Lula sem bode

Publicado a

Gabriel Galípolo, 42 anos, bacharel em Ciências Económicas e mestre em Economia Política, será o novo presidente do Banco Central do Brasil, logo que supere, nos próximos dias, a formalidade de se apresentar a votação no Senado Federal.

Protegido por Lula da Silva, presidente da República, e por Fernando Haddad, ministro das Finanças, que o tratam como “menino de ouro”, espera-se que o atual diretor de política monetária da instituição, aja, quase sempre, de acordo com os interesses do governo no novo cargo.

E que Lula e Haddad tenham, portanto, uma dor de cabeça a menos com Galípolo sucedendo a Roberto Campos Neto, nomeado por Jair Bolsonaro – o Banco Central é, desde 2021, autónomo do poder executivo mas o seu presidente continua a ser indicado pelo Palácio do Planalto para garantir um mínimo de alinhamento político.

Campos Neto, 55 anos, foi descrito pelo atual presidente da República como “um cidadão que trabalha mais para prejudicar do que para ajudar o país porque não tem explicação a taxa de juro estar como está”, em referência aos 13,75% do instrumento de política monetária utilizado pelo Banco Central para controle da inflação ao longo de 2022.

“É importante saber a quem esse rapaz, que vive mais em Miami do que aqui, está submetido”, disse ainda Lula, “porque como é que ele vai a uma festa em São Paulo quase assumindo a candidatura a um cargo do governo? Cadê a autonomia dele?”, a propósito de uma homenagem feita por Tarcísio de Freitas, atual governador de São Paulo e provável candidato presidencial contra Lula em 2026 no lugar do inelegível Bolsonaro, na qual Campos Neto foi especulado como ministro das Finanças em caso de vitória da direita.

A esquerda em geral, não apenas Lula, fez coro a estas críticas lembrando ainda que Campos Neto votou em 2022 vestindo uma camisa amarela da seleção brasileira de futebol, o uniforme símbolo dos bolsonaristas.

Galípolo, entretanto, terá como principais tarefas gerir a polémica taxa de juro, hoje em 10,5%, controlar a inflação, em 4,5% e a subir desde março, administrar a taxa de desemprego, em 6,8%, potenciar o PIB, com crescimento previsto para 2024 de 2,43%, e segurar o dólar, que disparou 16% neste ano.

Além de uma última e ainda mais decisiva tarefa: provar-se independente do poder executivo, como manda a lei. Ou, por outras palavras, mostrar que não votou em 2022 com uma camisa encarnada do Partido dos Trabalhadores vestida por baixo do fato e gravata.

Já Lula, se a economia sob o seu governo continuar a crescer apenas timidamente como até agora, não tem razões para acusar a conjuntura internacional, porque o antecessor sofreu os efeitos da pandemia, não deve apontar o dedo ao Congresso, porque hostilizar o poder legislativo só prejudica a governabilidade, e agora já não poderá culpar o presidente do Banco Central.

Com o incensado Galípolo no lugar do desdenhado Campos Neto, o presidente da República até pode ganhar mais umas horas de sono mas perde um dos animais mais úteis para a sobrevivência de qualquer governante, o bode expiatório.  

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt