
A transformação digital trouxe consigo uma ampliação do leque de oferta de investimentos, uma maior democratização e redução de custos, nomeadamente, com comissões. No entanto, e apesar da apetência dos mais jovens pelas ferramentas digitais, quando chega o momento de investir, o risco e o receio de perder o capital investido ainda afastam muitos investidores de produtos mais voláteis como a criptomoeda ou os NFT (non-fungible tokens).
Muitas vezes, esta desconfiança é resultado de um nível baixo de literacia financeira, que ainda representa um obstáculo a uma aplicação mais independente e informada das poupanças. “Falta informação e abrangência e disseminação dessa informação”, diz Nuno Lima Luz ao DN/Dinheiro Vivo. Para o presidente da Associação Portuguesa de Blockchain e Criptomoeda (APBC), “a liberdade e a independência financeira, e a capacidade de tomar decisões informadas, sejam elas digitais ou financeiras, é o que nos garante também a liberdade individual e sustenta a democracia”.
E, a este nível, Portugal não fica bem no retrato quando comparado com outros Estados-membros da União Europeia (UE). Segundo uma pesquisa do Banco Central Europeu (BCE), apenas 28% dos portugueses inquiridos responderam corretamente a pelo menos três em cinco questões sobre temas financeiros, o pior resultado entre os 19 países da Zona Euro. Dados que demonstram que ainda há muito por fazer e um trabalho de pedagogia que, como defende Nuno Lima Luz, deve começar nos bancos da escola. “É das cadeiras mais importantes e que mais faz falta, até mais do que algumas das disciplinas tradicionais que temos no nosso currículo”, salienta.
Investir com precaução
O baixo nível de literacia financeira da população nacional, a par com as dificuldades em poupar para investir e rentabilizar é, na perspetiva de Nuno Mello, responsável de vendas da corretora XTB em Portugal, uma das principais razões para a cautela e o conservadorismo que ainda caracterizam os investidores, mesmo os mais jovens. Ainda assim, é na faixa etária até aos 35 anos que o interesse em aprender mais sobre instrumentos financeiros é mais notório. Um estudo de 2023 da CMVM (Comissão do Mercados de Valores Mobiliários) sobre literacia financeira relativa ao mercado de capitais em Portugal, revela que 60% dos jovens portugueses procuram informação financeira na internet, percentagem que é de 43% nos inquiridos menos jovens.
Aliás, e de acordo com dados preliminares de um inquérito realizado pela CMVM entre março e abril deste ano para aferir as características e preferências dos investidores, fornecidos em primeira mão ao DN/Dinheiro Vivo, quando questionados sobre a sua autoavaliação da literacia financeira, entre a amostra de 853 jovens entre os 18 e os 35 anos, apenas 26% se revelam “muito conhecedores” ou “conhecedores”. Do total de inquiridos, 40% apresentam-se como “moderadamente conhecedores”, enquanto 30% se confessam-se “pouco conhecedores”.
Dados que, para a fonte oficial da CMVM que falou ao DN/Dinheiro Vivo, “são preocupantes”, uma vez que esta amostra inclui 48% de inquiridos da área da Economia e da Gestão, 18% dos quais com mestrado, MBA ou doutoramento concluído, 29% com ensino superior ou politécnico concluído, e 48% a frequentar o ensino superior ou politécnico. É verdade que, como refere a mesma fonte, este inquérito não permite caracterizar a sociedade portuguesa nesta faixa etária como um todo, mas ajuda a tirar algumas conclusões junto da população universitária atual, e daquela que concluiu os seus estudos mais recentemente.
Já sobre os produtos financeiros preferidos desta faixa etária entre os 18 e os 35 anos, o inquérito da CMVM apurou que 25% dos inquiridos referem ter investimentos em dívida pública (Certificados de aforro, do Tesouro e/ou Obrigações do Tesouro), com percentagem idêntica a afirmar deter ações. Conclusões em linha com o perfil de investimento dos clientes da XTB Portugal que, segundo Nuno Mello, investem mais em ETF (Exchange Traded Fund) e ações, apesar de se situarem numa faixa etária mais elevada - entre os 35 e os 50.
O terceiro ativo financeiro mais procurado na XTB são as criptomoedas, “sobretudo em épocas de bull market [crescimento], como agora”, afirma o diretor de vendas da corretora. Este é também o investimento mais procurado pelos jovens inquiridos pela CMVM (21%), logo depois dos produtos de dívida pública e ações. Os fundos de investimento captam o interesse de 14% dos que responderam a este inquérito, seguidos dos fundos de Poupança Reforma e/ou Planos de Poupança Reforma, escolhidos por 12%.
Plataformas digitais a crescer
Apesar do conservadorismo que ainda caracteriza o investidor português, o panorama tenderá a alterar-se nos próximos anos, especialmente na população mais jovem. A perspetiva é de Nuno Mello que tem visto o negócio da corretora que representa a crescer em Portugal. O responsável pelas vendas da XTB revela que a procura pelo investimento naquela plataforma digital “cresceu exponencialmente desde 2020”. Na sua opinião, a introdução dos ETF no portefólio da corretora numa altura em que o mundo estava em confinamento, contribuiu para este crescimento. “Este é um produto com muita procura por quem está a iniciar-se no mundo dos investimentos e tem pouco conhecimento dos mercados, porque é um investimento passivo”, explica.
