
Luís Barroso lidera há quase cinco anos a Mobi.E, a entidade que gere a rede pública de mobilidade elétrica desde 2015. Em entrevista ao Dinheiro Vivo e TSF, o gestor explica como a internacionalização do modelo de operação da empresa para a América do Sul, mas também para Espanha, em breve, pode alavancar o desenvolvimento da rede em Portugal. Revela que o programa “Ruas Elétricas” estará operacional até ao fim do ano e apela à “manutenção” de políticas públicas “consistentes” para a mobilidade elétrica.
Entra este sábado em vigor o regulamento europeu AFIR, como é conhecido, que visa a criação de infraestruturas para combustíveis alternativos, o que inclui as redes de carregamento de veículos elétricos. Que necessidades vem este regulamento enquadrar e de que forma a Mobi.E terá de acautelar as novas regras?
O regulamento de pleno direito entra hoje em vigor e a Mobi.E, em outubro passado, praticamente pouco mais de um mês depois de o regulamento ter sido publicado, fez uma apresentação pública de um estudo com os governos europeus. O regulamento tem uma perspetiva de longo prazo, até 2050, porque é o compromisso de Paris para atingirmos a neutralidade carbónica. E dentro dessas conclusões temos N áreas para atuarmos. A primeira, e que vamos já começar a sentir a partir de agora, é a instalação de postos de carregamento mais rápidos, com potências iguais ou superiores a 50 kilowatts (kW), que vão passar a ter um dispositivo para pagamento direto com cartão bancário. Depois, e isso é uma das novidades que a Mobi.E já vem desde 2022 a monitorizar, o crescimento das redes está indexado à potência do parque automóvel em circulação. Isto quer dizer que por cada veículo 100% elétrico que está em circulação, a rede tem de ter uma potência de 1,3 kW e por cada veículo plug-in em circulação a rede tem de ter uma potência de 0,8 kW. Já monitorizamos, neste momento, esta necessidade e, atualmente, temos uma margem relativamente a este mínimo que vai passar a ser obrigatória em todos os Estados-membros, a partir do final do ano, de cerca de 8% de margem.
O que é que isso significa em termos de carregadores?
Isto também é uma mudança na filosofia porque, inicialmente, havia muito aquela perspetiva do número de carregadores em função do número de carros, mas atualmente não. O que interessa é a potência, porque a diferente potência permite diferentes velocidades de carregamento e isso significa que vamos ter de ter disponíveis um número de carregadores suficientes que, agregadamente, somem uma potência equivalente, no mínimo, a termos 1,3 kW por cada viatura 100% elétrica em circulação, e 0,8 kW por cada viatura plug-in em circulação, porque são essas que são carregadas na rede pública.
Mas qual é o estado de arte? O que é que isso significa?
Neste momento, estamos acima em 8%. Provavelmente, somos o único país, já há mais de dois anos, que monitoriza este critério diariamente. Neste momento, a nossa potência da rede são 255 megawatts (MW), o que dá uma margem de cerca de 8%, porque o parque automóvel está avaliado em cerca de 235 MW.
E entre a rede pública e operadores privados, que diagnóstico faz à mobilidade em Portugal?
A transição energética em Portugal está a ser um bom exemplo, até pelo próprio regulamento AFIR. Fomos um país pioneiro em criar regras específicas para tratarmos este problema. Em 2010, saímos com o primeiro pacote legislativo que veio a consolidar-se naquilo que, atualmente, chamamos o modelo Mobi.E. É um modelo, que previu muito bem aquilo que o próprio AFIR vem agora, 14 anos depois, definir. É importante que tenhamos isto em atenção. Por exemplo, a interoperabilidade de redes: no nosso modelo, cada operador tem a sua rede e a diferença relativamente aos outros países, é que estas redes que são constituídas por um conjunto de postos instalados em pontos de acesso público, em zonas de acesso público, têm de estar obrigatoriamente ligadas à nossa rede.
Para quê?
Para que ela possa funcionar com o multibanco. Ou seja, que um utilizador com um único meio de acesso possa utilizar todos os carregadores. A isto chamamos de interoperabilidade. E é isso que o AFIR vem também promover, que é a interoperabilidade entre redes. Ora, o nosso sistema já é totalmente interoperável. Ou seja, temos dados abertos para que os utilizadores, conheçam onde é que estão localizados todos os postos, qual é a potência, qual é o custo do serviço de carregamento e quem é o operador. Em Portugal, é assim desde o início. Lá fora não é. Não existe este tipo de informação e o AFIR vem exigir que passe a existir este tipo de informação agregada, para que as pessoas tenham conhecimento onde é que estão os pontos de carregamento, onde é que podem carregar... Tudo coisas que nos habituámos a fazer desde o início.
A Mobi.E, o ano passado, lançou o desafio aos municípios para o projeto piloto Ruas Elétricas. Estava previsto arrancar no início de 2024. Em que fase é que está este projeto?
A questão que vivemos nos últimos tempos atrasou o processo, mas a Mobi.E já publicou no início do mês [de abril] um edital a convidar os municípios para se associarem a esta ideia. Os municípios são extremamente importantes neste processo da transição energética da mobilidade: são eles os gestores de espaços; são eles que devem definir quais são as políticas de mobilidade dentro dos seus municípios; e onde é que devemos ter o espaço ocupado por pontos de carregamento. O que a Mobi.E faz é abrir uma nova fase de mercado naquelas zonas onde as pessoas não têm alternativa de carregamento em espaços privados - ou porque não têm garagem ou porque não há meios para carregar - a fim de estabelecer nessas zonas locais para carregamento. Neste caso, carregamento lento, para que as pessoas possam durante a noite, durante o fim de semana, por períodos prolongados, deixar o seu carro a carregar, e isso só se faz com os municípios. Fizemos um programa ao nível nacional, envolvendo quer os municípios do continente, quer os das regiões autónomas [dos Açores e da Madeira]. Agora, queremos que os municípios se candidatem, porque são eles que têm de escolher quais são as ruas onde vamos fazer este piloto - isto será um piloto. Têm até ao final de maio para se pronunciarem e, em junho, a Mobi.E irá informar quem são os municípios contemplados. A partir daí, lançamos os procedimentos do concurso para que os operadores privados possam candidatar-se à instalação e à concessão destes pontos de carregamento por um período de 12 anos. Se por acaso as verbas não ficarem esgotadas até ao final de maio, os municípios vão poder continuar a candidatar-se até ao final do ano, e vamos avaliando mensalmente e fazendo procedimentos mensais de forma a acelerarmos o processo.
Mas há muitas manifestações de interesse?
Neste momento ainda não, porque acabámos de publicar, há duas semanas, o edital, mas há municípios que, informalmente, quando começámos a anunciar esta intenção, se mostraram muito disponíveis. Agora, temos de aguardar pelo formalismo dos processos.
Quando é que o primeiro município, ao abrigo desse programa, terá em operação novos postos de carregamento?
Se tudo correr bem, provavelmente lá para setembro.
Ainda este ano.
Sim, sim, este ano garantidamente. Estamos a falar de postos de potência menos elevada e a tramitação com o setor elétrico não é tão complicada. Havendo o apoio do município para o licenciamento do espaço, não vejo razão para que as coisas não sigam. A questão é que temos de fazer um concurso público, tem regras, tem os seus prazos, e depois é fazer obra, mas penso que a partir de setembro, durante o último trimestre, vamos começar a ver o projeto acontecer.
Há pouco referia que o mercado entrava numa nova fase, mas também a Mobi.E estará a entrar numa nova fase. Em dezembro de 2023, foi anunciado o primeiro passo de internacionalização da empresa, nomeadamente para a Colômbia, com um acordo com o grupo Vatia. Em que é que consiste este acordo, o que é que a Mobi.E vai fazer na Colômbia e que condições oferece o mercado colombiano?
O processo de internacionalização tem vindo a ser trabalhado há cerca de um ano, porque nos parece que a solução portuguesa, como é o caso do modelo Mobi.E, tem produzido resultados muito fortes. Basta ver as quotas de registos de veículos elétricos. No último ano, quando comparamos com outros países da Europa, Portugal ficou com quotas superiores, por exemplo, à Alemanha, à França, que são grandes produtores de automóveis, e ultrapassámos em mais de três vezes a Espanha ou cinco vezes a Itália. Isso demonstra bem que temos uma solução que funciona, que é credível e que os utilizadores acabam por aderir mais rapidamente, face ao que está a acontecer nestes países. Partindo deste pressuposto, achámos que faria todo o sentido, e sendo Portugal um país onde a transição energética e a produção de energia verde também está a servir de exemplo, que o país se afirmasse na transição energética da mobilidade, porque mais de 25% das emissões de carbono vêm do setor dos transportes. Será uma boa forma de afirmação de Portugal além-fronteiras. Com estes dois domínios, procurámos selecionar quais são os mercados que fazem sentido. O primeiro de todos que nos parece óbvio é a Espanha. Espanha é a nossa porta de entrada da Europa por via terrestre e as diferenças, em termos de desenvolvimento, da mobilidade sustentável e elétrica, são tão grandes, que temos algo para lhes dar. Mais uma vantagem é que os operadores que estão em Espanha também estão, muitos deles, em Portugal. Já há uma experiência de integração com a Mobi.E e os operadores podem ter valor acrescentado e de facilidade ao utilizarem o mesmo sistema em Espanha, com o objetivo único de que os utilizadores da rede Mobi.E possam, com os mesmos meios, utilizar carregadores em Espanha.
