O INE divulgou os dados preliminares sobre a atividade turística até setembro e as dormidas nos primeiros nove meses de 2021 já superaram o valor registado em 2020. Mas também algumas nuvens no horizonte a ter em atenção com lembra o presidente do Turismo de Portugal, Luís Araújo.
O chumbo do Orçamento pode prejudicar o turismo?
Temos bons indicadores de que o turismo continua a crescer, principalmente, a procura estrangeira. Diria que se isso continuar, e se continuarmos a apostar naquilo que são os nossos valores enquanto destino turístico e nos nossos ativos, claramente vamos conseguir recuperar aquilo que nos interessa agora.
Esta crise política que o País está a viver não vai prejudicar a recuperação do turismo?
Aquilo que sentimos, e os indicadores que temos são muito nessa linha, e que há muita procura pelo destino Portugal. Aliás, do ponto de vista da conectividade aérea - e é preciso ver que dependemos dois terços de turistas estrangeiros - está a correr muito bem. Esse é o nosso objetivo e nosso foco agora: continuarmos nesta aposta da retoma.
E essa retoma é imune à situação política que o País está a viver?
Diria que um estrangeiro não está muito interessado em relação ao Orçamento do Estado. Se me pergunta enquanto cidadão, obviamente que é uma preocupação que todos temos. Mas acredito que continuaremos a fazer o nosso trabalho no setor do turismo - Turismo de Portugal, privados e público - para retomarmos àquilo que foi a atividade em 2019.
Este chumbo do Orçamento pode ter consequências no plano de reativação do turismo?
Estamos a falar de um plano que tem seis mil milhões de euros para os próximos seis anos, até 2027. É um plano que tem quatro pilares: gerar negócio, estruturar a oferta ou torná-la mais resistente - nomeadamente com apoios às empresas, 50% do Plano Reativar o Turismo (PRT) são apoios às empresas, tem a componente da segurança no consumidor e também nas empresas e uma parte importante da construção do futuro. É um plano de seis mil milhões de euros, com fundos e verbas provenientes não só do Turismo de Portugal mas também do novo quadro comunitário e do Banco Português de Fomento. Não está dependente diretamente do Orçamento do Estado. O plano está em marcha, e a bom ritmo, e acredito que vai ser implementado até 2027.
Como é que está a execução desse plano que foi apresentado em maio?
Das 52 medidas do plano, à volta de 80% já estão em curso. Algumas já estão até concluídas. Lançámos recentemente o Portugal Events, que é uma linha de apoio à realização de eventos no nosso País, com cinco milhões de euros. O Banco Português de Fomento lançou o Plano Retomar com mil milhões de euros de apoio às empresas. O Clean and Safe, versão 2.0, e um conjunto de campanhas que estão a ser lançado e que vão continuar nos próximos anos. O Plano Reativar o Turismo/Construir o Futuro é um plano que tem vindo a ser lançado - as medidas que podem ser lançadas - mas tem também vindo muito a ser construído com as regiões. E isso para nós é que é importante. Tivemos reuniões com praticamente todas CCDR. Estamos a fazer já a segunda ronda de reuniões porque muitos dos fundos dos planos vêm do próximo quadro comunitário de apoio. Esta é a altura de alinharmos estratégias e sinergias para implementar algumas das medidas que estão no plano. Por uma razão simples: o crescimento que queremos para o setor é diferente consoante as regiões. E consoante as regiões é importante tocarmos em determinadas teclas mais do que outras
Nem o chumbo do Orçamento afeta a imagem de Portugal, nem coloca em causa a recuperação do turismo. É isso que está a dizer?
Qualquer situação, e vemos isso do ponto de vista de comunicação internacional, que gere instabilidade afetam a imagem do País. Mas acredito que temos muito capital de confiança enquanto destino turístico, que vamos continuar a trabalhar e que vamos reposicionar e reconquistar aquilo que são as preferências dos mercados internacionais, que é o que nos preocupa agora.
O próximo ano será já de normalidade para o setor? Já vamos conseguir recuperar os níveis pré-pandemia?
A recuperação dos níveis pré-pandemia nas nossas estimativas está prevista para 2023. 2019 foi o melhor ano de sempre enquanto destino turístico: 27 milhões de hóspedes, 18,4 mil milhões de euros de receita - crescemos mais de 60% a receita em apenas quatro anos - e conseguimos crescer em todo o território nacional ao longo de todo o ano - tivemos a taxa de sazonalidade mais baixa de sempre e de mercados que antes nem sonhavam com vir para Portugal.
Está a falar por exemplo dos Estado Unidos?
Estou a falar dos EUA, do Brasil, da Ásia: China, Coreia do Sul -. Estamos sempre a comparar com um ano que foi magnífico para o turismo nacional. O que vemos hoje é que em agosto estávamos com 60% da capacidade aérea de 2019. E as previsões para novembro - portanto a próxima época de inverno - estamos a falar entre 80 a 90% da capacidade aérea que tivemos em 2019. São excelentes indicadores que nos levam a confiar ainda mais naquilo que é a retoma em 2023.
