Que caderno de encargos têm para apresentar ou já apresentaram ao novo Governo? O que é prioritário resolver?
Temos um caderno de encargos que resulta daquilo que o Conselho Geral da AEP e daquilo que os empresários mais diretamente ligados à AEP definem como aquilo que são as grandes prioridades e que vêm na linha daquilo que temos vindo a seguir nos últimos tempos. A questão da fiscalidade é claramente uma dessas questões, quer ao nível do IRS, quer ao nível do IRC. Há uma questão que é absolutamente fundamental, que é a disponibilidade ou a falta dela de mão-de-obra para as empresas, que é uma questão que certamente ao longo desta entrevista iremos abordar e é um tema que nos preocupa imenso. E depois há um desafio que temos num país com a dimensão de Portugal, com aquilo que é hoje a globalização e os efeitos dos eventos que têm acontecido pelo mundo, nomeadamente estes últimos com as guerras e o período pós-pandemia, que vieram trazer novos desafios e as nossas empresas têm de ter condições para produzir com mais valor acrescentado. Já explicarei o que é este mais valor acrescentado, ou seja, não interessa ou não é determinante dizer que atingimos 50% do PIB em exportações, precisamos de perceber qual é o valor acrescentado dessas exportações. Ou seja, se temos importações em valor semelhante, o que é que contribui para a nossa riqueza, para o nosso PIB, esse volume de exportações. E para isso temos que produzir com mais valor acrescentado, temos que introduzir inovação, temos que introduzir mais tecnologia, temos aqui novos desafios que é preciso agarrar e a relação entre o sistema científico-tecnológico e as empresas, que é também um tema que a Fundação AEP tem vindo a trabalhar. E, por último, a questão da simplificação da relação entre o Estado e as empresas e entre o Estado e as pessoas, porque isto é um fator que retrai a atratividade de investimento, que dificulta a atividade das empresas e que cria muitos custos acrescidos, nomeadamente no que tem a ver com preenchimento de relações fiscais, com aquilo que é a relação do dia-a-dia com institutos públicos, com toda a regulamentação e leis que dificultam aquilo que devia ser o foco das empresas na sua produção e na sua atividade. E isto aplica-se também à aplicação de fundos comunitários, que continuamos com procedimentos, com regras, com atrasos nas avaliações, nas análises e em todo o processo para a aplicação destes fundos, que dificultam o investimento que as empresas deviam estar a fazer, que o país devia estar a fazer.
No que diz respeito à fiscalidade, a descida do IRS será de cerca de 200 milhões de euros este ano, a somar aos 1300 milhões que o executivo socialista já tinha feito. Em sua opinião, o Governo poderia ir mais além no IRS em 2024?
Esta questão deve ser analisada com bom senso e com ponderação, porque temos hoje uma redução da dívida pública, do défice, e temos um superavit em termos orçamentais, mas esta análise deve ser feita ano a ano e temos de olhar para o Orçamento de 2024 e perceber se há folga para isso acontecer. Havendo folga e mantendo ou diminuindo a nossa dívida pública, porque absorve imenso recursos do país para pagar os encargos com essa dívida pública, devemos ser mais ambiciosos ao nível do IRS. Ao nível do IRS dos mais jovens, mas também dos outros escalões, porque temos uma fiscalidade altamente penalizadora para as empresas, mas também altamente penalizadora para as pessoas que trabalham. E essa redução deve ser ainda maior, porque ela tem uma outra mensagem para quem trabalha. Quem tem a ambição de ganhar mais, quem tem a ambição de querer progredir mais e ter vencimentos superiores é mais penalizado e, muitas vezes, fazendo as contas, percebe-se que, afinal, esse esforço acrescido, essa ambição da pessoa querer ganhar mais, ter o melhor rendimento, é absorvido em termos fiscais. Porque além dos impostos serem altos, temos uma grande progressividade e, por isso, isso é penalizador. E, por isso, era importante dar atenção a isto, porque é o que está a levar a que o salário mínimo comece a aproximar-se do salário médio, e é preocupante para um país que quer talento, quer pessoas qualificadas para trabalhar no nosso país.
Em relação ao IRC, o Governo promete descê-lo em dois pontos percentuais por ano. Qual será o impacto desta redução?