Este é igualmente um investimento “democrático”, uma vez que pode ser feito com valores a partir de dez euros. “O cliente consegue negociar ações fracionadas, pois se tiver uma ação que cota, por exemplo, a 600 dólares pode investir apenas 20 ou 30 euros”, clarifica Nuno Mello. Já no que se refere aos montantes investidos, o diretor de vendas revela que a maior parte das pessoas começam com montantes pequenos - na ordem dos mil ou dois mil euros -, que reforçam ao longo do tempo.
Já a criptomoeda atrai investidores que começam por procurar informação na plataforma - que disponibiliza artigos, cursos, vídeos ou e-books - e que, em muitos casos, já iniciaram a sua carteira com ações e ETF. “Muitos fazem-no depois de seguirem alguns influenciadores no YouTube”, reforça.
Este é também o papel da Associação Portuguesa de Blockchain e Criptomoeda, que procura desmistificar o investimento nestes produtos. “Aconselhamos sempre a pesquisar e a perceber quais são as bolsas de criptoativos que estão devidamente registadas e reguladas junto das instituições de supervisão”, afirma Nuno Lima Luz. Em Portugal, estas pesquisas podem ser feitas no site do Banco de Portugal ou no Portal do Investidor, lançado pela CMVM em setembro passado. É preciso que as pessoas entendam que este tipo de ativos já está perfeitamente firmado no nosso panorama e que são ativos credíveis em que as pessoas podem confiar”, reforça o presidente da APBC que conclui: “As pessoas não devem desconfiar do ativo, mas sim dos intermediários”. geral@dinheirovivo.pt
Esta é uma das formas das empresas se financiarem. Quando o capital social é disperso em bolsa, qualquer investidor pode adquirir uma parcela deste valor através de bancos ou corretoras. O preço sobe quando há muita procura, e desce em momentos de menor procura.
Vantagens: Rendibilidade gerada pelos bons resultados da empresa.
Riscos: Incerteza associada às operações da empresa; risco cambial quando a empresa detém operações no estrangeiro, noutras moedas; riscos políticos e económicos do mercado onde atua.
Trata-se de um instrumento financeiro, títulos de dívida, emitidos por uma entidade que pede um empréstimo aos investidores. O montante investido é devolvido, no final do prazo acordado, com os juros previamente determinados. Este tipo de produto tem prazos de maturidade entre um e dez anos. Existem obrigações com juro variável, subordinadas a um indexante como, por exemplo, a Euribor. Neste caso, o investidor não sabe se terá mais, ou menos, rentabilidade.
Vantagens: Previsibilidade quando as obrigações têm taxa fixa, transparência através da informação divulgada pelas agências de notação financeira, diversidade adequada a todos os tipos de perfis de investimento.
Riscos: Oscilação da taxa de juro quando variável; capacidade de reembolso da entidade emitente; falta de liquidez caso pretenda desfazer-se das obrigações antes do período contratado.
São instrumentos de poupança coletiva que reúnem dinheiro de diferentes investidores para aplicação em diferentes classes de ativos (ações, obrigações, matérias-primas, imobiliário, etc..). Existem fundos de tipos distintos, com diferentes objetivos, prazos e perfis de risco.
Vantagens: Rendibilidade superior às atuais taxas de juro, a médio prazo; investimento a partir de 100 euros, com possibilidade de entregas programadas; diversificação e acesso a mercados que não seria possível se investisse diretamente em cada empresa.
Riscos: Custo de gestão mais elevado do que nos ETF; menor ritmo de negociação; sem capital garantido; risco cambial.
Os ETF (Exchange Traded Fund) são fundos de investimento negociados na bolsa de valores, geridos de forma passiva, e que seguem um predefinido cabaz de ativos (ações, obrigações ou matérias-primas - ouro, petróleo, gás natural, etc..).
Vantagens: Facilidade, diversificação, custos reduzidos (é possível investir sem comissões ou com despesas baixas), rentabilidade interessante.
Riscos: Gestão passiva que não permite antecipar movimentações do mercado; volatilidade do mercado.
Suportados por tecnologia blockchain, que garante que a informação guardada não pode ser adulterada. Podem ser criptomoeda (bitcoin e ethereum são as mais conhecidas), NFT (non-fungible tokens - ativos digitais exclusivos, semelhantes a obras de arte. Ao adquirir recebe um certificado digital de propriedade), DeFi (protocolos de finanças descentralizados, entre outros.
Vantagens: Rapidez da transação, custo reduzido, privacidade, criação de novas moedas com ligação a ativos ou a disponibilidade permanente do sistema.
Riscos: Volatilidade, reduzida oferta de bens e serviços que aceitam estes ativos como pagamento, potenciais ataques criminosos, lavagem de dinheiro, ou financiamento de atividades criminosas.