"Life’s too short to learn German. Imagina escrever headlines"

Jorge Meneses é copy freelancer. Esteve em meio mundo das agências em Portugal. Agora está em Berlim. É um criativo no mundo.
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Já trocou ideias por sapatos. Caros, diz com humor. Mas Jorge Meneses, copy freelancer residente em Berlim gosta da ideia da economia de partilha. De uma troca que permite contactar com outras mentes ou projetos interessantes.

Este criativo no mundo usa tudo para comunicar, até o paladar. Com Spice Invader, o seu alter ego culinário, leva os sabores de Goa (de onde os seus pais são originais) onde for preciso comida. Faz almoços em escritórios, supper clubs, vernissages. "É muito interessante perceber como se pode chegar às pessoas, como se comunica, através do paladar", diz o copy.

Começou a vida profissional num estágio no BES, mas em 1994 foi para o Brasil estagiar na agência de publicidade Exclam! Comunicação em Curitiba. E não mais parou. BBDO Portugal, Publicis, JWT, W/Portugal, Mais Mercado, McCann ou Fischer Portugal são algumas das agências para as quais desenvolveu trabalho para marcas como Vodafone, PT, Sagres, CRR, Peugeout, Galp, Santa Casa da Misericórdia. Desde 2011 largou amarras. É freelancer.

Eu estou em Berlim. E Berlim não é a Alemanha. É uma cidade em constante mutação e que não obedece às mesmas regras de funcionamento do resto do país. O contacto com outros portugueses é tão normal quanto aleatório. Já me cruzei com alguns em cursos de línguas, mas na verdade com quem comunico mais é com os meus amigos, que já conhecia antes de vir para cá. E também acontece o contrário: reencontrei-me com amigos alemães com quem me cruzei há uns anos em Lisboa. Mas sendo Berlim uma cidade hiper cosmopolita, sei que sim, que muitas vezes as pessoas movem-se em comunidades linguísticas. Especialmente os espanhóis e os italianos, diria.

Apesar de muitos berlinenses anunciarem o fim da criatividade tal como ela se manifestou entre os anos 90 e a primeira década de 2000 (diz-se que o novo polo é Bruxelas), sente-se, vê-se criatividade em todo o lado. Nos postes, nas paredes, na iluminação e montras das lojas e galerias, nas estruturas urbanas, em parques, em todo o lado. Com tinta, autocolantes, lã, colagens, copos de plástico, beatas, plantas... É só alguém lembrar-se de. Ainda ontem li que desde janeiro há um artista a instalar quartos nos túneis do Metro. Só agora é que veio a público porque cada vez que desmontam o quarto, aparece outro noutro túnel.

Outra variável importante é o número de pessoas que habita a cidade. São perto de 4 milhões (e na sua maioria entre os 20 e os 40 anos). Por isso há lugar para tudo. Porque há público. E diversidade. Por exemplo, aqui há uma sala de cinema, do género do extinto King, que ao sábado à meia-noite projeta filmes mudos com uma organista a fazer a banda sonora ao vivo. São sessões grátis e a sala está sempre cheia. Porque os berlinenses gostam muito de cinema mudo? Não. Porque há uma percentagem dos 4 milhões que se interessa em número suficiente para que isso exista.

Outro lado mais que aqui é muito explorado são as talks e conferências, onde as pessoas partilham as suas experiências e conhecimento em ambientes informais. E, ao contrário do que estamos habituados em Portugal, aqui as pessoas interagem, querem saber e perguntam coisas, mesmo numa sala super lotada. E de forma pertinente, a acrescentar valor ao que está a ser apresentado, discutido.

Sendo Copy, o principal drama é a língua. Estou aqui há quase três anos e sinto que só lá para o verão é que vou conseguir falar qualquer coisa de jeito. Como dizem algumas t-shirts por aí ‘Life’s too short to learn German.’ Agora imagina escrever headlines...

Pelo que oiço de amigos nas agências, até há falta de copys nativos. E só recentemente é que as agências começaram a vir para Berlim. Hamburgo, Dusseldorf e Frankfurt é onde continuam a estar a maior parte das agências.

Mas felizmente não estou dependente das agências daqui. Neste momento represento um cliente internacional em Portugal ao mesmo tempo que consigo manter uma relação com alguns clientes e agências de Lisboa. Olha, por exemplo, agora no final de março vou a Lisboa receber um briefing na Mindshare, uma agência de media com quem mantenho uma parceria criativa há já alguns anos e que tem a visão de juntar criatividade aos seus planos e estratégias de meios. Simultaneamente trabalho com uma agência em Madrid, em alguns briefings internacionais. E com um amigo que veio de lá agora, estou ainda a começar a desenvolver uma app.

Ainda em comunicação, faço coisas em regime de troca direta e/ou voluntariado. Já troquei ideias por sapatos (caros), consultas de psiquiatria, arte, passes para festivais, passes para conferências, estadia em AirBnb, refeições, caixas de vinho... Gosto muito de trabalhar assim. Conheces pessoas e projetos incríveis e esta forma de troca sem recurso à moeda é fun.

Outra das coisas que vou fazendo por piada é Spice Invader - o meu alter ego culinário que leva sabores de Goa (os meus pais são originalmente de lá) onde for preciso comida. Tenho feito almoços em escritórios, lançamentos de produtos em lojas, jantares em supper clubs e vernissages em galerias. E é muito interessante perceber como se pode chegar às pessoas, como se comunica, através do paladar.

Lembro-me de uma coisa que não é bem uma campanha, mas que gosto bastante, apesar de ter sido inconsequente. Em 2014, no Mundial de Futebol, a Alemanha estava no grupo de Portugal e uns dias antes do jogo, eu e o meu filho, que estava a fazer a coleção da Panini, andamos a colar os cromos dos jogadores portugueses repetidos pelas zonas da cidade onde íamos passando. A intenção era intimidar o adepto alemão que afinal acabou por celebrar um contundente 4-0.

O que é isso, carreira? Eu acho que a maior parte das vezes as pessoas saem do (seu) país porque procuram/encontram uma solução melhor para as suas vidas. Pelo meio pode estar o percurso profissional que pode ter essa designação, mas sobretudo é a procura de um outro modelo de vida.

Acho boa. Especialmente porque muitos desses criativos são meus amigos. Mas acho que não há consequências imediatas a não ser a nível pessoal. Só porque o Cristiano Ronaldo joga muito à bola, não quer dizer que os outros jogadores portugueses o façam. O que pode acontecer é o Cristiano sugerir alguém com quem tenha jogado no passado e que ainda ninguém conhece.

A criatividade não tem nacionalidade.

Bom, só saí de Lisboa há menos de 3 anos. Não tenho planos. Nem de regresso, nem de mudança. Já conheço bem Berlim, mas ainda falta muito para questionar a minha vida por cá.

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