O IRC deve também continuar a ter uma redução e a nossa proposta é que ele chegue aos 15% até 2027. Essa é a nossa ambição, aquilo que propomos que aconteça. E também há o exemplo do passado, que o diminuir a taxa de IRC não significa o Estado a perder receita. E, por isso, significa que podemos ter mais empresas a pagar impostos e, no global, e naquilo que são as receitas que o Estado vai arrecadar, pode não ter grande impacto. Ou seja, por vezes, a diminuição das taxas não significa a perda de receita para o Estado. E, por isso, é importante que tenhamos esta ambição, que se passe esta mensagem, que aqueles que criam riqueza, aqueles que criam emprego, não podem continuar a ser aqueles também que são sempre penalizados com a carga fiscal que têm.
Considera, então, que é uma medida fundamental para aumentar a competitividade das empresas?
A par da descida do IRS, são as duas medidas fundamentais.
Já aqui tocou neste ponto, mas o agravar do conflito no Médio Oriente e a continuação da guerra da Ucrânia pode comprometer a trajetória da descida da inflação e das taxas de juro por parte do Banco Central Europeu?
Para já, pelo menos, está a adiar aquilo que era suposto, a descida das taxas de juro, que se esperava que pudesse acontecer muito em breve. E o que se começa a perceber é que há aqui alguma cautela e o Banco Central Europeu estará ainda a analisar, a perceber os impactos e se há condições para a descida das taxas de juro. Mas também temos sinais que vêm dos Estados Unidos, que também não dão sinais de que a inflação irá descer e, por isso, que o custo do dinheiro também não terá esse reflexo. Por isso, esse contexto internacional, mais estas situações que vão acontecendo, que vão chegando todos os dias, são situações que podem adiar essa descida dos encargos com o financiamento que é hoje, como todos sabemos, preocupante, quer para as empresas, quer para as pessoas.
O Governo promete impulsionar o crescimento económico nos próximos anos para valores acima de 2% em 2025 e 2026 e para 3% e acima em 2027 e 2028. Face à incerteza geopolítica, pode ser um cenário demasiado otimista?
Acho que o Governo ao colocar esse cenário quis passar uma mensagem de ambição. Acho que o país precisa que haja mensagens de quem governa de que há uma ambição para o país e há pessoas, há empresários e há capacidade de responder a essa ambição. Diria que as primeiras três prioridades para dizer ao ministro da Economia são: primeiro crescimento, segundo crescimento, terceiro crescimento. Se não crescermos, não vamos dar resposta a nenhum dos outros desafios. E por isso, diria que sim, que há condições, que é uma ambição, é uma fasquia elevada, mas que é importante que tenhamos estes desafios de crescer e ter esta ambição. Naturalmente que temos de perceber que há aqui todo um contexto internacional que nos pode condicionar e pode não permitir que isto aconteça. O país e os empresários já demonstraram em alturas muito difíceis que são capazes de dar resposta e de conseguir ultrapassar esses períodos. Agora, não podemos é ter sinais contrários. Sabemos que temos um sistema empresarial muito micro, precisamos de ter empresas com maior dimensão e não podemos ter o sinal contrário, que é empresas que, quando querem ganhar escala e dimensão são mais penalizadas em termos fiscais. Precisamos de crescer, de ganhar a escala para sermos mais competitivos, para termos dimensão para internacionalizar e para exportar, mas para isso, não podemos ter um sinal contrário de penalizar mais estas empresas, sobretudo em termos fiscais.
Mas aí defende o quê, além do que já falou em termos de IRC e IRC? Benefícios fiscais?
Não, pelo menos que não sejam mais penalizadas com derramas a acrescer ao IRC, com mais impostos, com mais exigências para essas empresas. Temos de dar sinais de que as empresas querendo ganhar escala, pelo menos, não são penalizadas. Deviam ser beneficiadas, deviam ter estímulos, mas penalizadas é que não podem ser.
No Programa de Estabilidade que o Governo apresentou esta semana, este cenário macroeconómico, este crescimento ambicioso que está no programa eleitoral, para os próximos anos, não está lá. O Governo deveria tê-lo posto lá?
