José Lopes: “Dizer que a ANA paga o novo aeroporto significa que serão as companhias e depois os consumidores a pagar”

O diretor-geral da easyJet em Portugal alerta para a forma como será feito o financiamento do novo aeroporto de Lisboa e defende a alteração ao modelo regulatório das taxas aeroportuárias.
José Lopes, diretor-geral da easyJet em Portugal. Foto: Leonardo Negrão
José Lopes, diretor-geral da easyJet em Portugal. Foto: Leonardo NegrãoJosé Lopes, diretor-geral da easyJet em Portugal. Foto: Leonardo Negrão
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A easyJet reportou uma melhoria nas contas globais, com uma redução dos prejuízos para 408 milhões de euros no primeiro semestre fiscal. Quais são os números em Portugal?
Em Portugal não reportamos dados financeiros. No que respeita à operação, foi um inverno positivo. Transportámos 4,3 milhões de pessoas, um aumento de 8% relativamente ao ano anterior, com um aumento da oferta de 5% relativamente ao período homólogo, que correspondeu a cerca de 4,8 milhões de lugares oferecidos. Isto coloca-nos, sem dúvida, numa boa posição de arranque para voltarmos a ter no nosso país o nosso melhor ano de sempre.

Quais foram os aeroportos com melhor performance?
Tivemos uma performance muito similar nos vários aeroportos. Destacar o Funchal, onde somos a companhia número um, fruto de uma aposta que vai além do doméstico, com uma panóplia de rotas internacionais. Mas também Lisboa e Porto têm continuado a crescer. E é interessante porque, neste momento, são dois aeroportos que se encontram congestionados. Devido à possibilidade que a easyJet tem, de poder aumentar a capacidade com o mesmo número de slots através do aumento do tamanho da aeronave utilizada, é possível crescer. Temos apanhado slots que vão sendo perdidos por outros operadores e que nos permitem ir consolidando. Em Faro, é o primeiro ano que apresentamos crescimento.

O crescimento da easyJet tem-se feito também à boleia dos 18 slots que herdou da TAP, que deram um valente impulso à operação.
Sem dúvida, permitiu-nos consolidar. Este aumento de capacidade em Lisboa e no Porto, e também o investimento que foi feito na Madeira, permitiu-nos dar um passo além. Passar de uma rede tradicional que era muito alavancada por passageiros de chegada, que continuam a representar no nosso país cerca de 75% do tráfego total, e criar destinos muito direcionados para o consumidor português - com as aberturas das rotas para Marrocos, Canárias, Baleares e Praga - que demonstraram, naquele momento pós-pandemia, ser um êxito. Foi um ajustar e um passo à frente na nossa estratégia no país que continua, desde o primeiro dia, a ser a mesma: queremos ser vistos em Portugal como a companhia nacional que somos, estamos baseados como uma sucursal e contratamos localmente, criamos emprego local e queremos também que as pessoas que voam connosco nos vejam como a companhia portuguesa também que somos.

Com o verão à porta, e apesar da inflação, os portugueses estão a viajar mais?
É um fator muito interessante e aqui os portugueses estão completamente alinhados com o perfil de consumo europeu. Uma coisa que veio para ficar em termos de perfil de consumidor é a importância que as pessoas atribuem a viajar e isto acentuou-se imenso depois da prisão que todos experienciámos durante a pandemia.

A Ryanair admitiu estar disposta a baixar preços e a apostar em promoções. Pretendem acompanhar?
Promoções têm vindo a ocorrer ao longo destes três anos que passaram desde a pandemia. Recentemente, colocámos à venda o nosso verão de 2025: são 19 milhões de lugares à venda em todo o nosso network, dos quais três milhões só para Portugal, e a preços que são excelentes para o consumidor. Estamos a operar em Portugal a níveis que são entre 40% a 50% acima do que voávamos antes da pandemia e quando se está com um aumento de capacidade relativamente àquilo que foi considerado o melhor ano de sempre, é normal que exista alguma estimulação do mercado para que exista esse acompanhamento por parte da procura.

