Foi uma atrás da outra. Primeiro, o problema era a ideia, demasiado vanguardista - uma plataforma - para um público tão conservador - médicos. Então, arranjou médicos. Depois, a questão era a tecnologia. “Fazer uma coisa tipo Uber? Aquilo vale não sei quantos triliões, deves ser tolo”, disseram-lhe. Pois. Encontrou parceiros. A seguir, a grande dificuldade era encontrar a equipa para desenvolver a ideia. App construída, o obstáculo era outro: chegar aos clientes. “Isso é muito esquisito, médicos numa app? E achas que as pessoas vão nisso?”, perguntaram-lhe. “Isso é para táxis, os médicos não são táxis”, sentenciaram.
José ouviu tantas vezes as dúvidas dos outros que, à medida que ia avançando, ia reservando as certezas. As críticas foram tantas que se tornaram demasiadas para desistir.
A história podia começar como muitas outras. José Bastos, 40 anos, licenciado em Gestão, decidiu abandonar a Sonae, onde trabalhou 17 anos, para se dedicar ao sonho... perdão, à sua própria startup, lançada há quase um ano. A Knok Care. Só que o que José contou, torna a sua história única. Porquê? Porque é dele e não de outro. E porque foi contada na primeira pessoa.
[caption id="attachment_642770" align="aligncenter" width="2600"]
( Pedro Granadeiro / Global Imagens )[/caption]
“Tudo começou por eu procurar uma app da qual podia ser cliente”, conta, em entrevista ao Dinheiro Vivo. “Um dos meus filhos ficou doente e eu tive de ir três vezes com ele para o hospital num espaço de seis ou sete dias. Com más experiências consecutivas, pensei no bom que seria ter uma app que me permitisse chamar um médico a casa. Seria prático e poupar-me-ia três manhãs desperdiçadas no trabalho”, analisa. A trabalhar na Sonae, primeiro na direção financeira e, na altura, em planeamento estratégico, José diz que no início foi tudo uma “questão endógena”. “Uma pessoa começa a falar com amigos, alguns dos quais cofundadores da Knok, sobre o quanto seria porreiro haver uma app para encontrar um médico disponível. Começa a procurar e a pensar nisto como um modelo de negócio. Será que funciona? Como é que pode funcionar?”, detalha.
Seguiram-se muitas conversas com médicos e potenciais clientes sobre as vantagens da existência de uma coisa do género e uma decisão: queria arriscar. A ideia, que surgiu no inverno de 2014, foi implementada e lançada um ano depois, em dezembro de 2015. E, apesar de contar com nove sócios, na Knok trabalham apenas duas pessoas a tempo inteiro e nove em regime de part-time. Pelo menos por enquanto. É que, lançar uma startup, garante José, tem tanto de divertido como de penoso. “Nem todos os sócios trabalham na empresa a tempo inteiro sobretudo por uma questão de custo-oportunidade”, explica. “Nem o volume de trabalho nem o dinheiro chega para todos. Numa startup, uma pessoa tem de conseguir viver sem ordenado e é tudo uma questão de volume”, explica.
Com mais de 60 médicos com 34 anos, em média, a trabalhar com a app em Lisboa e no Porto, a Knok quer fazer crescer a rede à medida da procura. Para isso, a disponibilidade dos médicos é elástica, controlada centralmente, e depende de dois fatores fundamentais: a agenda dos prestadores de serviços e o número de pessoas que os procuram. “Ter médicos a mais é mau para os médicos e ter médicos a menos é mau para os doentes. Portanto isto tem mesmo de andar lado a lado.”
Com preços fixos de 49 euros por consulta, a Knok introduziu outra novidade. Estabilizou o fee cobrado e deu resposta ao que tinha notado como tendência: os clientes mostravam-se tão sensíveis ao preço que esse parecia ser o fator fundamental para a escolha de um médico em detrimento de outro. “Quando começámos, os preços não eram estabelecidos por nós, cada médico estipulava o seu. Começámos a ver que havia uma enorme sensibilidade ao preço. As pessoas tendiam a optar pelo serviço mais barato. O nosso trabalho passou a ser ter uma estrutura de custos muito baixa para conseguirmos passar o máximo valor ao médico”, conta.
Impacto é sucesso
Implementada a estratégia há poucos meses, a mudança permitiu à Knok ganhar o mesmo mas fazer crescer a percentagem atribuída ao médico o que, com o aumento de 300% mensal, levou a que todos ganhassem mais. “Como cobramos um fee que acaba por ser muito pequenino, dentro da repartição entre o que o doente paga e o que o médico recebe, genuinamente conseguimos entregar um serviço acessível, entregando aos médicos um valor justo e relevante que, na prática, lhes permite ganhar muito mais trabalhando para a Knok do que com aqueles ordenados normais de serviços médicos tipicamente feitos em hospitais. Acreditamos que com a nossa ideia estamos a oferecer uma opção de carreira que é relevante a prazo. E estamos a trabalhar a prazo exatamente para tentar enriquecer a carreira da perspetiva dos médicos”, garante José Bastos.
O impacto do negócio é, por isso, um fator de avaliação do sucesso: é que além da Knok ter desenvolvido uma plataforma em linguagem nativa não entrega só serviços de saúde primários. “Como as consultas custam 49 euros, além de um serviço estamos a contribuir de forma relevante para melhorar o acesso aos cuidados de saúde primários da população em geral. E isso para nós tem muito valor: não só estamos a fazer uma coisa que é útil como estamos a fazer uma coisa acessível. Preocupamo-nos com a ideia de que o mundo seja um sítio melhor.”
Depois do mercado português, e prestes a levantar a primeira ronda de financiamento Seed, a Knok quer expandir o negócio a nível internacional. Espanha e Reino Unido deverão ser os primeiros mercados externos da startup portuguesa, ainda sem data de início marcada. “Muita gente pergunta porque é que não expandimos para outras especialidades e a nossa resposta é: queremos ser muito bons a fazer o que fazemos.
emos uma coisa que mais nenhuma empresa do mundo do género oferece: a possibilidade de escolher o médico. 100% das nossas consultas foram avaliadas com 5 estrelas e as pessoas ficam realmente surpreendidas com a disponibilidade e a qualidade dos médicos.” O sistema é simples e funciona de forma semelhante à app da Uber. Só que, na Knok, a aplicação dá a possibilidade de escolher o médico. “Isto permite recorrência e temos essa experiência. Quando os clientes usam a app mais do que uma vez, chamam o mesmo médico. Isto cria uma proximidade e uma relação de médico de comunidade que tem impacto local. O doente chama sempre o mesmo médico, o seu ‘médico da família’.”