Acho que sim, se o defendeu no programa eleitoral, ele deve estar agora no programa que apresentou e que discutiu. Naturalmente que essas são, muitas vezes, opções estratégicas ao nível da política, que não quero estar a comentar. Agora, a nós, às empresas e ao país, o que conta é que temos de ter ambição, temos de crescer, temos de criar condições para criar riqueza. Não havendo criação de riqueza, não podemos depois querer distribuir apoios sociais, não podemos ter um país com melhores condições de vida se não criarmos esta riqueza, ou seja, não podemos preocupar-nos em distribuir sem primeiro criar. E isto é fundamental. E para isso não podemos ter políticas públicas que vão em sentido oposto àqueles que querem fazer este caminho. No nosso país ainda é olhado com alguma desconfiança, e até com penalizações, muitas vezes, aqueles que querem criar riqueza, que querem crescer, que têm ambição. E precisamos de ter um país que estimule a ambição e não que penalize quem tem a ambição.
O objetivo do Governo é chegar a 2028 com o salário mínimo nos 1000 euros e em relação ao salário médio aponta para que chegue a 1750 euros em 2030. Como é que avalia estas metas?
São metas exequíveis, é um caminho normal e natural que estamos a fazer ao nível do aumento dos salários. Resulta também daquilo que é a dinâmica do mercado de trabalho. Temos é de ter o cuidado de fazer contas a quanto é que custa uma pessoa à empresa que vai ter o salário de 1750 euros. É que isso não é o custo para a empresa. É que a empresa depois ainda tem de pagar os impostos em cima disso. Ainda tem de pagar 14 meses no ano e dividir por 11, que são o número de meses que se trabalham. É que às vezes também comparamos os nossos salários com outros países que pagam 12 meses e não pagam 14 como nós. E por isso acho que essas metas são perfeitamente exequíveis. Aliás, as confederações, nomeadamente a CIP, veio propor esses aumentos, viemos até a desafiar, na altura, e os sindicatos tiveram uma posição em sentido contrário, que houvesse aqui, de facto, uma não penalização daquilo que se paga, do estímulo que se paga a mais, ou seja, que não fosse tributado da mesma forma esse trabalho.
Está a falar do 15º mês livre de impostos e contribuições, que foi uma proposta da CIP e que está no programa do Governo. A ser implementada, as empresas vão aderir, pagar este 15º mês, ou serão uma minoria?
Há muitas empresas que certamente poderão aderir e deverão aderir, porque precisam de reter e de estimular os seus trabalhadores. Agora, não podemos é querer que paguem o 15º mês e, ao mesmo tempo, ainda paguem mais ao Estado, mais impostos, e que as pessoas que trabalham o 15º mês, que, no fundo, levem para casa quase o mesmo, porque são penalizadas pela carga fiscal que há sobre o rendimento do trabalho.
Isso deve ser avaliado pela empresa em função daquilo que são os níveis de produtividade da empresa, em função daquilo que são as condições que a empresa tem para remunerar. Agora, quando se remunera e quando se faz este esforço acrescido, naturalmente estamos a remunerar aquilo que é o trabalho que a pessoa fez e o contributo que deu para que a empresa possa ter condições para pagar esse 15º mês. Ao fazê-lo, o que entendemos é que isso não deve ser absorvido, em grande parte, em termos de impostos, ou seja, deve ficar líquido, deve ser um esforço que vai direto da empresa para o trabalhador.
O Governo disse que vai rever a Agenda para o Trabalho Digno. Há matérias na legislação laboral que devem ser mudadas?
Sim, a legislação laboral portuguesa é muito rígida, ou pelo menos há setores, quer a nível político, quer sindical, que devem ser mudados e que acham que com essa rigidez se salvaguardam os postos de trabalho ou que se cria mais proteção para os trabalhadores. Penso exatamente o contrário, acho que com maior flexibilidade criamos mais oportunidades para aqueles que querem e que se esforçam por serem melhores trabalhadores, melhores colaboradores, e que se pode, naturalmente, ter aqui uma análise, uma avaliação, que nos permita ajustar aquilo que são os desafios das empresas e aquilo que são as necessidades que as empresas têm de substituir pessoas em determinados sectores da empresa por outras, o que não significa que dispensem aquelas. Só que com a rigidez laboral que temos, muitas vezes, isso dificulta ou torna quase impossível este ajuste.
