Linha do Norte custa o mesmo que ligação de alta velocidade

Obras em Gaia deixam Porto e Lisboa a três horas de distância. Há mais de três décadas que se discute uma nova versão da principal linha ferroviária.
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Duas horas e 58 minutos. Este é o tempo mínimo para percorrer agora, de comboio, os 336 quilómetros que separam Porto e Lisboa. As novas obras na Linha do Norte, junto a Gaia, agravaram, em oito minutos, a viagem entre as duas maiores cidades portuguesas.

Este percurso vai demorar tanto tempo a fazer como em 1977, mesmo depois de terem sido investidos mais de 1,5 mil milhões de euros nas últimas três décadas na Linha do Norte. Este é o montante do projeto de alta velocidade para ligar Porto e Lisboa em duas horas.

As obras nesta linha arrancaram em 1995, mais de 80% da via foi renovada mas a viagem Porto-Lisboa não acelerou muito nos últimos 40 anos. Há mesmo partes antigas na via, como na zona de Espinho, “em que o comboio treme tanto que nem sequer dá para escrever”, reconhece o gestor de marcas Pedro Albuquerque, utilizador frequente do Alfa Pendular e do Intercidades há vários anos.

“O que se fez com a Linha do Norte foi uma sopa de pedra sem resultados visíveis. Foi como construir a A1 [Autoestrada do Norte] sobre a Estrada Nacional 1”, lamenta Arménio Matias, administrador da CP no final da década de 1980. Arménio Matias recorda-se dos planos do Governo de Cavaco Silva para o futuro da ferrovia em Portugal. Tudo poderia ter sido diferente.

Em fevereiro de 1988, o Conselho de Ministros aprovou o plano de modernização dos caminhos de ferro para aproximar Portugal dos padrões europeus - 58% da rede (2090 em 3600 quilómetros) nunca tinha sido renovada. A Linha do Norte “teria um projeto de modernização moderado, já antecipando a construção de novas rotas”. João de Oliveira Martins era o ministro das Obras Públicas da altura.

Em dezembro desse ano, o segundo Governo cavaquista determinou que as novas linhas ferroviárias a serem construídas “seriam de bitola europeia e com velocidade nominal mínima igual ou superior a 300 km/h”. A CP, que na altura também geria as linhas, tinha estudado uma linha Porto-Lisboa “com tempo máximo de ligação de 1h15 a 1h30”, recorda-se Arménio Matias.

O plano para a alta velocidade acabou por ser metido na gaveta com a saída de Oliveira Martins e a entrada de Joaquim Ferreira do Amaral.

Em 1991, surgiu o estudo para modernizar toda a Linha do Norte: com obras e comboios de basculação ativa, seria possível fazer a viagem Lisboa-Porto em 2h15, com a velocidade máxima de 200 km/h.

No ano seguinte - já a contar com a Expo 98 - a ambição era ligar as duas cidades em duas horas.

Nesta altura, circulavam 200 comboios de passageiros por dia, recorda o especialista Manuel Tão, da universidade do Algarve. O comboio Alfa demorava três horas entre Santa Apolónia e Campanhã, com uma paragem em Devesas (Gaia).

As primeiras obras começaram em 1995 e o comboio começou a abrandar. Em 1998, previa-se que estas obras ficariam concluídas em 2014, segundo as previsões da Refer, que já geria as linhas de comboio.

Quando chegou o primeiro Alfa Pendular, em 1999, Lisboa e Porto ficavam a pelo menos 3h30, com paragens em Lisboa-Oriente, Coimbra-B, Aveiro e Gaia. Este comboio não conseguia chegar aos ambicionados 220 km/h e estava sujeito a constantes mudanças de velocidade.

Em 2003, voltava a falar-se em alta velocidade, com Portugal a acordar quatro linhas com Espanha, uma delas Lisboa-Porto. Na altura, eram necessárias 3h10 para percorrer os 336 quilómetros da Linha do Norte. Em 2004, enquanto se falava de TGV, a meta era ligar Porto e Lisboa em 2h30 e fixar a Gare do Oriente como estação terminal, em vez de Santa Apolónia.

