessa situação. Das experiências feitas, conclui-se que coexistência entre carros autónomos e tradicionais é muito complexa num circuito comum, ainda temos uns anos valentes para pensar com calma nestes temas. Mas estamos preparados para essa outra realidade, com outras necessidades e o seguro automóvel será certamente uma coisa diferente daqui a 20 anos.
O setor dos seguros que sai da pandemia é muito diferente, houve alterações na oferta?
Muito, há novas ofertas, uma utilização mais massiva de novas tecnologias e formas de contacto com os consumidores. Deu-se um salto tremendo, com apps, net, telefones, o que o consumidor tem disponível comparado com o pré-pandemia é absolutamente diferente. Havia já planos para implementar muito disto, mas foi acelerado e hoje a oferta é muito diferente, muitas vezes mais costumizada a necessidades novas e específicas. Temos hoje, por exemplo, pessoas muito preocupadas com a sustentabilidade e há seguros com essa preocupação; virados para a nova mobilidade (apanhamos o metro e depois trotinete e temos de responder; e até o teletrabalho: além do escritório, têm local de teletrabalho em casa e houve que acomodar essas novas situações de risco.