Durante o pico da pandemia, nomeadamente no verão de 2020, que o turismo interno ajudou a colmatar a falta de turistas estrangeiros. É possível que os portugueses estejam mais sensibilizados ou com vontade de fazer férias no País?
Os portugueses descobriram um Portugal diferente; diferentes regiões e produtos; diferentes alternativas para as férias. O Algarve sempre foi um dos destinos mais procurados pelos portugueses durante o verão, mas o que vemos é que a Madeira e os Açores cresceram exponencialmente durante esta pandemia, principalmente na época de verão. Houve um esforço muito grande da parte da oferta em atrair os portugueses; a aposta nas redes colaborativas, mostrar que há mais produtos no interior e em zonas menos procuradas, que há produtos alternativos e principalmente que há um conjunto de experiências que vão da hotelaria à restauração, passando pela animação turística, que fazem com que os portugueses tenham procurado naquela altura. As empresas fizeram um esforço para fidelizar o cliente para o futuro. Acredito que foi uma descoberta, obviamente também muito limitada pela falta de opções de viagens para o exterior, mas acho que foi uma aposta ganha e que certamente que será uma aposta para manter para o futuro.
Como descreve o estado das empresas de turismo? Já estão a conseguir recuperar?
Acho que foi a pior fase da vida de qualquer empresa, mas no setor do turismo claramente foi dramático. E mais importante: em muitas áreas que antes não eram tão expostas a esta questão das crises. O que se fez ao longo dos últimos 20 meses de investimento e de um conjunto de linhas de financiamento - 2,7 mil milhões de euros - para estas empresas foi claramente para manter a capacidade de resposta quando essa procura voltasse. Estamos a sentir que está a voltar. Os indicadores são muito positivos. Até agosto, já temos crescimentos comparativamente com 2020. Ainda estamos longe de 2019, mas mais uma vez foi o melhor ano de sempre. Regredimos à volta de cinco anos em termos de receitas - voltamos a 2015 - mas acredito que até ao final do ano vamos conseguir cumprir com o nosso objetivo que é ter 50% das receitas que tivemos em 2019 - à volta de 9 mil milhões de euros.
Este trimestre vai ser muito forte?
Acho que este último trimestre vai ser muito forte, mas estamos obviamente muito dependentes do que aconteça nos próximos meses do ponto de vista de controlo de pandemia e da situação nos outros mercados. Mas a resposta está ser extremamente positiva. Outubro está a ser um mês muito bom, setembro já tinha sido. Ainda não temos dados que confirmem isto vindos do INE. A partir de novembro, muitas companhias aéreas estão com 80 a 90% de capacidade aérea. Algumas regiões do país, como a Madeira, já estão a ultrapassar a capacidade de 2019, portanto isso é o que continua a ser importante. Continuarmos este trabalho de mantermos a chama acesa e continuar a captar estes mercados.
As empresas têm capacidade para manter a chama acesa? Temos ouvido que é preciso mais apoios...
O que sempre dissemos foi: isto é uma situação transitória, os nossos ativos continuam aqui. Muitas empresas até aproveitaram para fazer pequenas obras e reestruturações para responder ao mercado do futuro e o que é a retoma. Os resultados estão a ser positivos. Temos alguns desafios pela frente, alguns até decorrentes da pandemia, como a questão dos recursos humanos. Mas são desafios que estamos a trabalhar em conjunto. O que sempre houve foi um diálogo permanente com as associações por parte do Turismo de Portugal mas também por parte do gabinete da secretária de Estado e do ministro da Economia, com as associações e com as empresas para tentar dar as respostas possíveis àquilo que eram as situações mais necessárias. Acredito que foi uma resposta muito positiva e vemos isso porque temos muitas empresas já a retomar o negócios e isso sim para nós é que é importante.
O programa Adaptar Turismo já esgotou duas vezes as verbas. Devia ser mais alargado?
O programa Adaptar era uma das medidas que estava prevista no PRT, que iniciou com 5 milhões de euros, passamos para 10 milhões. Foi a resposta possível naquele momento. Obviamente, há outras medidas que estão previstas no PRT para apoio às empresas, mas não só, para gerar negócio e construir o futuro. Acredito que com outras possibilidades e oportunidades vamos conseguir dar respostas às empresas.
Sobre o programa Adaptar Turismo, não vai ser alargado?
Essa é a sua resposta. O que lhe digo é que há muitas outras iniciativas que estão a ser trabalhadas. Há bocadinho quando me perguntava do PRT disse-lhe são 52 medidas, 80% está em curso, muitas estão foram já lançadas. O que vamos fazendo é também de acordo com as disponibilidades orçamentais que tenhamos, indo avançando com umas e com outras.
Antes da pandemia, o setor tinha um problema de falta de recursos humanos. Esse problema continua?