Dois anos depois, e esperando que viesse a surgir uma nova ligação Lisboa-Porto, a Refer reajustou o projeto para a Linha do Norte, reduzindo a velocidade máxima para 160 km/h para os comboios convencionais - material do tipo Alfa Pendular só obteria o máximo rendimento na nova linha.

Só que a alta velocidade acabou por nunca avançar por força da crise internacional e da chegada da troika. O melhor que se conseguiu foi reduzir, para 2h44, a viagem Lisboa-Porto, a partir de 2010. Nos oito anos seguintes, a manutenção das linhas praticamente congelou e o traçado degradou-se a ponto de, em 2018, o tempo de viagem ter aumentado para as 2h50.

A Linha do Norte chegou a 2020 com 730 comboios a circularem por dia e ligação a quase uma dezena de outras linhas ferroviárias nacionais. Nos extremos norte e sul, não cabe nem mais um comboio Porto-Lisboa.

As obras permitiram a eliminação de 263 das 312 passagens de nível existentes, a instalação de modernos sistemas de comunicações, só que os comboios só podem circular a mais de 200 km/h em menos de um terço da linha.

Ao parar no tempo, esta linha também tornou-se imprópria para trabalhar. “Vendem wi-fi que não é captado. Muitas vezes, não é possível sequer fazer chamadas. São três horas de desperdício”, lamenta Pedro Albuquerque.

Para reverter a situação, está prevista a construção de variantes à Linha do Norte ainda nesta década, para que Porto e Lisboa fiquem a duas horas de distância. A mais longo prazo, pretende-se que esta viagem se faça em 1h15. A ambição do atual ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, é inspirada na visão de 1988.

A ligação ferroviária entre Espinho e Gaia vai receber um investimento de 55,3 milhões de euros ao abrigo do programa de investimento Ferrovia 2020, avaliado em mais de 2,1 mil milhões de euros e com o apoio de fundos comunitários.

Além da renovação deste troço, considerado um dos mais degradados da rede ferroviária, a IP vai eliminar todas as passagens de nível rodoviárias e pedonais, através da construção de 17 desnivelamentos.

Além da ligação Porto-Lisboa, estas obras também vão atrasar as viagens de longo curso a cidades como Viana do Castelo, Braga e Guimarães. Os comboios urbanos entre Porto e Aveiro também vão ter novos horários: a deslocação entre estas cidades vai ser aumentada em até 15 minutos, sobretudo nas horas de ponta.

Os trabalhos entre Espinho e Gaia deverão ficar concluídos até ao final do primeiro semestre de 2022, cerca de três anos depois do prazo definido pela gestora da rede ferroviária nacional. Quando esta obra estiver concluída, irá arrancar a renovação da linha ferroviária entre Ovar e Espinho.

Graças à aposta nas autoestradas nas últimas décadas, a viagem Porto-Lisboa de autocarro demora pouco mais do que se for feita de comboio e há sempre wi-fi a bordo. Pela Rede Expressos, a viagem dura 3h25 e custa 20 euros (sem promoções). Pela FlixBus, a mesma deslocação custa 10 ou 15 euros e demora 3h15. Só que no autocarro não é possível, por exemplo, deslocar-se entre os lugares.

De avião, a TAP é a única companhia a ligar as duas principais cidades portuguesas. O preço mais baixo é de cerca de 74 euros e a viagem demora uma hora. Só que à viagem tem de acrescentar que tem de estar no aeroporto de partida pelo menos uma hora antes e ainda é preciso contar com a deslocação do aeroporto para o centro de cada uma das cidades. A Ryanair deixou de fazer este voo desde o final de outubro.

No final da década de 1980, os mais de 600 quilómetros entre Madrid e Barcelona demoravam oito horas a serem percorridos de comboio. Só que Espanha aproveitou o dinheiro da União Europeia para apostar na alta velocidade e a viagem entre as duas principais cidades espanholas pode ser feita, atualmente, em 2h30. A mesma deslocação, de carro, demora perto de seis horas.

Madrid-Valência, com uma distância semelhante a Lisboa/Porto, faz-se em menos de 90 minutos de comboio; de carro, são necessárias mais de três horas e meia.

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