Luzes, cama(ra), trovão!

Os dias passam por Luang Prabang com uma paciência de avó. Fica-se a acreditar que o mundo é todo assim, uma perpétua sesta, um eterno sábado.
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Luang Prabang pôs o L em Laos. É linda, luminosa, luxuosa e lânguida. É uma espécie de Cascais no meio da Malveira da Serra, aninhada entre dois rios lentos, um dia límpidos, outro dia lamacentos. Luang Prabang é um chique. É um charme. E neste momento, é um charco.

Estou na cidade mais bonita do mundo. E desde que cá cheguei, já morreram três pessoas por causa das tempestades. Uma afogada, uma eletrocutada e uma trovoadada. Sendo que só posso sair daqui de barco, autocarro ou avião, acho que esta maravilha se acabou de tornar numa maldição.

Maio é o mês perfeito para quem quiser conhecer um deus pagão. O filme repete-se quase todas as noites. Primeiro chega uma ventania quente e, a partir do primeiro suspiro, o mortal tem coisa de 5 minutos para chegar ao bunker mais próximo. Então começa a chuva, que aqui não cai aos pingos, cai aos baldes. E é quando o quartito de cimento começa a abanar que percebemos que, se calhar, ainda vamos a tempo de aparecer no próximo telejornal. De repente, a luz da cidade vai ao ar. E é na escuridão ensurdecedora que ouvimos a primeira explosão. O céu parte-se e ilumina tudo por um segundo. A esta altura já estou debaixo da cama a pedir a extrema-unção.

Se há coisa que aprendi nos trópicos é que um mediterrânico não sabe o que é a natureza. Tremores de terra, erupções vulcânicas e tempestades a valer, só existem nos livros de ciências. Aqui, o barulho do trovão é tão forte que ignora o tímpano para ir diretamente ao coração. E, de repente, percebe-se o terror que os antigos deviam ter destes deuses. E reza-se a Zeus para não se demorar a dizer adeus.

Mas Luang Prabang acorda sempre triunfante e lavada. E antes de ser visão é já cheiro, perfume de Frangipani quente. E, em cada esquina, há uma esplanada bonita e branca, onde os croissants são baratos e o café, doce e intenso (o café do Laos ainda é melhor que o do Vietname). E a nossa única preocupação é escolher o que fazer primeiro. Ir às magníficas cascatas azul turqueza ou visitar os incríveis templos pintados? Ver o pôr-do-sol de barco pelo Mekong ou dar comida aos monges pela madrugada? Fazer uma aula de yoga no idílico café Utopia ou ir descobrir a próxima iguaria?

Sim, comer é sempre uma boa maneira de celebrar mais um dia de vida. Aqui em Luang, podemos variar entre a prostituição sanduíchica e a promiscuidade buffética, ambas por 1€. Também nos podemos dar ao desfrute da fruta e à doçura pasteleira pelo mesmo valor. Podemos até gastar dinheiro a sério, que aqui há mais opções que glutões. É um sonho.

Os dias passam por Luang Prabang com uma paciência de avó. Fica-se a acreditar que o mundo é todo assim, uma perpétua sesta, um eterno sábado. E é então que, no meio da calma quieta, chega um vento ardente... Oh não, vai começar o filme em 3, 2, 1, lá se vão as luzes... debaixo da cama e....TROVÃO!

Menos de um ano depois da despedida, Mami Pereira regressa às viagens. Não perca as Crónicas Asiáticas, todas as 5ª, no Dinheiro Vivo. Acompanhe também todos os passos da viagem no Facebook e no Instagram.

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