A tal rede ibérica.
A tal solução ibérica, a interoperabilidade ibérica. Este é um fator que estamos a trabalhar e espero que brevemente consigamos ter também soluções nesta via. Outro mercado muito apreciável, a nosso ver, é o mercado da América Latina.
Porquê?
Porque são fortes produtores de energia limpa. Têm um grande mercado porque são fortemente populosos. O seu sistema de transportes assenta-se, sobretudo, no veículo particular ou pesado. A transição energética na mobilidade lá faz sentido. Como cereja em cima do topo do bolo, ainda está tudo por fazer. Se já temos esta experiência, faz também sentido procurarmos levar esta experiência para os países da América Latina. E aí, a Colômbia, fruto também da visita há cerca de um ano, do presidente colombiano [Gustavo Petro] - que ficou impressionado com aquilo que viu e que pressionou para ter uma solução idêntica na Colômbia. Temos vindo a ter conversações, quer através da Embaixada da Colômbia, quer com o governo [da Colômbia], e surgiu a oportunidade do grupo Vatia. Neste momento, estamos a acabar um processo de consultoria, irá terminar no início de maio, de acordo com os prazos contratuais, em que vamos estruturar a forma como o grupo Vatia se vai posicionar no mercado de mobilidade elétrica na Colômbia e, depois, a ideia é que eles, com a ajuda da nossa plataforma, diversifiquem o seu mercado. Ao mesmo tempo, continuamos com conversações com o governo da Colômbia para estruturar uma solução. Mas, estive no início do ano em Brasília, em contactos com ministérios do Brasil - tive reuniões com vários ministérios -, é uma porta que também estamos a abrir, mas temos outros países. Agora, isto só faz sentido se também ajudarmos a internacionalizar a atividade das empresas privadas que já trabalham connosco, de forma a internacionalizarmos a nossa economia. E é isso que queremos, abrir as portas, para depois também levar a internacionalização e acrescentar valor à nossa economia.
Mas boa parte dessas empresas já tem a operação internacionalizada, nomeadamente, a Brisa...
Não em mobilidade elétrica e, aqui, trata-se de abrir um novo eixo. A Mobi.E poderá ajudar. Depois, é importante garantir - e isso é uma prioridade - que a empresa seja sustentável economicamente. A Mobi.E tem de ser sustentável, economicamente, e angariar novos negócios, novas receitas, que permitam esta sustentabilidade, mas também que sirvam - e esse também é um objetivo que estamos a perseguir - para reduzir os custos da utilização da rede Mobi.E em Portugal. Parece-me fazer todo o sentido, que é arranjar formas de financiar a atividade interna. E, nomeadamente, por exemplo, através da redução das tão criticadas tarifas da entidade gestora - são elas que suportam todo este sistema que permite às pessoas, através de um clique, saberem onde é que está o posto mais próximo, se está disponível ou se não está, e utilizarem a rede com qualquer cartão que tenham para carregarem o seu carro.
O programa do Governo foi apresentado e há nele uma reafirmação de compromissos anteriore, além de o investimento na expansão da rede acontecer através de fundos europeus. Agrada-lhe ou poderia fazer-se mais?
Não tenho conhecimento específico do programa, mas há um compromisso que temos para já neste momento no Plano de Recuperação e Resiliência [PRR], que visa disponibilizarmos 15 mil pontos de carregamento até ao final de 2025. Temos vindo a cumprir as metas intercalares que estão estabelecidas ao longo do programa, mas temos de ter em atenção isso. Para cumprirmos este objetivo vai ser necessário encontrarmos soluções de financiamento para os operadores poderem investir nessas redes, aproveitando também a aprovação da terceira diretiva de energias renováveis – e aqui a diretiva ainda tem de ser transposta para a legislação nacional –, que vem prever que os Estados-membros [da União Europeia] possam desenvolver mecanismos de créditos, de e-créditos, para financiarem a infraestrutura. O princípio é o seguinte: as empresas que vendem energia na mobilidade elétrica poderem emitir créditos que depois são vendidos às empresas que vendem combustíveis, de forma que as empresas dos combustíveis possam reduzir o impacto da pegada da venda desses próprios combustíveis. Este é um pacote que já trabalhámos com a ENSE [Entidade Nacional para o Setor Energético], porque é a entidade que em Portugal tem a emissão dos créditos de baixo carbono, temos uma solução pronta que poderá vir a ser aprovada pelo novo Governo rapidamente e que será um fator importante para financiar o crescimento da infraestrutura. Mas vamos precisar também, provavelmente, de mais fundos para isso.