A AEP tem propostas concretas neste campo da legislação laboral?
Sim, temos vindo a discutir estas questões com os ministérios, com o Ministério do Trabalho, neste caso. Temos vindo a apresentar propostas específicas, nomeadamente no que tem a ver com a legislação laboral em medidas que tornam difícil esta adaptação. Agora, estas questões têm de ser analisadas sempre no contexto e sempre num processo de negociação direta com o ministério, que tutela e, neste caso, com o Ministério do Trabalho.
E em sede de Concertação Social, fiquei sem perceber se concorda com o que Agenda para o Trabalho Digno determina ou com aquilo que este novo Governo quer rever.
No processo de negociação não estamos representados na Concertação Social, quem nos representa é a CIP, por isso, é a CIP que negocia, no âmbito da Concertação Social, essas medidas. Mas a CIP sempre esteve de acordo com grande parte das medidas para o trabalho digno e para aquilo que têm vindo a ser aprovado no âmbito desta Agenda que é discutida na Concertação Social.
Portugal tem falta de mão-de-obra em muitos setores. São postos de trabalho que podem ser ocupados por portugueses que emigram ou o país não pode prescindir dos imigrantes?
O país não pode prescindir dos imigrantes e imigrantes com i. Mas também não devia prescindir tanto dos portugueses, que estão a emigrar, porque, como sabemos, temos hoje, ao nível da qualificação dos mais jovens, do papel das nossas universidades, um trabalho que é altamente reconhecido e que já todos temos indicadores e dados suficientes para percebermos que, de facto, os portugueses são mão de obra muito disputada, são pessoas que têm uma capacidade e qualificações que cada vez mais fazem falta às nossas empresas. Mas, além desses, temos os outros. Temos aqueles portugueses que emigraram há muitos anos, que ganharam o mundo, que ganharam competências, que ganharam experiência e que também queremos trazer para o nosso país. Fizemos durante anos uma coisa que chamámos de Match Point, que é criar momentos de encontro entre portugueses da diáspora, jovens portugueses e empresas nacionais que procuram mão-de-obra. Por isso, essa é uma necessidade que o país tem, era muito importante conseguirmos fazer um trabalho contínuo de trazermos de regresso ao país os que emigraram.
Agora, não podemos, e respondendo à questão, não podemos dispensar e o país vai ter de se adaptar a uma realidade que não estava tão habituado, que é a imigração. Ou seja, temos de ter políticas de acolhimento de imigrantes no nosso país, temos de trazer para o nosso país não é só pessoas para trabalhar, são cidadãos de pleno direito. E acho que aí ainda temos um caminho longo a fazer para integrarmos essas pessoas que venham para o nosso país, é preciso que de facto eles se sintam cidadãos do nosso país, é preciso estimular que as pessoas venham, que passem a ter a sua vida no nosso país, porque isso depois responde a muitos outros problemas, nomeadamente problemas demográficos como referimos inicialmente, porque sabemos que a evolução demográfica que o país tem tido, o país e a Europa, mas o país, no caso concreto em Portugal, exigem que sejamos capazes de atrair também gente mais jovem, porque começámos a ter aqui problemas ou algum possíveis desequilíbrios em termos daquilo que são o número de pessoas a trabalhar e o número de pessoas já reformadas. Isso depois tem outros desafios.
E também tem de haver uma maior responsabilização dos empresários que contratem imigrantes de forma precária?
Sim, mas isso muitas vezes, infelizmente, resulta da legislação e do enquadramento que demora imenso tempo para que se consiga ter as pessoas cá de pleno direito, devidamente legalizadas enquanto cidadãos que podem circular no nosso país, que podem ter direito e acesso a todos os serviços. O primeiro grande problema é, desde logo, todo o processo burocrático que está subjacente a isso. E por isso é preciso criarmos políticas de integração de imigrantes, de cidadãos. É termos capacidade de mais rapidamente conseguirmos que as empresas os tenham a trabalhar com todas as condições e com todo o enquadramento legal, para que as pessoas sintam que estão num país e que podem viver, que podem andar, que podem usufruir daquilo que são as condições que o país tem para qualquer cidadão. Muitas vezes, e essas situações são sempre lamentáveis e não deviam acontecer, mas por vezes resultam desta situação e da necessidade premente das empresas. As empresas precisam rapidamente de trazer essas pessoas, e que elas iniciem a sua atividade. E, por vezes, temos um enquadramento legal que atrasa imenso.
