O presidente da Liberty Seguros em Portugal revelou que a companhia quer apostar no ramo vida sobretudo com produtos de poupança de longo prazo, estando a estudar uma parceria. Em entrevista ao Dinheiro Vivo, José de Sousa, fez ainda um balanço da actividade da companhia e revelou quais os objetivos para os próximos anos.
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Como correu o ano de 2013 para a Liberty
Seguros Portugal?O ano de 2013 foi o quinto ano após a
crise financeira. A pesar de tudo, não foi tão bom como 2011 ou
2012 mas acabamos por ter um comportamento positivo, embora muito
inferior aquele que estávamos habituados. Crescemos mais ou menos
dois pontos acima do mercado, o que significa que tendo o mercado
decrescido cinco pontos percentuais, crescemos sete pontos
percentuais acima do mercado. Em termos de lucro ainda não posso
divulgar números porque ainda não tivemos a assembleia geral.
Mas em relação ao ano anterior qual
foi o comportamento?Ligeiramente inferior o lucro. E isto
essencialmente pelo impacto que as tempestades começam a ter nos
resultados das seguradoras. São já vários os anos consecutivos.
Isto começou em 2010 com as desgraças na Madeira e desde aí tem
sido pontualmente em partes do território como em Torres Vedras, em
2011, etc. O fenómeno das alterações climáticas tem tido um
impacto um pouco por todo o território.
E foram sobretudo as intempéries a
contribuir para os maus resultados?As intempéries têm sido um factor de
impacto muito forte de resultado negativo.
Apesar de terem decrescido ainda
subiram face ao mercado. O que vos distinguiu dos concorrentes?Em primeiro lugar não praticamos uma
política de preços que considero quase suicida em alguns ramos,
como o automóvel e acidentes de trabalho que se têm vindo a
degradar fortemente. Os acidentes de trabalho, desde 2006, e o
automóvel desde 2008 e 2009, começaram a degradar-se fortemente em
termos técnicos. Isso é a prova que não é preciso baixar preços
para crescer, é preciso fazer uma boa venda aos clientes e
explicar-lhes as vantagens do nosso produto face à concorrência.
Não há margem para se baixar preços?Não há, e isso vai ver à medida que
as companhias forem publicando os seus resultados. Vai ver que há
companhias que tiveram resultados fortemente negativos em 2012 e que
vão repetir a dose em 2013. Ou seja, players significativos no
mercado que estão a ter resultados negativos muito fortes. E se
formos ver as companhias que têm carteiras de vida importantes têm
tido oscilações. Quando a parte de vida funciona bem elas têm, no
global, um bom resultado, mas se for ver nessas as carteiras não
vida há uma deterioração dos resultados. Até nós próprios,
que temos uma carteira essencialmente de não vida, temos assistido a
uma deterioração dos resultados devido a esta concorrência pouco
sã.
Qual a solução?Soluções há muitas. Em primeiro
lugar acho que os acionistas das seguradoras que estão a perder
dinheiro devem pedir aos administradores e directores que têm na
companhia para fazer uma revisão da estratégia da companhia. Posso
dizer-lhe que os meus acionistas nunca tolerariam que nós tivéssemos
dois anos consecutivos de prejuízos como algumas companhias do
mercado estão a ter sem que houvesse consequências imediatas. E a
primeira era cortarem-me a cabeça, isso não tenho a menor dúvida.
As companhias têm de olhar para dentro de portas e ver porque é que
estão a perder dinheiro e porque é que os preços que estão a
praticar são inadequados aos riscos que estão a aceitar. Em segundo
lugar tem de haver no mercado uma política muito mais assertiva em
termos de combate à fraude que está a ser terrível e a ter
consequências nefastas para a totalidade do sector. Nós somos dos
mais activos do mercado a combater a fraude mas há um grande caminho
a percorrer.
Em que áreas é que isso se manifesta?Isso manifesta-se, essencialmente, no
automóvel com simulações e falsificações de acidentes,
falsificações a nível das oficinas. Houver até recentemente
condenações num mega processo ali em Guimarães por fraudes e
tentativas de fraudes. Depois nota-se também no ramo lar. Como
consequência das tempestades há muitas pessoas que declaram na
cobertura de danos elétricos que houve aparelhos electrodomésticos
e computadores que queimaram. Depois quando vamos fazer a inspecção
dos mesmos vemos que foi danificado pelo próprio. Depois há
situações de roubos. Há ramos que, com a crise, acabam por ter um
maior impacto.
