Leilão de dívida "mostra que não há preocupação especial com país"

Portugal pagou mais caro para se financiar em 995 milhões de euros a 10 anos. Os analistas descartam impacto na indigitação de Costa e salientam "apoio" do BCE
Publicado a

Portugal voltou hoje ao mercado primário de dívida para fazer um leilão a 10 anos. Na primeira operação de financiamento na era António Costa, o país viu os custos aumentarem face ao leilão anterior para emitir 995 milhões de euros. O objetivo passava por captar entre 750 a mil milhões de euros.

Contas feitas, a taxa de juro exigida pelos investidora pelas Obrigações de Tesouro (OT) fixou-se nos 2,4284%, acima do custo de financiamento pago no último leilão semelhante, de 2,3975%, e a procura superou a oferta em 1,91 vezes.

Ricardo Marques, trader da IMF:

"Considero que foi um bom leilão, de uma forma geral, com a taxa de colocação em cima do que se pratica no secundário. O facto de termos colocado 995 ME em vez de 1.000 ME não é expressivo.

Beneficiou das actuais condições de mercado. Hoje temos a taxa do 'bund' alemão mais baixa e isso também ajuda. O spread é de 195 pontos face à Alemanha.

Mostra que não há uma preocupação especial com a situação do país. É certo que temos já um primeiro-ministro indigitado, mas com elementos de esquerda, o que até podia levantar preocupações, mas este resultado mostra que o mercado não está a olhar para isso".

Steven Santos, gestor do BiG:

Os resultados animadores do leilão revelam que Portugal preserva a confiança dos investidores internacionais, apesar de a turbulência política e de o novo governo de esquerda, que abrange partidos com posições eurocépticas, terem contribuído para o ligeiro agravamento dos juros exigidos. Este leilão ocorreu com as Obrigações do Tesouro a negociar no mercado secundário em níveis ligeiramente superiores aos da emissão comparável de Outubro, devido à instabilidade política vivida nas últimas semanas.

O timing desta emissão foi oportuno, por ter ocorrido antes do feriado de Thanksgiving nos Estados Unidos, dia em que as bolsas de acções e de mercadorias agrícolas irão estar fechadas, e por ter havido apenas concorrência da Itália na periferia, que colocou títulos a dois anos com juros ainda mais negativos do que na emissão anterior (-0,095% vs. Prev. -0,023%) e que são um novo recorde.

Além disso, uma agência noticiosa avançou esta manhã que vários membros do BCE consideram opções como comprar mais títulos de dívida ou impor penalizações aos bancos que tenham depósitos junto do banco central. A perspectiva de haver novas medidas de estímulo na reunião do BCE agendada para a próxima semana impulsionou os índices accionistas e as obrigações europeias, comprimindo as yields no mercado secundário, o que facilitou o leilão de Obrigações do Tesouro.

O IGCP conseguiu captar mais financiamento antes da provável subida das taxas de juro nos Estados Unidos, que, embora possa estar largamente descontada, poderá gerar alguma volatilidade nos mercados de dívida e diminuir o interesse dos investidores em novas emissões. Neste momento, os futuros da Fed funds rate descontam uma probabilidade de 74% para uma subida de 0,25% da taxa de juro na reunião de 16 de Dezembro”.

Pedro Ricardo Santos, gestor da XTB Portugal:

“Mais uma emissão de sucesso do IGCP. Apesar da subida ligeira na taxa de juro, a compensação dos investidores é ainda bastante baixa. São 995 milhões a 10 anos, um dos mais importantes prazos nas emissões de Portugal, já que permite aferir o risco da dívida soberana num dos prazos de referência de longo prazo.

Continua a ser evidente o patrocínio do BCE na manutenção das yields em níveis historicamente baixos. Ainda assim, a subida de três pontos base é explicada pelos receios dos investidores, relativamente ao novo governo escolhido pela Assembleia República. O executivo liderado pelo Partido Socialista, com apoio do Bloco de Esquerda e Partido Comunista, é frágil no que diz respeito a metas orçamentais impostas por Bruxelas. Se o anterior governo granjeou a simpatia dos mercados, com o esforço no controle das contas públicas, este novo executivo terá a árdua tarefa de ceder às exigências que os acordos impuseram, sem comprometer o défice”.

Orlando Green, estratega de dívida do Crédit Agricole:

"Esta emissão foi bem recebida. O apoio do Banco Central Europeu aos 'Bonds' portugueses está a sobrepôr-se à situação política no país e mesmo a qualquer receio de 'ruído' (político) no futuro.

Isto acontece apesar da nomeação de um Governo de esquerda, no qual a extrema-esquerda vai ter uma palavra a dizer. Mas, o mercado não está muito preocupado com isso e o leilão pode ser visto como um alívio.

Nós estamos positivos sobre Portugal a médio prazo e satisfeitos em ter dívida portuguesa.

Diário de Notícias
www.dn.pt