Líder da bolsa de Lisboa quer novo governo a “dinamizar” mercado de capitais

CEO da Euronext Lisbon sugere políticas públicas, como a isenção do imposto sobre mais-valias para investidores e uma benesse no IRC para as empresas que entram na bolsa. Aponta Itália como exemplo a seguir.
Isabel Ucha, presidente executiva da Euronext Lisbon. Foto: Rita Chantre / Global Imagens
Isabel Ucha, presidente executiva da Euronext Lisbon. Foto: Rita Chantre / Global ImagensRita Chantre / Global Imagens
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A presidente executiva da Euronext Lisbon, empresa que gere a bolsa de valores nacional, afirmou na quinta-feira que “era útil que o próximo governo tomasse algumas iniciativas” para “dinamizar” o mercado de capitais português, dando como exemplo medidas que já são aplicadas em Itália.

Isabel Ucha apelou à criação de incentivos fiscais que passam, por um lado, não só por isentar investidores e carteiras de investimento do pagamento de imposto sobre mais-valias numa transação de mercado, como também isentá-los do pagamento de imposto sobre dividendos. Por outro lado, sugeriu que os custos que uma empresa tem com uma IPO (sigla anglo-saxónica que alude ao processo de entrada em bolsa) possam ser abatidos em sede de IRC.

“Isto é só um exemplo de medidas aplicadas há vários anos em Itália, independentemente de o governo ser de esquerda ou de direita”, afirmou a responsável num encontro com jornalistas que serviu para fazer um balanço do desempenho da bolsa de valores nacional no último ano e desvendar objetivos para 2024.

“Itália é um dos melhores exemplos que temos de uma política pública de apoio ao mercado, que tem tido resultados muito positivos no crescimento das empresas, sobretudo no segmento das empresas mais pequenas”, acrescentou.

Isabel Ucha, todavia, disse que Portugal já tem algum trabalho feito, lembrando o relatório que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) entregou ao Governo em 2020 e que “identificou questões” para dinamizar o mercado de capitais.

“Houve já um conjunto de alterações ao Código de Valores Mobiliários, no final de 2021; a CMVM [Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, que supervisiona a bolsa] simplificou alguns processos de admissão de prospetos, de obrigações e de ações”, enumerou, mencionando ainda a criação do programa Elite, promovido pela Euronext e que acelera o acesso ao capital privado e público, que era sugerido pelo referido relatório da OCDE, e a polémica alteração feita ao regime jurídico das Sociedades de Investimentos e Gestão Imobiliária [SIGI].

“Não é que não se tenha feito nada”, prosseguiu a gestora. Mas, para Isabel Ucha, deve existir uma “abordagem mais abrangente e mais estruturada aos apoios que o Estado pode dar para a dinamização do mercado de capitais”.

“A política pública em matéria de mercado é uma componente importante e tem tido bons resultados noutros países. Portugal tem sido penalizado nesta matéria por diabolizar alguns temas. O tema capital, mercado, finanças, bancos, lucros, são conceitos que têm sido muito diabolizados, erradamente, e que são fundamentais para o crescimento da economia”, argumentou a responsável, defendendo que “o mercado pode ter um papel bastante importante” no crescimento da economia e das empresas.

“As empresas que usam o mercado intensamente conseguem crescer mais e mais depressa”, garantiu.

O caso da Greenvolt

O mercado de capitais não é a única fonte de financiamento possível para as empresas, mas Isabel Ucha sublinhou como o “mercado funcionou”, por exemplo, para a Greenvolt. “A empresa valorizou-se substancialmente, levantou 600 milhões de euros de financiamento em dois anos, enquanto esteve cotada, dos quais 250 milhões de capital e 350 milhões de dívida, de obrigações verdes”, afirmou.

A Greenvolt é a antiga Bioelétrica da Foz, do grupo Altri. Entrou no PSI, o principal índice bolsista nacional, em setembro de 2021, mas deverá sair da praça portuguesa na sequência do negócio com o fundo norte-americano KKR, que pretende adquirir a energética liderada por João Manso Neto.

A oferta de compra da Greenvolt foi lançada em 21 de dezembro do ano passado pelo fundo de investimento em infraestruturas Gamma Lux, com sede no Luxemburgo e gerido pela KKR, tendo, entretanto, sido constituída, já este ano, a sociedade GVK Omega, com sede em Lisboa, para realizar a operação. Em 19 de janeiro, o conselho de administração da Greenvolt considerou “justo” o valor oferecido pela KKR (8,3 euros por ação), uma vez que "representa um prémio de 95,3% face ao preço de subscrição das ações no âmbito da abertura de capital e de 47,7% face ao preço de subscrição das ações no âmbito do aumento de capital 2022”.

A presidente da Euronext Lisbon lamentou a possibilidade de a Greenvolt sair da bolsa, mas esclareceu que “as entradas e as saídas fazem parte da vida normal dos mercados”.

Em sentido inverso, Isabel Ucha deu o exemplo da Luz Saúde, que “saiu e agora parece que tem intenções de voltar”, comentando que a empresa "tem dimensão" para entrar no PSI. Contudo, não confirmou se haverá alguma entrada em bolsa no ano de 2024. “Não posso dizer que a janela está aberta neste momento, mas está entreaberta”, disse.

14% das negociações em bolsa envolve investidores particulares. Ucha pede mais literacia

Ainda no encontro com jornalistas, a gestora considerou 2023 um ano “complexo”. O volume médio diário de negociação de ações na Euronext Lisbon caiu 10% face a 2022, para 123 milhões de euros, sendo que 14% das transações envolveram investidores do retalho, ou seja, particulares. Aliás, este peso foi superior ao de outros mercados Euronext, como Amesterdão (5%), Bruxelas (3%), Paris (3%) e Oslo (9%).

A CEO da Euronext Lisbon sublinhou que muito do aumento da quota de investidores retalhistas se deve ao interesse dos jovens pelo mercado de capitais.

“Noto que os jovens têm hoje mais informação, são mais ativos e têm mais apetência", indicou, alertando que há, simultaneamente a esse interesse, "uma falta de formação financeira de base que é preocupante”.

“É evidente que os mercados têm uma componente de volatilidade que pode atrair os investidores e, obviamente que nós não temos nada contra essa abordagem, queremos é que seja consciente, que os jovens não invistam no mercado a pensar que vão ficar ricos de um dia para o outro, porque todos nós sabemos que não é isso que se passa na vida real”, sublinhou.

A responsável acredita que a maioria dos jovens “não teve formação financeira no ensino secundário”, mas que seria "fundamental" um jovem de 18 anos de idade "saber o que é uma ação, o que é uma obrigação e instrumentos básicos de investimento, além de ter de perceber como é que gere um crédito bancário, se quiser comprar uma casa”. Acresce  a necessidade também de saber como funciona uma taxa de juro, tudo "conceitos que não são efetivamente trabalhados, infelizmente, nas escolas”.

Para 2024, a Isabel Ucha anunciou o lançamento de opções sobre ações portuguesas, a criação de uma plataforma de trading e o lançamento de índices de obrigações de governo.

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