Quanto é que isso representa em termos
globais?Em termos globais no mercado não sei
porque não sei o que as outras companhias estão a fazer, nem tem
conhecimento detalhado das carteiras. Posso dizer-lhe que nós aqui,
na nossa seguradora, conseguimos poupar com a deteção de
tentativas de fraude entre quatro e cinco milhões de euros.
O que a seguradora tem feito?O que a seguradora tem feito é a
colaboração com as polícias, implementação de softwares de
gestão cada vez mais sofisticados para detectar padrões de
comportamento anormais nos sinistros. Estar atento e fazer um uso
efectivo dos mecanismos que a tecnologia hoje põe à disposição.
Disse que o acionista não iria tolerar
uma situação de dois anos consecutivos de prejuízos. Sente que tem
uma pressão maior?Eu não falaria em pressão. Aquilo que
talvez não exista nos outros é uma exigência. O grau de exigência
é maior numa empresa multinacional, sem dúvidas. Os acionistas são
muito tolerantes e dão-nos uma enorme margem de manobra para
gerirmos a companhia localmente sem grande interferência. Mas
obviamente que esperam resultados. Eles são muito generosos. Se nós
respeitarmos os níveis de remuneração do capital que põe à
disposição da companhia para operar no mercado depois permitem-nos
usar os excedentes para, por exemplo, dar um bónus à companhia. Por
exemplo nós somos uma companhia em que os 485 funcionários da casa
têm direito a um bónus por mérito em função do cumprimento por
objectivos. Acredito que somos a única no mercado que tem um sistema
de 'performance management' que remunera toda a companhia.
Permitem-nos, por exemplo, ser generosos com a sociedade e ter uma
política de responsabilidade social vocacionada para a sociedade e
para ajuda aos mais desfavorecidos.
Quais os principais canais de
distribuição?Nós temos um único canal de
distribuição que são os nossos agentes. Há parceiros que têm a
nossa imagem, mas não são exclusivos. E há parceiros que até têm
imagem de outras companhias mas que também trabalham connosco.
Estamos a falar de quantos agentes?Nós trabalhamos com uns 2000 agentes
em todo o território nacional incluindo as regiões autónomas. E
depois temos 40 escritórios próprios repartidos de uma forma
bastante razoável ao longo de todo o território. Falta-nos, talvez,
um bocadinho de presença maior no interior do país que foi uma
região, que tem perdido muito actividade económica e população.
Mas queríamos apostar, no sentido de que poderá haver um retomar
desse desenvolvimento regional e gostaríamos de estar presentes.
Preveem abrir escritórios?Gostaria de alargar o número de
escritórios que temos a cidades do interior como Portalegre, Beja,
etc.
Estão previstas aberturas já para
2014?Não. A partir de 2015 iremos retomar o
nosso plano de redesenho da rede.
O objetivo é ficarem com quantos
escritórios?Eu acho que uma cobertura óptima do
território nacional, incluindo as regiões autónomas, anda à roda
dos 50 escritórios próprios. Depois temos os escritórios dos
nossos parceiros que nos complementam perfeitamente.
Isto vai implicar a contratação de
mais pessoas?Necessariamente. Até porque temos
estado a crescer e, para este ano, esperamos fechar com umas 500
pessoas, em números redondos.
Vão contratar mais?Mais umas 15 pessoais.
Qual a estratégia da Liberty Seguros
em Portugal?A estratégia tem sido a de vender
exclusivamente através de agentes. Ou quando utilizamos canais
alternativos, ter sempre a certeza que os riscos captados através
desse canal revertem a favor de um dos agentes da nossa rede. Nós
também temos uma presença na internet. E há clientes que podem
comprar na internet mas a partir do momento em que alguém compra um
produto através da internet nós tratamos de o encaminhar para um
dos nossos parceiros. Isto para ele ser servido, na sua área, por um
dos parceiros da rede.
Atualmente têm quantos clientes?600 mil.
Quais são os grandes objetivos para
2014?2014 é um ano ainda muito difícil.
Nós fomos dos grandes patrocinadores do Lisbon Summit da Economist,
obviamente estamos em ano de eleições. Eles não estão preocupados
com as europeias mas iremos ver que em 2015 vai haver uma preocupação
maior para só passar mensagens positivas. Ainda recentemente estive a
ver um estudo publicado sobre o rendimento das famílias e o facto é
que o empobrecimento deste país, nos últimos dois anos, é algo
absolutamente estratosférico. O número de famílias com rendimento
inferior a 10 mil euros por ano passou de 2,2 milhões para três
milhões e tal mil. Ou seja, houve um milhão de famílias que caiu
naquilo que se define como o limiar da pobreza. Por muito que os
números macroeconómicos do país, e alguns indicadores, sejam
realmente positivos, o facto é que até isso chegar ao bolso das
famílias portuguesas e dos consumidores vai demorar muito tempo.