Esse problema continua e a questão dos recursos humanos tem de ser vista muito para lá daquilo que é a questão do vencimento ou da formação. Dizemos sempre que temos três aspetos que têm de ser acautelados e hoje mais do que nunca. Um que tem a ver com questão demográfica: em toda a Europa estamos a ter uma população cada vez mais envelhecida. Precisamos solucionar a questão demográfica e um bom sinal é o acordo que foi recentemente lançado de estímulo à mobilidade entre países CPLP. A segunda tem a ver com a qualificação de recursos humanos e a aposta na formação, que é essencial. A terceira questão tem a ver com a atratividade do setor. Essa atratividade tem a ver com a componente de benefícios, com as pessoas olharem para o setor do turismo como um setor ou com uma maratona que precisa de investimento mas que também tem um retorno positivo. Temos de distinguir as respostas que são ao diferente número de pessoas: estamos a falar de 10% da mão-de-obra nacional com uma grande componente de pessoas jovens e essas precisam de ter a segurança que esta é uma carreira de futuro e que é uma carreira onde podem apostar, nacional ou internacionalmente, mas de preferência nacionalmente.
A reestruturação da TAP pode implicar uma perda de slots nomeadamente no aeroporto de Lisboa. Que efeito pode ter para o turismo?
A TAP tem um papel importantíssimo no turismo nacional, isso é uma certeza absoluta. Temos trabalhado muito com a TAP nos últimos tempos, mais do que tínhamos antes.
Está a falar relativamente à nova administração?!
À nova administração. Tínhamos muitos contactos com a anterior, mas temos muitos com esta. O sucesso da TAP é também o sucesso do turismo nacional, mas há outras companhias aéreas com quem trabalhamos e outras oportunidades que tentamos e conseguimos captar. Vou dar um exemplo: a Ibéria tem ligações pela primeira vez do hub de Madrid com os cinco aeroportos nacionais. Pela primeira vez, a Iberia inclui Lisboa e o Porto no programa Stopover para os passageiros que chegam a Madrid. Isto é que é importante: trabalharmos com todas as companhias aéreas para todos os aeroportos nacionais para reativar esta confiança do ponto de vista do aéreo.
O papel da TAP para o turismo pode ser desempenhado por outra companhia?
O trabalho que fazemos é com o que temos em cima da mesa e o que temos é uma companhia aérea como a TAP que tem tido um papel importantíssimo, nomeadamente no reforço das ligações com os EUA e Brasil, que é essencial. Para nós, é muito positivo ver a retoma das rotas e da capacidade aérea da TAP também nas ligações que são feitas com Portugal a nível com ligações a diversos mercados. É com isto que trabalhamos e temos feito um esforço enorme com todas as companhias aéreas para reforçar a conectividade.
A companhia já apresentou o plano para o inverno IATA, e apresenta mais voos do que tinha no verão, as previsões de rotas e frequências respondem às necessidades do turismo? Rotas como por exemplo para o México fazem sentido?
Como presidente do Turismo de Portugal o que digo, e sempre dissemos, é: rotas que não têm como objetivo final a captação de turismo para Portugal ou desembarque de turistas em Portugal não é a nossa prioridade. E não vou entrar se não é importante para o plano de desenvolvimento da companhia. Para mim o que é importante são as ligações que são feitas e estimular que essas ligações sejam um sucesso.
Isso significa que voos para o Brasil e para os EUA são bem vistos pelo Turismo de Portugal mas para outros destinos não tanto?!
Voos que trazem turistas para Portugal são voos muito positivos e bem-vindos. Se me perguntar se preferíamos ter um voo para a Cidade do México em vez de um voo para Cancún, acho que a resposta é óbvia.
Há ainda o problema do aeroporto de Lisboa, que pode demorar duas décadas a construir - é pelo menos isso o que diz o chairman da ANA. A fatura que o turismo paga por estes atrasos pode condenar o setor?
O problema não é o aeroporto. É a discussão sobre o aeroporto. Se tivéssemos um aeroporto novo estaríamos bem posicionados de um ponto de vista de competitividade. Como sabemos, temos uma porta de entrada principal do ponto de vista aéreo, que é Lisboa. Uma segunda opção seria sempre muito bem-vinda do ponto de vista de reforço da capacidade aérea. Mas o nosso trabalho não está dependente da existência ou não de um segundo aeroporto. Mas ainda há espaço para crescer nos outros aeroportos, em determinadas épocas do ano e do ponto de vista das receitas.
Os passageiros desembarcados traduzem-se em dormidas e receitas. Considera que no caso específico de Lisboa, não haverá consequências graves com esta demora?
O que lhe digo é: Lisboa poderia crescer muito mais se já estivéssemos com planos de arranque para o novo aeroporto. Não nos podemos esquecer que muitas companhias aéreas decidem as suas movimentações com algum tempo de antecedência. Quanto mais depressa tivermos o aeroporto a funcionar, mais competitivos vamos ser.