José Theotónio:"A TAP quer rentabilizar-se a si mesma, o turismo é só um instrumento e não um objetivo"

O CEO do Pestana defende a privatização da TAP "o quanto antes" e deixa elogios à gestão de Neeleman. Sobre as políticas para o turismo diz que "o melhor é não mexer" no que está a funcionar bem.
José Theotónio:"A TAP quer rentabilizar-se a si mesma, o turismo é só um instrumento e não um objetivo"
Foto: Paulo Spranger
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A semana ficou marcada por um apagão que colocou o país às escuras. Que impacto teve na vossa operação?

Os nossos hotéis estão preparados para estas contingências, os geradores funcionaram e reduzimos as luzes por questões de poupança. Em Lisboa esteve um dia ótimo e as pessoas foram para os espaços exteriores. Tivemos clientes que, devido às perturbações nos aeroportos, ou não chegaram ou não conseguiram partir. Os constrangimentos não foram tanto para os hotéis, mas para os aeroportos.

Estamos a duas semanas de mais uma eleições. Que balanço faz do curto mandato deste Governo?

No turismo as coisas têm estado a correr bastante bem - já corriam com o anterior Governo e continuaram com este - e se há setor que reúne consenso político é o turismo. A conjuntura está boa para o setor e o ano correu muito bem.

A existir uma eventual reeleição da AD, é a favor da continuidade de Pedro Machado na pasta do turismo?

Não posso dar opiniões (risos). É uma boa pessoa, mas não será com certeza a única. Está no setor há muitos anos e, portanto, se for o caso, continuará a desempenhar bem este papel, seguramente.

Que medidas gostaria que o próximo Executivo adotasse?

Sobre o turismo, estamos a viver uma conjuntura muitíssimo boa. Quando me perguntaram o que é que mudava, respondo sempre que nada porque isto está muito bom e quando as coisas estão boas e a funcionar bem é melhor não mexer (risos). Já sobre a economia geral, temos uma fiscalidade alta em Portugal e isso tira competitividade a alguns dos setores e impede a subida dos salários.

E o turismo continua a ser um dos setores com os salários mais baixos.

Deveríamos segmentar as atividades do turismo. Os código de atividade económica (CAE) do setor estão todos juntos e incluem, por exemplo, pequenos estabelecimentos como cafés, que, se calhar, nunca tiveram um turista lá dentro, mas continuam a estar dentro deste espetro. Se, quando fazemos as estatísticas, juntamos a hotelaria, toda a restauração, as agências de viagens e a animação turística, depois o valor final é muito baixo, claro. No que nos respeita, nos últimos três anos, aumentámos os salários em cerca de 30% e estamos a pagar dois salários adicionais como prémio. O rendimento bruto das pessoas aumentou cerca de 50% em três anos. O salário mínimo no grupo é de 950 euros, mais o subsídio alimentação, o que perfaz um total de 1170 euros.

No capítulo do recrutamento, a via verde para a imigração é uma boa notícia?

Não nos traz nenhum problema, porque o acordo define o que já fazíamos. A todos os imigrantes e migrantes de outras regiões do país que vêm trabalhar connosco damos cama, mesa e roupa lavada. Disponibilizamos alojamento e os contratos de trabalho são iguais para todos os trabalhadores. Temos trabalhadores de 42 nacionalidades, sendo que os brasileiros são os que assumem maior expressão. Sublinho, contudo, que dos três mil trabalhadores que temos em Portugal, 73% são portugueses - quando se diz que não há portugueses a trabalhar na hotelaria não é bem assim. Já escrevemos à Agência para a Integração Migrações e Asilo (AIMA) a informar que estamos disponíveis para assinar o protocolo que entrou recentemente em vigor.

De quantos trabalhadores precisam atualmente?

Para este ano já contratámos praticamente toda a gente, à volta de 670 trabalhadores, até porque a época alta está à porta e temos de recrutar com antecedência.

Olhando para os Estados Unidos, onde têm quatro hotéis, sentem já algum impacto na operação por via das políticas de Donald Trump?

Mais de 90% dos nossos clientes são norte-americanos e os hotéis continuam a funcionar bastante bem. As unidades de Nova Iorque e Miami são relativamente novas e têm vindo a crescer.

Os dados das consultoras norte-americanas apontam para uma retração do consumo do mercado interno com os gastos em turismo lazer a recuar. Esperam-se menos viagens internacionais e uma maior aposta no turismo doméstico?

Sim, no turismo doméstico não temos sentido nenhuma dificuldade. Os nossos hotéis têm conseguido subir não só a nível de reputação, mas também de preço.

O problema poderá estar nesta travessia transatlântica.

Exatamente. O mercado norte-americano é muito importante para alguns dos destinos portugueses e é o nosso primeiro em Lisboa e no Porto, mas, para já, não sentimos nenhuma diferença significativa na procura.