2014 vai continuar a não ser um bom ano para o sector segurador, na
vertente não vida. Normalmente fala-se muito no sector segurador
como um todo e aquilo que temos vindo a assistir é que o sector vida
tem um comportamento completamente diferente do não vida.
É mais estável?Não diria mais estável mas é um
sector que depende muito também das próprias expectativas. Aquilo
que as pessoas estão a ver é que os rendimentos da Segurança
Social estão a diminuir, a tendência é para diminuírem ainda mais.
Ou as pessoas começam a poupar um bocadinho, querendo ou não, tendo
ou não, ou então dentro de 30 ou 40 anos vão estar mesmo na
pobreza. Temos que ter a convicção absoluta que os jovens hoje se
não começarem a poupar um pouquinho por sua conta e risco
dificilmente vão conseguir manter o nível de vida que os da minha
geração, e eu já sou da última geração que ainda vai ter um
nível de vida razoável assente neste pacto geracional em que vocês
estão a trabalhar para eu receber uma reforma. Isso vai acabar.
Estamos no limiar. Nos próximos 20 a 30 anos esse modelo tem de
acabar. E quem é apanhado nesta bolha vai ter uma vida muito
difícil. Já o ramo vida e o ramo saúde um pouco por força daquilo
que está a acontecer com o serviço nacional de saúde são dois
sectores que têm tido um crescimento grande.
E deverá manter-se em 2014?Sim.
Já o não vida...O não vida depende de 100% daquilo que
acontece na economia.
Com isto espera chegar ao final de 2014
com resultados positivos?Eu fico contente se este ano tiver um
crescimento positivo. Próximo do zero já seria bom.
Quais têm sido as áreas que têm
permitido aguentar os resultados?Nós somos um companhia essencialmente
de não vida. E dentro do não vida 85% da nossa carteira está entre
o automóvel e acidentes de trabalho, ou seja, os ramos obrigatórios.
Ambos têm resultados positivos porque não temos entrado nesta luta
insana de prémios. Temos procurado manter o nosso nível de pricing
adequado ao risco que aceitamos. Isso não quer dizer que o preço
médio na nossa carteira de 2013 não seja muito inferior, é quase
metade do que tínhamos em 2013.
Qual era o valor?Quando nos chegamos a Portugal, o preço
médio da carteira de responsabilidade civil automóvel andava à
roda dos 310/320 euros. Hoje em dia deve andar à roda dos 180/190
euros.
Os 85% estão nestes dois ramos. E o
restante?O restante é lar, associado a crédito
bancário. Nós temos várias parcerias com bancos da nossa praça.
Quais é que são os bancos?O Santander é o grosso.
Nunca houve da vossa parte uma vontade
de crescer noutros ramos, como o vida. Têm essa ambição?Temos essa ambição. Nós em vida
temos mais vocação para o vida risco. Essa é nossa grande vocação.
E estamos a trabalhar para fazer crescer essa carteira. Mas os
clientes estão a olhar com muito interesse para produtos de longo
prazo: PPR e capitalização. E nós não somos a fábrica adequada
para fazer esse tipo de produtos. Ainda recentemente estive a falar
com uma organização externa do mercado com quem eventualmente
poderemos fazer uma parceria para o fabrico desse tipo de produtos.
Que organização é?Não posso dizer.
Para já pode passar o crescimento por
parcerias. Adquirir alguma pequena seguradora, não está nos planos?Isso não vale a pena porque é
preferível muitas vezes entrar em parcerias com quem já tem o know
how do que tratar de comprar e depois haver dentro de portas
ineficiências, e não termos o mindset. Nós na saúde temos uma
parceria com a Médis. O produto Liberty Saúde é uma marca branca
que nós vendemos através da nossa rede em parceria com a Médis. É
um pouco o que queremos fazer naquelas áreas que não são o 'core'
e em que não temos as competências de gestão. Nesses casos é
importante fazermos esse tipo de parcerias.
Atualmente qual é a quota de mercado
da Liberty?Andará nos 4%. Mas varia muito dos
ramos.
Têm objetivo de conquistar mais quota
de mercado?Nós queremos crescer organicamente e
acreditamos que isso é perfeitamente possível. Queremos conseguir
isso através da nossa fidelidade estrita ao canal de agentes, fazer
os nossos parceiros cada vez mais eficientes.
