Justiça internacional ou agressão internacional?

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Comemora-se neste domingo o Dia Mundial da Justiça Internacional em ambiente pouco propício à justiça dos povos.

Após a 2.ª Guerra Mundial julgou-se impensável uma agressão entre países [ditos] civilizados, constituindo a guerra da Ucrânia um lamentável exemplo de que a Paz é um virtual equilíbrio de forças entre os Estados, que devem estar em permanente alerta e monitorização de modo a evitar ataques e agressões que destroem vidas e deixam o mundo em sobressalto.

Surge, assim, com especial interesse, a matéria da justiça internacional e a capacidade de intervir em conflitos abertos e repor a Paz violada injustificadamente pelo agressor.

A criação do "Tribunal Penal Internacional" [TPI], resultante do "Estatuto de Roma" adotado em 17 de julho de 1998 e que entrou em vigor em 1 de junho de 2002 depois de alcançar 60 ratificações dos Estados aderentes, foi um passo no sentido de promover a Paz internacional por via da repressão judicial dos crimes de genocídio, crimes contra a Humanidade, crimes de guerra e, mais tarde, do crime de agressão.

O TPI, pela investigação assumida em crimes com esta configuração, e pelas sanções que ao longo da sua existência foi aplicando, constituiu desde a sua criação até ao tempo mais recente a esperança na manutenção da Paz internacional e um baluarte na institucionalização e defesa da justiça internacional, assumidos entre os Estados através de acordos multilaterais.

Contudo, a agressão militar contra a Ucrânia, de que resultam claramente crimes que se encontram sob a jurisdição do TPI, fez renascer a dúvida sobre a eficácia do modelo relativo à praticabilidade da justiça internacional.

Parece evidente que a investigação dos crimes cometidos pela Rússia não terá consequências práticas, face à impossibilidade de deter e julgar os principais responsáveis políticos pelas ações militares, legitimadas em nome de princípios fundamentais que o Ocidente não entende e que o mundo civilizado jamais compreenderá, qualquer que seja o desfecho do conflito.

Surge, então, a reflexão sobre o modelo da justiça internacional: jurídica ou económica?

Na nossa perspetiva, a força das armas é prevalente sobre a justiça [na sua perspetiva mais pura] de conteúdo jurídico. As regras internacionais que penalizam os crimes contra a Humanidade não têm - em conflitos com esta configuração - qualquer efeito prático e são incapazes de travar o agressor.

A justiça internacional radica - no contexto em que vivemos - numa configuração distinta, devendo resultar de reais sanções e restrições económicas ao país agressor. É certo que só a médio prazo a Rússia - e em especial a população civil - sentirá o efeito das sanções a aplicar pelos países do Ocidente e pelas organizações internacionais, nomeadamente a União Europeia, mas do ponto de vista da eficácia temos por certo que este modelo terá maior propensão para conduzir ao restabelecimento da Paz do que o modelo de repressão pela via jurisdicional.

Falamos, assim, numa justiça internacional económica como modelo de combate aos Estados agressores e as entidades internacionais deverão, de imediato, aumentar o nível das sanções a aplicar à Rússia e definir regras de futuro a aplicar em situação de conflito bélico que diretamente contendam com o mundo ocidental.

E não se pense que se trata de um ensaio teórico: recentes noticias que merecem credibilidade, dão nota de que as linhas ferroviárias da Federação Russa têm vindo a sofrer redução de unidades, por força da suspensão do fornecimento de peças pelo fabricante europeu Simens; as companhias áreas mais modernas correm o risco de suspender a operação por força de falta de peças e equipamentos de manutenção que seriam fornecidas pela Boeing e Airbus, prevendo-se que o produto interno bruto venha a registar um decréscimo de 30%, com efeitos imediatos na qualidade de vida dos cidadãos da Federação Russa associado aos problemas sociais que tal circunstância acarreta e que pode contaminar a forma como as populações locais encaram o conflito.

A justiça internacional - que hoje conhecemos - deixará de ser uma ficção e passará a ter instrumentos dotados de maior eficácia interventiva para que, no futuro, se possa celebrar uma verdadeira justiça dos Povos que alimenta a Paz entre os Estados.

A justiça internacional que temos não merece, mesmo em dia de comemoração, grandes elogios, e as afirmações de Putin segundo as quais "ainda estamos no início", não auguram grande futuro para a estabilidade na Europa.

Façamos votos para que no próximo ano o Ocidente possa regressar ao clima de estabilidade e Paz.

Pedro Marinho Falcão, mestre em Direito e professor universitário

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