Não prevê, portanto, aumento de tarifas?
Globalmente, é possível que existam alguns aumentos pontuais dependendo dos mercados. Em Portugal, penso que com estes aumentos de capacidade, as tarifas devem manter-se aos níveis a que nos habituámos.

Falávamos de rotas e de ligações e é a altura de falarmos também das infraestruturas essenciais para que elas operem. O Governo anunciou a decisão sobre o novo aeroporto. Concorda com Alcochete?
Congratulámo-nos com uma tomada de decisão. Era necessária uma tomada de decisão por parte dos decisores políticos, a eles cabia fazer a escolha. Fizeram-no baseado num estudo que foi feito pela Comissão Técnica Independente (CTI) que nos consultou, e é positivo ter sido tomada esta decisão. Será uma decisão que terá impacto a médio e longo prazo. Poderemos estar a falar, diria, que no melhor dos casos, de uma solução que será implementada e que começará a dar frutos daqui a 15 anos.

Esta era a melhor opção das que estavam em cima da mesa?
Não tendo todos os dados relativamente a todas as opções, confiamos nos decisores políticos e parece-me que houve um consenso. Pelo menos há alguma aparente força ou estabilidade de que esta solução se vai manter e que não vamos, daqui a uns meses, voltar à estaca zero.

E sobre a solução de curto e médio prazo?
A solução a curto e médio prazo é aquela que realmente nos preocupa. É urgente acelerar todos os investimentos que são necessários na Portela, quer por parte da ANA, quer por parte da NAV e, inclusive, existem grupos de trabalho para isso. O principal foco que todos devemos ter é o de melhorar a experiência de passageiro. Neste momento, e na Portela temos uma capacidade declarada que é a mesma há mais de uma década - uma média de cerca de 38 movimentos por hora - não está a ser entregue nem pela ANA nem pela NAV. O grande trabalho que tem de ser feito o mais rapidamente possível é com investimentos, quer na parte de infraestruturas de terra, quer a nível de espaço aéreo. Os aumentos que se devem conseguir em termos de capacidade não são, numa primeira fase, para aumentar os voos. É para que os voos que, supostamente, podem operar na Portela, possam sair a horas, para que as pessoas que compram o seu bilhete a pensar que um voo sai às oito da noite ou às sete da manhã, confiem que aquele horário vai ser cumprido. E para isso tem de haver aumentos da capacidade porque, como disse, a capacidade que está declarada neste momento não está a ser entregue.

E numa segunda fase?
Numa segunda fase, a médio prazo, poderá olhar-se para alguns ajustes, como a construção, por exemplo, da segunda e da terceira fase das saídas rápidas da Portela, com a extensão ou não do taxiway, com a criação de uma nova torre, com a extensão do terminal sul. Há uma série de planos que podem existir, que poderão vir ou não a criar mais capacidade real. Neste momento é urgente considerar que as pessoas pagam e têm direito a um serviço de qualidade, horários a serem cumpridos à hora, e é nisso que todos temos de nos focar.

A proposta do Executivo significa um aumento do número de passageiros. É suficiente para responder à procura na capital nos próximos 10 anos?
Estou confiante que primeiro consigamos fazer o tal delivery da capacidade existente. Nós próprios, dentro destas condições difíceis, estamos a crescer. Em Lisboa, este ano, prevemos um crescimento de 4% a 5%. A easyjet está a crescer na Portela, apesar da dificuldade da operação, mas é com uma qualidade de serviço que não é a ideal. Tenho confiança e aquilo que temos conversado também com a ANA, com a NAV e com a própria ANAC, é que existe de todos os players uma vontade de melhorar a Portela e de chegar a um momento em que podemos dizer que temos um serviço de qualidade. Depois, olhar para outro tipo de crescimento. Quando houver crescimento, se houver crescimento, seja ele qual for, será absorvido por todos. Gostaria que fosse só pela easyjet, mas as regras no nosso negócio são muito transparentes e permitem a todos crescer e credito que todos os players terão interesse em crescer.