A importância destes turistas para o país está no elevado poder de compra que é difícil a outro mercado igualar. É uma das maiores ameaças?

Sim, são os desafios e as ameaças deste cenário. Mas este setor, recorde-se, vive num mundo com guerras. No passado, sempre que havia uma instabilidade, o turismo parava. Entrei no Pestana na altura do ataque às Torres Gémeas [em 2001] o que resultou numa quebra global para o setor. Sempre que há focos de instabilidade há desestabilização. Aconteceu o mesmo com a guerra na Ucrânia e com as do Médio Oriente.

Mas é mais iminente que o turismo em Portugal enfrente uma retração na procura de norte-americanos do que seja impactado pelas consequências dos conflitos armados.

Sim, isso tem alguma lógica. Mas, para já, ainda não se sente isso.

Sendo um cenário que pode vir a acontecer, preocupa-o?

Eu estou sempre preocupado com o futuro (risos). Nunca podemos dar nada por adquirido, mas temos de ir encontrando os caminhos e as soluções

Quais são esses caminhos?

Por exemplo, o cliente americano que fica hospedado uma vez no Pestana Palace, da próxima vez que vier à Europa, passa lá novamente. Eles ficam fascinados com a história e o mesmo acontece nalgumas Pousadas de Portugal, ficam admirados e fidelizam-se. É esse tipo de clientes que temos de trabalhar e temos investido muitíssimo em sistemas que permitam conhecê-los e fazer-lhes propostas.

E ofertas personalizadas para captar este mercado.

Sim. Um dos problemas que pode existir é a desvalorização do dólar e não podemos tornar os mercados europeus mais caros em comparação com os destinos dos EUA, mas se há mercado onde há margem para essas ofertas é o norte-americano. Estes turistas pagam mais do que os europeus e escolhem os quartos com maior valor.

É preciso reagir já?

Creio que sim e estar muito atento aos destinos portugueses. Só se chega cá através de aviões e estamos muito dependentes das rotas. É preciso ver quais são os planos que as companhias aéreas têm; se passarem por reforçar as rotas para Portugal grande parte do nosso trabalho está feito porque elas sabem promover o seu produto, não vão anunciar rotas para depois ficarem com os aviões vazios. É preciso trabalhar em conjunto com elas para melhorar o nosso conhecimento do mercado.

E apostar também na diversificação?

Com certeza. O mercado francês há sete anos não existia, ou se existia era de baixo custo e hoje prefere os melhores produtos. Há também os mercados que estão a surgir, como os de Leste.

Os mercados asiáticos têm também muito potencial pelo poder compra , mas há ainda um caminho a percorrer...

O grande problema dos mercados asiáticos são as rotas, precisam de ligações e para Lisboa, praticamente não há voos. E, com o aeroporto de Lisboa como está, não se prevê que haja slots no curto prazo.

A United Airlines vai ligar, pela primeira vez este verão, o Algarve aos EUS. Já sentem algum impacto nas reservas da região?

Vamos começar a trabalhar com os operadores americanos. Temos uma relativa desvantagem em relação a outros destinos, porque o aeroporto é em Faro e o alojamento daquela zona é beneficiado. Depois há uma aposta grande de concorrentes nossos que estão a trazer marcas americanas para a zona de Vila Moura e dos Salgados, e o turista americano é muito fiel a marcas. Mas se os americanos ocuparem uma parte da oferta que hoje existe no Algarve, libertam os outros mercados para virem para as nossas unidades, portanto, nesse sentido, é positivo e é positivo dar uma imagem do Algarve como um destino no mercado americano. Começaram a conhecer Lisboa e Porto, mas muito pouco o Algarve.

O que falta a Portugal na conectividade?

Há muitas companhias do Médio Oriente que gostavam de começar a viajar para Portugal. Além da Emirates, também a Qatar Airways gostava de vir, mas não consegue porque não há slots. Estas companhias funcionam como verdadeiros hubs e podiam trazer os tais clientes asiáticos. Seria importante para o desenvolvimento de novos mercados em Portugal. Outro dos mercados importantes, até com estas questões geopolíticas, é o canadiano.

A TAP está a desempenhar um papel relevante para o turismo com as ligações que oferece?

A TAP tem sempre um papel importante, muito mais relevante em Lisboa e na Madeira do que no Porto ou no Algarve. Mas hoje a política da TAP é mais vocacionada para se rentabilizar a si mesma do que propriamente ao turismo. O turismo é apenas um instrumento para a sua rentabilização, mas não é o seu foco nem objetivo principal.

E deveria ser uma prioridade enquanto companhia pública?

Não sei. Se eu estivesse na TAP e se fosse administrador, considerando os problemas que a aviação enfrenta, também estaria preocupado que a TAP fosse rentável. Agora é verdade que a TAP ocupa slots para levar portugueses para fora e, se pensarmos no país, esses slots podiam ser usados por outras companhias que trazem clientes para Portugal o que, em termos turísticos, seria bom. Obviamente que para a TAP não seria bom porque estaria a largar slots e a perder valor e os slots são uma grande parte do valor num aeroporto que está esgotado.

Então faria sentido esta estratégia, enquanto operadora de bandeira?

Mas depois, quando fosse vendida, se não tivesse estes os slots, não seria apelativa (risos). O mais importante é, por isso mesmo, fazer a privatização o quanto antes. Foi na gestão privada de David Neeleman que a TAP desempenhou o papel mais importante para o turismo do país. É uma gestão muito criticada, mas foi ele quem abriu as rotas para os Estados Unidos.

O grupo Pestana registou um resultado recorde de 651,5 milhões de euros em receitas no ano passado. Este crescimento de 17% fez-se à boleia do melhor ano de sempre para o turismo do país?

Houve um excelente desempenho do turismo em Portugal, todos os destinos melhoraram. A Madeira teve um comportamento fantástico e temos uma posição forte lá. Tivemos muito bons resultados nos hotéis de Madrid e dos Estados Unidos. Na parte imobiliária acabámos o Madeira Acqua Residences, no Funchal, que foi comercializado na totalidade. O golfe também correu muito bem - somos o segundo maior operador de golfe em Portugal.

No que respeita a novos investimentos, quais são os projetos em curso?

Concluiremos o Pestana Dunas, em Porto Santo, em setembro. Continuamos com a construção do Pestana CR7 Paris, que será inaugurado em 2026. Na parte imobiliária, prosseguimos as obras do Pestana Porto Covo Beach Residences e do Pestana Ferragudo, no Algarve.

Quais são os planos de expansão futuros?

O nosso departamento de desenvolvimento, liderado pelo José Roquette, analisa mais de 100 projetos por ano e, de vez em quando, há um que avança. A taxa de mortalidade é muito maior do que a taxa de efetividade. Pode ser que, durante este ano, mais algum apareça.

Para onde estão a olhar a nível internacional?

As nossas prioridades apontam para as cidades europeias. Já estamos em Amsterdão, Londres, Paris, Barcelona, Madrid e Berlim e é aí que faz sentido continuar a crescer.

Está definido o próximo destino?

Não faço ideia. Gostava mesmo de entrar em Itália, em Roma ou Milão, mas é um destino muito difícil, muito competitivo e não deverá ser o próximo. Já avaliámos várias oportunidades, mas não houve nenhuma a valores que pudéssemos comportar.

Em Portugal, já admitiu que gostaria de apostar mais nos Açores.

Exatamente, mas não têm surgido oportunidades. Os Açores têm crescido nos últimos anos, mas depois temos os problemas das ligações aéreas.

E fora das ilhas?

Já estamos muito concentrados em Portugal, vamos abrandar, não estamos ativamente à procura de novos projetos. Os promotores imobiliários conhecem-nos e quando há alguma oportunidade vêm ter connosco para analisarmos. A nossa estratégia passa agora mais pela dinamização do portefólio que já temos do que propriamente pela procura de novas localizações.

Mas a aposta no imobiliário, por outro lado, tem vindo a ganhar escala.

Sim, desde o primeiro projeto, o Pestana Troia Eco-Resort, que foi um grande sucesso, temos vindo a crescer e este segmento de negócio pesa 19% na operação do grupo. É um negócio desafiante, as aprovações de projetos são lentas, às vezes com demoras inacreditáveis e isso obviamente penaliza. Há projetos no Algarve que demoraram nove anos a serem aprovados. Para uma empresa como a nossa, que é familiar e com um acionista que tem paciência, ainda se aguentam estes timings (risos), mas para fundos internacionais, que têm planos de negócio a três ou quatro anos, não faz sentido. Nós temos um horizonte mais largo.

Lisboa está nos planos nesta fileira de negócio?

Não, já tivemos uma experiência, um projeto na Avenida Casal Ribeiro, e não foi a melhor. Houve muita burocracia e em Lisboa as coisas ainda demoram mais do que nos outros sítios.

Completa agora 25 anos no grupo Pestana. O que é que ainda lhe falta fazer?

Neste setor, há sempre coisas para fazer. O setor é cíclico, o grupo tem crescido e há sempre questões novas. Quando entrei, os clientes não eram nossos, eram dos tour operadores e dos agentes de viagem e hoje tudo isso mudou, o nosso canal principal é o direto. O setor está também muito digital. A empresa que hoje temos, passados estes 25 anos, é muito diferente daquela que encontrei. O setor do turismo era de pouco valor acrescentado e hoje estamos a conseguir vender muito melhor os nossos destinos. É continuar este caminho de transformação da empresa.

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