A dívida pública total nominal de Portugal nunca parou de subir (embora tenha reduzido o seu peso no PIB - Produto Interno Bruto de forma mais vincada entre 2017 e 2019), mesmo com a forte consolidação orçamental dos últimos dez anos, mas a fatura dos juros desceu de forma considerável, um movimento de poupança do lado da despesa que é sobretudo explicado pela ação do Banco Central Europeu (BCE) no mercado das taxas de juro.
E, segundo novas informações do BCE e cálculos do Dinheiro Vivo (DV), parece que há uma boa margem para empurrar as taxas portuguesas ainda mais para baixo (as taxas a dez anos rondam agora os 0,2%, mas já foram negativas) porque Frankfurt não esgotou o limite de compras de dívida.
Por exemplo, no PSPP (programa de compra de dívida pública), até junho último, o BCE comprou menos 21% face ao limite máximo legal imposto pela chave de capital do país no sistema de bancos centrais do euro. Estamos a falar de menos 12,5 mil milhões de euros em absorção de dívida, um valor muito significativo.
É a diferença entre poder ter comprado o equivalente a 2,34% (o peso oficial de Portugal no sistema europeu de bancos centrais do euro) e 1,85%, o equivalente ao valor das compras efetivamente feitas até final de junho.
Idem no caso do outro grande programa que está em curso, o PEPP (programa de emergência para comprar dívida em resposta à pandemia). Também aqui, o BCE está a ir mais devagar nas compras de títulos portugueses. Em maio, estava 5% abaixo do par, o que se traduz numa folga de 1,2 mil milhões de euros. Compras que não foram feitas, mas podem vir a ser.
Uma vez mais, a chave de repartição do capital do Eurossistema dá 2,34% a Portugal, mas até maio o volume de compras estava abaixo disso, em cerca de 2,23%. segundo cálculos do DV.
Segundo o BCE, "a tabela de repartição do capital relativa ao Eurossistema é utilizada, por exemplo, como orientação nas aquisições efetuadas ao abrigo dos programas de compra de ativos, pois inclui apenas os bancos centrais nacionais dos países da zona euro".
As taxas de juro de referência de Portugal e dos outros países do euro estão em mínimos ou muito perto disso, reflexo de várias medidas, mas sobretudo dos dois grandes programas de compra de ativos que continuam no terreno -- o APP, o programa de quantitative easing do BCE.
Aqui inclui-se o PSPP, e o PEPP, o referido programa de compras de dívidas para responder à pandemia, que produzem de forma não convencional o efeito da descida dos juros pois assumem a forma de injeções massivas de dinheiro a custo quase zero nos bancos por via de compras de Obrigações do Tesouro por estes detidas.
No entanto, com os juros colados a zero e com tantas obrigações já absorvidas pelo Eurossistema (e por tempo ainda incerto), começa a surgir o receio e o incómodo de que a política monetária do euro possa estar "esgotada", como já aventou o próprio ministro das Finanças, João Leão.
Assim, o BCE estaria encostado às cordas: já não pode descer mais as taxas de juro e há resistências internas sérias (e nem sequer são de agora) em enveredar por mais estímulos em forma de programas de compras, mais quantitative easing (QE).
Na prática, o BCE compra Obrigações do Tesouro (OT) aos bancos no mercado secundário e fica com essa dívida no balanço. Os programas têm um prazo indicativo para acabar, mas Lagarde tem reiterado muitas vezes vão estar ativos enquanto for necessário. Ou seja, na prática, o fim do QE está em aberto, algo que é muito mal visto pelos alemães, holandeses, belgas e bancos centrais dos países do Báltico, por exemplo.
E esta semana, Christine Lagarde, a presidente do BCE, voltou a animar os mercados, ao afirmar que os bancos centrais do euro vão acelerar nas compras ao abrigo do programa de compras contra a pandemia (PEPP).
"Um resultado que se deve à credibilidade do País e à política monetária"
O Ministério das Finanças não reconhece diretamente que tem uma benesse grande vinda do BCE, mas lá diz (no Programa de Estabilidade) que "a economia portuguesa tem beneficiado de condições de financiamento extremamente favoráveis, um resultado que beneficia empresas e famílias, assim como protege a estabilidade do sistema financeiro".
"Nesse âmbito, já este ano [em janeiro de 2021], Portugal conseguiu pela primeira vez na sua história emitir dívida a 10 anos [cerca de 500 milhões de euros] com juros negativos", o que sucedeu pela primeira vez na História do País.
O ministério de João Leão aceita que se trata de "um resultado que se deve em grande medida à credibilidade externa ganha pelo País nos últimos anos e à resposta da política monetária levada a cabo no seguimento da crise pandémica".
Como referido, o fardo da dívida nominal (medida em euros) cessou realmente de subir (desde 1995, apenas caiu um ano, em 1997). Mas desde 2015 que realidade dos juros deixou de ser essa e de refletir o endividamento extremo do Estado.
Os juros vão cair este ano, aliviando o défice elevado, e o Orçamento do Estado de 2022, vai contar com essa ajuda outra vez pois o BCE vai continuar com os programas de compras até ao final de março do ano que vem, pelo menos. Mesmo que estes terminem o BCE manterá as OT no balanço por mais alguns anos, na chamada fase de reinvestimento.
Leão observa que o OE2022 vai continuar a ser bafejado por essas condições vantajosas. Nas perspetivas orçamentais de 2021 a 2025, o governo assume que "os juros continuam a apresentar quebras muito significativas, associadas à baixa contínua das taxas de juro que mais que compensam o aumento do stock da dívida". E que vai acontecer "uma queda acentuada em 2024, reflexo amortizações de dívida antiga em que as taxas de juro são substancialmente elevadas".
Segundo a Comissão Europeia, em 2020, apesar do aumento brutal na dívida pública de Portugal, a despesa com juros emagreceu 500 milhões de euros, fixando-se em 5,8 mil milhões de euros (em contas nacionais) no final do ano passado. Este ano, a dívida sobe outra vez, mas a fatura dos juros diminui mais 200 milhões. Em 2022, o feito repete-se: a dívida agrava-se, mas os juros vão em sentido contrário: menos 200 milhões, diz Bruxelas.