Sempre deixou claro que a Easyjet não voaria para o Montijo. O facto de o Executivo não ter apostado numa solução dual foi positivo?
Diria que a discussão a que assisti durante a análise feita pela CTI pareceu-nos, desde o início, que a opção Montijo teria muitos bloqueios, especialmente a nível ambiental. Não há uma solução de um aeroporto ou de qualquer outra infraestrutura grande para um país, que não tenha impactos. Portanto, aqui caberá e coube a quem tem todos os dados ver qual é aquela menos impactante para o país e com mais benefícios. Acaba sempre por ser um equilíbrio entre o bom e o mau. Creio que, para já, o nosso foco em termos de companhia continua a ser a Portela, porque essa vai ser a nossa realidade. Como disse, 15 anos é muito tempo ainda e se calhar até estamos a ser otimistas, é partindo do pressuposto que tudo corre sobre rodas.

Como olha para a questão do financiamento da infraestrutura? Teme que exista um peso acrescido sobre as companhias aéreas com a questão das taxas aeroportuárias?
Esse foi, desde o início, um dos nossos grandes alertas. Quando fomos abordados pela CTI, e mesmo nas conversas que fomos tendo sobre o tema, com a ANA, com a ANAC e com o anterior Executivo, a grande preocupação que colocámos em cima da mesa, mostrando-nos um pouco agnósticos quanto à localização, foi o custo. Porque é muito simples dizer “a ANA paga”. Porque “a ANA paga” quer dizer que a ANA vai transferir esse custo. Nesta fase do modelo regulatório, a ANA já pode transferir os investimentos para taxas. Quer dizer que se as companhias aéreas vão pagar, as companhias aéreas vão transferir esse custo e isso significa que são os consumidores que vão pagar. Devemos sempre aprender com a história, e uso o exemplo mais parecido com Portugal, o aeroporto de Atenas. Atenas, tal como Lisboa, é uma cidade turística num país periférico que depende essencialmente do turismo. A população da grande Atenas é muito similar à da grande Lisboa, a população da Grécia é muito similar à população portuguesa. Quando o governo grego, há uma série de anos, decidiu criar um novo aeroporto em Atenas, tomou essa decisão para substituir o antigo e transferir todos os custos para a operação. O que é que aconteceu? O tráfego na Grécia estagnou por completo, enquanto que em em Lisboa cresceu bastante. Os gregos não vivenciaram em Atenas os anos dourados que levaram até 2019. E, como é óbvio, o grande impactado foi a companhia local, que acabou por ir à falência, a Olympic Airlines. É algo que deve ser visto com muito cuidado, como é que vai ser este financiamento e como é que se vai querer fazer a sua recuperação. Na última década o nosso principal concorrente aqui ao lado, Espanha, tem baixado ou congelado as taxas aeroportuárias, enquanto que em Portugal temos tido subidas na ordem dos dois dígitos. Estamos numa situação em que temos vindo, ano após ano, a perder competitividade. Temos de ter muito, muito cuidado como é que vai ser vista esta equação económica e terá de haver um equilíbrio, porque, caso contrário, arriscamo-nos a matar a galinha de ovos de ouro de Portugal, que é o turismo.

A CTI tem defendido uma revisão do contrato de concessão entre o Governo e a ANA, nomeadamente no que respeita às taxas aeroportuárias, afirmando que estas devem ser estabelecidas em conjunto com a ANAC. Partilha deste entendimento?
A ANA, com o aumento de tráfego, tem um custo unitário que tem vindo a diminuir e isso não se reflete nas taxas, pelo contrário, tem havido uma situação inversa. E considero que deveria haver essa correlação e que exista uma diminuição do custo unitário que deveria ser transferido. Porque, tradicionalmente, a não ser que na aviação exista um cataclismo, como vimos na pandemia, o tráfego aeronáutico cresce.