Mostrou-se preocupado com o período de transição entre governos para a execução do PRR. A situação parece-lhe agora controlada ou ainda há preocupações?
As preocupações mantêm-se, quer sobre o PRR, quer sobre o Portugal 2030. Acho que continuamos a correr um enorme risco de não conseguirmos executar este volume de apoios comunitários que o país precisa, que as empresas precisam, que temos à nossa disposição e que, face àquilo que é o enquadramento de mais ou menos questões burocráticas, o funcionamento, corremos sérios riscos de não conseguirmos executar. Podemos comparar com o que aconteceu com o Portugal 2020, que está já na fase final, final, final. Mas só com um programa andámos a reforçar apoios para entidades públicas, andou-se a fazer aqui algum reforço de apoios de projetos que até já estariam executados ou quase concluídos, para se executar um programa. Um programa. Neste momento, temos dois e dois com um volume enorme de fundos e com a burocracia que temos. Este contexto de transição, de mudanças, de tutela, tudo isso leva-nos a manter a preocupação e esperar que, de facto, se criem condições para que o recurso a apoios comunitários não seja mais uma dor de cabeça, mas seja, de facto, uma parte da solução daquilo que as empresas precisam para investir. Porque quando falamos em falta de financiamento para as empresas, estes fundos também servirão para isso, a par de outros, esta é uma forma de financiar investimento. E, por isso, se não formos capazes de criar as condições adequadas, se não formos capazes de ter regulamentação e mecanismos de fiscalização a acompanhar todo o processo de investimento, corremos o risco de não executar.
Acredita que, mesmo assim, e já disse que se mantém o risco, mas que haverá alguma alteração de estratégia do novo Governo?
Espero que sim. Aliás, o novo Governo fez uma coisa que me parece - veremos se os resultados correspondem a esta expectativa ou não -, que me parece acertada, que é concentrar a gestão dos fundos comunitários num ministério e numa pessoa que já tem experiência do passado na execução desses fundos comunitários. E, por isso, espero que com a experiência do ministro que tutela esta área e com a concentração no mesmo Ministério, que se criem sinergias, que se criem mecanismos que possam agilizar. E, ao mesmo tempo, ter mecanismos de controlo de fiscalização que permitam que a gestão do acesso a fundos comunitários seja, de facto, transparente, que os fundos sejam aplicados naquilo que devem ser aplicados, e que tragam para o país e para as empresas capacidade de podermos investir mais e, com isso, naturalmente, melhorarmo questões como a produtividade e a competitividade das nossas empresas.
Chegou a lamentar que o Estado fosse o principal beneficiário das verbas do PRR em detrimento do setor privado. Mantém essa opinião? Que balanço faz da distribuição das verbas do PRR?
Desde o primeiro momento em que soubemos da distribuição das verbas dos apoios no âmbito do PRR dissemos que era um erro dois terços do PRR ir para investimento público e um terço para investimento privado. Logo a seguir, tivemos o exemplo que isso estava errado, quando se viu a adesão e a necessidade que houve do reforço de financiamento às agendas mobilizadoras. As agendas mobilizadoras são um dos melhores exemplos daquilo que andámos todos a dizer. A Fundação AEP tem trabalhado nessa matéria em termos de reflexão, naquilo que é o trabalho que deve acontecer entre o sistema científico-tecnológico e as empresas em projetos inovadores e o estímulo a projetos inovadores, a consórcios, a trabalho em rede, a trabalho em cooperação. As agendas mobilizadoras representavam, e hoje representam isso, mas vai demorar quase um ano a serem aprovadas. Mas mesmo assim foi necessário fazer um reforço significativo de verbas para as agendas mobilizadoras. Significa que os agentes privados, as instituições, têm capacidade, têm necessidade de mais apoios e são estes os apoios que fazem a diferença na competitividade das empresas. Trazem inovação, trazem investigação, trazem uma forma diferente de trabalho, de renda e de cooperação entre diferentes entidades e são estes que contribuem para o tal valor acrescentado de que falava há bocadinho, numa daquelas que são as prioridades que a AEP defende para o novo Governo. E isso fica, desde logo, demonstrado passado pouco tempo. Veremos se não vamos ter razão.