Falava no objetivo de ter até 2025 mais 15 mil pontos de carregamento...
Não é ter mais. É ter 15 mil pontos no total. Neste momento, temos 8 200 pontos de carregamento.
E esse objetivo está relacionado com um outro ponto que vinha num estudo apresentado pela própria Mobi.E, em outubro passado: chegar a 2050 com 82 mil pontos de carregamento. O país está em condições de cumprir esses objetivos?
Para amanhã não. Para 2050 está, não tem desculpas para não estar, porque a Mobi.E apresentou, em outubro de 2023, um plano de desenvolvimento até 2050, exatamente para que o país possa ter um quadro onde possa preparar-se para esta transição e o cumprimento destes objetivos, de acordo com os parâmetros que o AFIR vem definir. E, agora, alerto que isto são estimativas, porque vamos ajustando anualmente este estudo ao desenvolvimento da atividade. Imagine que aparece uma ou outra tecnologia nova e já não é necessário tantos postos de carregamento. Para já, é este o cenário que temos e é com isto que estamos a preparar e que estou certo de que quer comercializadores de energia para a mobilidade elétrica, quer operadores das redes de distribuição, como a E-redes, a EDA [Eletricidade dos Açores) e a EEM [Eletricidade da Madeira] se estão a basear, quer operadores para definir os seus planos de desenvolvimento.
A rede de carregamento terá de crescer, mas a questão é como. Além das necessidades de investimento, poderá haver aqui também uma necessidade de rever processos, nomeadamente o licenciamento dos pontos de carregamento. Há muitas empresas que, já há algum tempo, reportam algumas dificuldades, às vezes até no cruzamento de informação entre diferentes organismos. Daí aquela questão, que reiteramos, no sentido de saber qual a sua opinião sobre um Simplex, como já foi noutros momentos sugerido, para esta a mobilidade elétrica. Qual é a sua opinião?
Para mim isso é claro e, aliás, a mobilidade tem vindo ao longo dos últimos anos a fazer um trabalho intensivo de sensibilização com os municípios enquanto gestores do espaço, porque são eles os gestores do espaço para os sensibilizar para a necessidade de reduzir a burocracia. Temos também vindo a trabalhar muito, sobretudo com a E-redes ao nível do Continente e, por exemplo, já conseguimos que a E-redes desenvolvesse uma coisa que é única no mundo. Atualmente qualquer operador que queira instalar um posto tem acesso via internet às localizações de todos os postos de transformação com a potência que existe e a potência disponível. Ou seja, isto ajuda-os a programar com mais fiabilidade a localização. Portanto, temos vindo a trabalhar nisso, mas, obviamente, os municípios são atores-chave neste processo em que temos de ter uma padronização de licenciamentos, porque tem um âmbito nacional. A Mobi.E tem um projeto em carteira e que já está aprovado como Simplex, mas que ainda não tivemos capacidade de pôr em prática, que é criar uma janela única da mobilidade elétrica, ou seja, ter um portal onde, através da internet, se possa tramitar toda esta burocracia e um operador possa pedir os licenciamentos e o município possa dar os seus licenciamentos. É um objetivo que temos, é um trabalho que vai ser árduo, mas que também quero implementar. Para tudo isto, já agora, o dia 19 [de abril] é o dia de aniversário da Mobi.E e vamos, pela primeira vez, fazer um evento ["O Agora É Elétrico"] com todos os stakeholders para, procurarmos soluções internas que tornem, cada vez melhor, a experiência do utilizador no uso da sua viatura elétrica. Vai ser um espaço de debate muito interessante, e que tem vindo a motivar muito interesse pela maioria dos participantes.
Há outros dois projetos que queremos perceber em que fase estão. Um deles é a rede de carregamentos para veículos pesados. Os pontos que estavam previstos num estudo que apresentaram era que fossem mais de 1 500, cerca de 1 588, mas em que fase é que estão? E o projeto do hidrogénico que previa a criação de 37 estações?