Como olha para a recente entrada dos chineses da Fosun que entra e vai liderar o mercado?Eu acredito que para todo o mercado é
uma enorme expectativa ver o que vai sair daí. Eu tenho uma
experiência muito curiosa com os chineses porque neste últimos dois
anos tenho ido incorporar uma viagem que o ISEG organiza em conjunto
com a ordem dos economistas. Tenho ido nessas viagens de estudo à
China porque é um país que me fascina. No ano passado uma das
companhias que fomos visitar foi a China Three Gorges, os acionistas
da EDP. Um dos que participou na comitiva perguntou ao comité que
nos recebeu como viam Portugal e as dificuldades do país. Não me
lembro das palavras exatas que deu mas basicamente a ideia foi o
seguinte: os chineses quando compram é sem horizonte. É um
investidor de longuíssimo prazo, e para eles o longo prazo são
centenas de anos. Não são próximos anos. E ele disse uma coisa:
nós metemos 2100 milhões na EDP e acabamos de receber 147 milhões
de euros de dividendos líquidos. Isso dá uma taxa líquida de
retorno sobre o investimento de 5,47%, você diga-me onde é que
neste contexto se consegue obter 5,47% líquidos e nós vamos a
correr lá meter dinheiro porque temos muito para investir. Os
chineses têm uma maneira de pensar completamente diferente. Não
pensam no curto prazo. Para eles isto é uma migalha no oceano e eu
acredito que compraram para aprender. Têm uma filosofia budista de
olhar para os negócios, ou seja, uma paciência infinita e todo o
tempo do mundo, não estão a pensar nos resultados do próximo
trimestre. E portanto o que vão fazer é aproveitar os excelente
profissionais que estão na Fidelidade, na Cares e Multicare para
aprender com eles. Vão proporcionar a esses profissionais
possibilidades de internacionalização, vão usar possivelmente essa
plataforma e daqui pegam na Fidelidade e vão para Angola, até onde
já estão, e procurar expandir. Não vai faltar à Fidelidade muito
dinheiro, muito capital para investir num projecto de
internacionalização que faça sentido. Eu acredito que estejam
menos preocupados com o mercado português porque neste momento está
a passar por aquilo que todos sabemos. O não vida, que também é
uma parte importante do negócio da Fidelidade, está a sofrer.
Aliás, a Fidelidade ao longo destes últimos 10 a 15 anos, como a
maioria das companhias foi perdendo quota de mercado porque não há
negócio novo. Se for ver em 2003 e 2013 o volume de prémios era
exatamente o mesmo no não vida. Foi uma década completamente
perdida em termos de crescimento e onde não há crescimento não há
milagres. Entraram novos players em Portugal e os que estavam
instalados foram perdendo quota de mercado. Com estas mudanças houve
uma redistribuição de carteiras mas não houve um crescimento real
no mercado português no não vida nos últimos 10 anos.
Mas com a entrada deste player não o
assusta em termos de concorrência?Eu acredito que quem investe 1100
milhões de euros espera minimamente um retorno. Se estivéssemos
como há 10 anos onde havia umas margens brutais no automóvel, nos
acidentes de trabalho eu acredito que pudesse haver um acirrar muito
forte da concorrência por preço. Agora no momento em que estamos é
impossível. Não é possível a alguém quando os preços médios no
automóvel andam nos 140/160 euros, chegar e passar a vender a 80. Ia
entrar directamente no vermelho, nos prejuízos. E eles apesar de
terem agora uma imagem vermelha com certeza continuam a ter um coração
azul, vão continuar a querer ganhar dinheiro no futuro.
A austeridade não pode condicionar a
poupança e o crescimento das seguradoras nesta ramo?Pode. Mas há um fenómeno que nos está
a escapar a todos. É a chamada economia subterrânea. Há muita boa
gente que está de alguma forma a sobreviver graças a esquemas que
passam à margem da economia formal. Acabamos por ver que o consumo
no Natal em 2013 foi superior ao de 2012. Quem é que explica isso?
Há um adiar de consumo?Há uma adiar de consumo. As pessoas
tiveram a poupar ao longo de três anos e estão neste momento a
tirar esse dinheiro do colchão cá para fora. Isto não significa
que não haja gente a passar mal mas também há muitas famílias que
estiveram com medo de perder emprego, e que retiveram dinheiro.
É para é para estas famílias que a
Liberty considera haver oportunidades para os produtos de poupança
de longo prazo?Exatamente.
Há quanto tempo está na Liberty?Vão ser 11 anos em maio.
Quais têm sido os principais desafios?Manter a equipa coesa, sobretudo nos
momentos de grande intranquilidade. Dar permanentemente uma mensagem
de optimismo realista e de visão de futuro. Eu sozinho não consigo
fazer nada. Se não tiver 485 abelhinhas a ajudar a depositar um
pouquinho de pólen nas flores é praticamente impossível fazer o
que quer que seja. Não há génios.