Falava na relação entre as taxas aeroportuárias e a competitividade. Considera que a ANA tem prejudicado a competitividade do nosso país?
Penso que devemos olhar sempre para a história. Não foi a ANA que criou este modelo regulatório. Este modelo regulatório foi resultado de uma conjuntura económica em que o país estava, em que tínhamos a Troika, e foi obrigatório haver uma privatização no setor das infraestruturas e transportes e das várias empresas. Esta era a única vendável.

Mas é a ANA que propõe o seu plano tarifário, que tem levado a vários chumbos da ANAC.
Esses chumbos, com os quais concordamos, fazem parte de pequenos ajustes ao modelo regulatório. Mas, em si, o modelo regulatório permite à ANA estas decisões que eu estava a criticar, porque acho que não deveriam ter sido o caminho a seguir pela VINCI, porque o modelo regulatório permite que eles aumentem de taxas todos os anos. Também não os impede de baixar, sejamos francos. Se eles quisessem, comercialmente, estrategicamente, poderiam congelar. Nós achámos mal que durante a pandemia aumentassem taxas, quando todos estávamos a sofrer.

Tendo essa possibilidade de baixar as taxas, está a beliscar a competitividade?
É uma decisão que eles têm tomado e essa decisão tem um impacto na competitividade que tem vindo a baixar, sem dúvida. Agora, foi o modelo que se levou à privatização e que fez com que Portugal também pudesse arrecadar a venda pelo valor que conseguiu, que foi bem superior àquilo que se esperava na altura. Se me pergunta se gostaríamos de ter um modelo regulatório diferente, sim, sem dúvida. Deve ser mais virado aos tais ganhos unitários que existem. Este modelo regulatório está intrinsecamente ligado a um contrato e, portanto, por muito que desejemos que ele seja alterado, terá de passar por um entendimento entre ambas as partes. A VINCI é uma empresa privada, tal como a easyjet e, apesar de não concordarmos com esta implementação, compreendemos que eles também têm de defender os interesses dos seus investidores, dos seus acionistas, e quando investiram em Portugal foi com uma perspetiva que foi este contrato. Esperemos que essa negociação chegue a um bom porto e que o resultado seja mais benéfico para o consumidor e para as companhias de aviação, logicamente, porque somos aqui a cara do consumidor.

Aos constrangimentos da Portela somam-se também as obras e a implementação do novo sistema de gestão do espaço aéreo pela NAV, que iniciou no passado mês. Neste sentido, apelou recentemente à flexibilidade da ANAC e ao Governo para a derrapagem dos voos noturnos. Acredita que haverá maior tolerância neste período?
Não, não acredito, mas acho que deveria ser analisado, porque aquilo que estamos a ver são os constrangimentos. Por exemplo, mencionou a implementação do point merge e que tem provocado sérios atrasos na operação. Inclusive outras limitações que existem na NAV e na ANA também têm provocado atrasos à operação e isso faz com que os voos se atrasem e aumenta o período de trabalho dos tripulantes, ficando, às vezes, impedidoos de fazer os voos todos que estavam programados e isso leva a cancelamentos. Se já sabemos que vamos ter estas dores de crescimento, chamemos-lhe assim, com a implementação de novos sistemas, com obras, etc., que vão estar a ocorrer em períodos específicos, o mínimo que deveria ser feito era permitir que aquelas aeronaves que vêm regressar à base o possam fazer. E aqui pedimo-lo não só a pensar exclusivamente nas pessoas que voam na easyJet mas nas outras companhias de aviação, porque isto é transversal. Deveria haver aqui um pouco de bom senso, um equilíbrio. É verdade que não é o ideal, porque tem impacto na cidade, mas sendo algo temporário e que vai trazer uma melhoria posterior, acho que devia chegar-se a um ponto de equilíbrio.

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