Defende uma maior flexibilidade do Banco de Fomento. Está a cumprir bem o seu papel?
Acho que ainda temos caminho a fazer. Parece-me que esta nova administração e daquilo que vamos acompanhando tem dado passos no sentido de tornar o Banco de Fomento mais ágil e de facto que cumpra aquilo que é a sua missão, mas, como sabemos, isto começou muito mal, demorou imenso tempo e esperamos que rapidamente venhamos a ter um Banco de Fomento que seja um banco que apoie as empresas, que apoie a atividade económica e que cumpra o seu papel, que não é o de competir com a banca comercial, com os bancos tradicionais, mas é um papel de poder, naquilo que são as falhas de mercado, ter produtos que sirvam às empresas e que as sociedades de garantia mútua tenham o seu papel ainda mais reforçado. Porque em muitos momentos as sociedades de garantia mútua foram fundamentais para as empresas, exatamente porque permitiram que a banca pudesse colocar dinheiro em empresas que, eventualmente, teriam um bocadinho mais de risco. E o risco tem de fazer parte do negócio. Se este risco for mitigado, naturalmente, criamos condições para que possamos ter mais instrumentos e melhores instrumentos de financiamento às empresas.
E o que é preciso para agilizar o trabalho do Banco de Fomento?
O Banco de Fomento tem duas tutelas, tem Ministério da Economia e Ministério das Finanças. E tem de ter instrumentos e tem de ter mais autonomia para poder desempenhar a sua função e não ter de estar à espera meses que seja autorizado o lançamento de uma linha de financiamento de capitalização às empresas. Isso é impensável, isso não é possível quando se quer um Banco de Fomento que seja ágil e que dê resposta, que esteja à espera que as tutelas autorizem. É preciso que o Banco de Fomento tenha mais autonomia, mais autonomia significa sempre mais responsabilidade, para que possa dar resposta e possa agilizar instrumentos de apoio às empresas. Por vezes, no passado, tivemos instrumentos de apoio às empresas, mesmo no período da covid e pós-covid, cujas linhas, além de demorarem a ser colocadas, aliás, ainda hoje há processos em atraso, há financiamento em atraso desde essa altura, os requisitos estavam completamente mal definidos, mal desenhados, em que, desde logo, limitavam o acesso para um conjunto de empresas que, de facto, precisavam desse apoio.
No Programa de Estabilidade, o Governo aponta para uma desaceleração das exportações deste ano de 4,2% para 3,1%, ainda assim acima dos 2,5% projetados em outubro na proposta do Orçamento do Estado para 2024. Parece-lhe uma previsão acertada?
Veremos. Ao nível das exportações, temos aqui dois ou três grandes desafios que temos de ultrapassar. E aqui o papel das associações empresariais é absolutamente fundamental. Nós temos uma base exportadora muito estreita ainda, por isso temos de alargar a base exportadora, temos de ter muito mais empresas a exportar e temos de exportar para mais mercados. Temos as exportações muito focadas no mercado europeu, cerca de 70% das exportações são para o mercado europeu. Quando temos hoje países de grande dimensão no mercado europeu em retração, o caso da Alemanha, o caso da Espanha, o caso de outros países, e quando vão grande parte das nossas exportações para a Alemanha, a Itália e a Espanha, o que significa o risco, isto demonstra o risco que corremos quando temos as nossas exportações muito concentradas neste mercado. Temos, por exemplo, a questão mais recente ao nível do têxtil com mercados que entraram ou diminuíram as importações, ou o calçado, para mercados como Estados Unidos, Canadá ou outros mercados, em que isto deu desde logo aqui um impacto forte naquilo que é o volume de exportações e em alguns setores em específico. Ou seja, precisamos de diversificar mercados para diminuir o risco.
É claro que isto exige um investimento contínuo de ir para esses mercados, de conhecer os mercados, de criar oportunidades nesses mercados e isto é um trabalho que tem de se continuar a fazer para que consigamos diminuir este risco de quando temos determinados mercados que entram em contração, termos alternativas. É claro que isto para um país com a nossa dimensão, para empresas com a dimensão que nós temos, quando temos esta base exportadora mais apertada, torna-se mais difícil. É por isso que ganhos de escala nas empresas é absolutamente fundamental para estes desafios.