Relativamente à infraestrutura de pesados, já demos um primeiro passo para darmos um sinal ao mercado - e atenção que se pretende que a instalação seja feita pelas redes privadas, embora a Mobi.E possa vir a ser chamada a avançar. De acordo com a expectativa que temos neste momento, o mercado dos veículos elétricos pesados, pelo menos em Portugal, ainda não está suficientemente desenvolvido, mas isso não pode servir de desculpa. Por isso, firmámos um protocolo para já com a Administração do Porto de Lisboa e com a Administração do Porto de Setúbal e de Sesimbra, com vista ao desenvolvimento de infraestruturas dentro das áreas portuárias.
No qual se prevê um teste-piloto.
Queremos promover um piloto, se possível ainda este ano, para o mercado começar a sentir esta novidade. Vai depender também da forma como os próprios transportadores vão evoluir. Num primeiro momento, serão soluções mais internas, mais fechadas aos transportes de grande distância ou mesmo internacionais, até porque temos esta nova ordem - enquanto não ajudarmos os nossos vizinhos espanhóis vai ser difícil conseguirmos ter soluções de carregamento que permitam transitar. E uma coisa curiosa é que, no âmbito das conversações com estas administrações portuárias, chegámos à conclusão que faria sentido, por exemplo, experimentarmos a náutica de recreio. E já inaugurámos, no passado dia 11 [de abril], um piloto, uma experiência, um posto de carregamento em Setúbal para utilização de náutica de recreio e, no futuro, quem sabe, porque quem utiliza a náutica de recreio há de ter o seu veículo elétrico e, se calhar, a mesma solução de carregamento poderá fazer todo o sentido. Foi uma oportunidade que surgiu.
Um serviço intermodal.
Sim. É muito importante que se tenha consciência que o consumidor da mobilidade elétrica usa o veículo elétrico porque necessita de mobilidade. Não é um cliente de energia, é um cliente de energia porque a energia é a locomoção. Às vezes perdemos um pouco isto e procuramos tratar o cliente como um cliente de energia, que não é. O que quero dizer com é que é preciso criar políticas que permitam a mobilidade das pessoas, porque é isso que elas estão a procurar, quer através da sua viatura própria, quer através da sua intermodalidade. É isso que é importante. Fala-se muito em levar as pessoas do veículo particular para o transporte público, mas se não dermos informação às pessoas de que existe transporte público e qual é o transporte público que pode servir, as pessoas nunca mais vão mudar. A digitalização e o facto, por exemplo, de toda a mobilidade elétrica desenvolvida na digitalização ter um âmbito nacional pode facilitar. Ou seja, a integração de sistemas de informação em que a pessoa possa saber que há, para onde se desloca, o transporte público, qual é a carreira, quais são os horários, que há bicicletas, que há trotinetas, que há TVDE, que há táxis - tudo isto ao mesmo tempo, através de aplicações. Será o futuro de forma a conseguimos atingir o objetivo de termos um país mais móvel e mais sustentável.
E em que fase está a rede alimentada por hidrogénio, que previa a criação de 37 estações em 20 nós modais, separados por 200 quilómetros (Km) até 2030, com um orçamento de 200 milhões de euros?
Neste momento, as soluções de hidrogénio não têm vindo ainda a ter dinamismo. Conhecemos dois exemplos em Inglaterra e - julgo - na Suécia, que acabaram por fechar as estações que tinham aberto. Só se justifica fazer [cá] se for para ser utilizado, porque não somos propriamente ricos. Sabemos que para cumprir aquilo que está no AFIR é disso que necessitamos, mas se não houver mercado, provavelmente vamos ter de rever. O que é importante é que não está esquecido, sabemos quais são as necessidades. Agora, temos de criar as condições, quer através do mercado, quer através de financiamento para que elas depois venham a concretizar-se.
Qual deveria ser o tom ou a postura na mobilidade elétrica?
Estamos a ter resultados, as coisas estão a funcionar. Temos é de aproveitar o que já foi construído, dinamizar, continuarmos este caminho e, se possível – o que é muito importante –, criar condições que permitam acelerar esta dinâmica.
Como?
Através de investimento, para que haja mais infraestrutura, mas também através de políticas de promoção à transição das viaturas. Além disso, a manutenção consistente das políticas relativas à mobilidade elétrica, quer ao nível de apoios, quer ao nível das regras - que é muito importante e é isso que temos sentido em Portugal desde 2014. É essencial para dar confiança aos agentes de mercado, e são mais de 100 que já desenvolvem a sua atividade junto da rede Mobi.E, e aos utilizadores, que já são mais de 150 mil. É este o caminho que se espera que se continue nesta transição.