E quais deveriam ser os mercados prioritários?
Os mercados prioritários dependem muito de setor para setor. Naturalmente que a Europa está aqui ao lado, é sempre aquele que é realmente mais fácil e com os países com a capacidade e com o desenvolvimento económico que a Europa tem, tem sido mais fácil. Agora, precisamos de explorar outros mercados. Outros mercados têm outros riscos, exigem outro investimento, exigem mais tempo e por isso é todo um processo que temos de ir fazendo. Agora, depende de setor para setor.
As associações têm um papel importante a desempenhar nesse processo?
As associações têm um papel fundamental, quando temos um tecido empresarial micro e pequeno, se não for nestas missões que as associações desenvolvem e já fazem há mais de 30 anos, naturalmente que vamos ter dificuldade em chegar lá. E por isso também é que o projeto da Rede Global da Diáspora, que a Fundação AEP tem vindo a desenvolver, é muito importante, porque temos já empresas registadas de 156 países, empresas portuguesas que estão nesses países. Temos portugueses registados de todos os países na nossa plataforma. E os portugueses que estão nestes países são, digamos assim, embaixadores, mas por outro lado também são pessoas, são pontos de contacto para que as nossas empresas mais pequenas, com produtos distintos das pequenas dimensões, mas que para nicho de mercado, possam chegar lá. Ou seja, é uma outra forma de podermos chegar a esse mercado. Mas também é uma forma de muitos portugueses que estão espalhados pelo mundo poderem investir no nosso país e também aqui criarmos novas oportunidades, novas empresas e outros investimentos. E por isso é fundamental que tenhamos este papel das associações ao nível das missões empresariais, mas também é fundamental que percebamos que com a Rede Global da Diáspora aumentámos em cerca de cinco milhões o número de portugueses e lusodescendentes espalhados pelo mundo. Se um país tem 10 milhões, isto é um crescimento significativo. E depois temos uma outra grande vantagem, é que os portugueses, nas comunidades onde estão, integram-se bem. E hoje temos portugueses muito bem posicionados, portugueses com empresas muito interessantes espalhadas por todo o mundo. E é este caminho que também temos de fazer face ao tecido empresarial que temos, de valorizar e explorar a diáspora portuguesa.
Em relação às exportações, o novo ministro da Economia foi ex-presidente da AICEP, portanto, é uma área que conhece bem. Mantém esse conselho ao Governo de atenção redobrada nesta matéria?
O ministro da Economia tem uma experiência pessoal que pode transportar para o cargo que hoje tem, sendo que o Governo, tanto quanto se sabe, trouxe novamente a AICEP para o Ministério da Economia, o que é um sinal de que, de facto, a economia irá dotar esta área do apoio às exportações. Com a experiência do Sr. ministro, como disse, acho que temos aqui condições para reforçarmos este trabalho, porque tem de ser um trabalho em contínuo, temos de continuar a apoiar as nossas empresas, encaminhar e levar as nossas empresas connosco nestas missões, porque é muito difícil. É muito difícil para as empresas irem para outros mercados e quando não se tem dimensão é mais difícil ainda, porque só com o apoio das associações empresariais, com estas políticas públicas para valorização das exportações, numa altura em que o PIB nacional pode ter alguns impactos, porque sabemos que cerca de 60% do nosso PIB é consumo, e depois, hoje as pessoas têm as dificuldades acrescidas que têm por todo o contexto que vivem. Temos cada vez mais que captar investimento, cada vez mais valorizar as exportações e cada vez mais diminuir importações, substituir por produção nacional, valorizar a indústria nacional, que é uma coisa que dizemos muitas vezes. Falamos em conceitos como a reindustrialização, mas depois não pomos em prática medidas em concreto para o fazer, e espero que este Governo o venha a fazer.
Especificamente sobre o setor do têxtil e do calçado, há empresas em dificuldades. O que é que se passa nestes setores?
Melhor que nós, as associações setoriais conhecem a realidade, mas daquilo que sabemos, há de facto empresas que estão com dificuldades, há empresas até a parar a sua atividade, é preciso também não esquecer que há hoje algumas mudanças ao nível dos hábitos de consumo e daquilo que as pessoas procuram, face àquilo que foi o desafio e a linha que alguns setores seguiram em termos daquilo que era a aposta em determinados produtos. Além daquilo que são as alterações que os mercados vão tendo e a contração que está a acontecer nalguns mercados, tudo isto em conjunto vai criar desafios novos, mas estou convencido que os nossos empresários, mais uma vez, naturalmente que com o apoio de políticas públicas e das associações empresariais, de entidades como a Fundação AEP, para refletirmos previamente sobre estes assuntos, sobre estas questões e criarmos novos instrumentos e formas de ultrapassar estes desafios. Acho que iremos continuar a demonstrar que somos um país que, apesar de não termos muita dimensão, temos gente de grande qualidade, temos empresários que cada vez mais conseguem competir à escala global e que têm afirmado Portugal no mundo.
Que outros projetos tem a Fundação AEP?
A Fundação AEP tem vindo a desenvolver um conjunto de projetos que pretendem revalorizar a coesão territorial, no sentido de valorizar o que cada território do país tem que o distingue, e que pode criar novas oportunidades para a gestão do território, mas também ser um ponto de atratividade para esse território. Aliás, o projeto chama-se Portugal por Inteiro, cujo desafio é pensar Portugal a partir dos territórios. Já fizemos alguns foruns, em parceria com Serralves. O primeiro foi Os Territórios e as Pessoas, com o professor Valente de Oliveira, o segundo Os Territórios, o desenvolvimento rural e Alimentação, com o professor Arlindo Cunha, o terceiro foi Democracia e Território, com o professor Luís Braga da Cruz, e estamos agora a fazer ações descentralizadas, começando com Vila Real. O primeiro foi os Territórios e Industrialização, com o engenheiro Miguel Pinto, o CEO da Continental. Esta é também outra forma da Fundação contribuir para o desenvolvimento do país, que é valorizando o que os territórios hoje têm e que os distingue e, por outro lado, criando condições para criar oportunidades. Se não fizermos isto, vamos ter territórios cada vez mais desertificados. Não havendo emprego, não há pessoas.
Identificaram alguns territórios?
Vamos fazer pelo país todo, ao nível de NUT III, e vamos, em cada uma das NUTS III do país. No Alentejo iremos discutir as questões da água, do regadio, noutras vamos discutir o turismo, e noutras iremos discutir outras questões. A Fundação está alicercada em quatro pilares: Portugal no mundo, Inovação e partilha do conhecimento, Empreendedorismo e Sustentabilidade e Responsabilidade Social. Já foi referido o projeto de partilha de conhecimento e um que teve uma face mais visível, que é o Fórum Produtividade e Inovação, com o Dr. Carlos Tavares, que levou à publicação de um livro com a designação Um Caminho para Portugal. Isto é feito em conjunto com a SEDES, vamos ter já mais um conjunto de seminários muito em breve, e este projeto é do pilar Inovação e Partilha do Conhecimento.
E na área do empreededorismo, o que fazem?
Temos o Empreender 45-60, para uma faixa da população específica. Há uma nova oportunidade na economia que vai surgir, que é a economia da longevidade. Com a evolução demográfica, com as pessoas a viverem mais anos, surgem aqui novas oportunidades em termos de serviços, de produtos, existe um novo tipo de consumidor, para a cultura, para outras áreas... Iremos fazer um seminário no Porto para a geração 50+, que é metade da população do país, e onde está alguma parte da pobreza e das situações mais complicadas.
E na sustentabilidade?
Temos a questão do desafio da sustentabilidade, com algumas talks que temos vindo a fazer, os Debates do Almoço, que é uma marca da Fundação, que agora se chamam Conversas na Fundação. Fizemos a primeira, na altura, com o ministro António Costa Silva, depois com António Lobo Xavier, sobre as questões da tributação do rendimento.
Quem são os próximos convidados?
Os próximos convidados serão Jorge Moreira da Silva, no final de abril, que vai falar dos desafios do desenvolvimento sustentável no contexto de crises globais, e depois iremos terminar a 20 de maio com a comissária europeia, Elisa Ferreira. O tema ainda vai ser definido, mas já está confirmada.