Maiores empresas exportadoras são dos setores que mais agravam o défice comercial

Petrogal é, desde 2011, líder incontestada nas importações (petróleo), mas também é a maior exportadora (combustíveis). Com a Autoeuropa, outro campeão do comércio internacional, acontece algo semelhante. Exporta muito, mas também compra forte ao estrangeiro.
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As empresas exportadoras de topo em Portugal pertencem aos setores que mais agravam o défice comercial, mostram dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) analisados pelo Dinheiro Vivo (DV).

Ou seja, muitas delas faturam largamente com as vendas ao estrangeiro, mas também são importadoras de alto calibre, podendo nalguns casos estar a contribuir muito para o défice comercial.

Portugal é um país deficitário há muitas décadas, importa sempre mais do que exporta e o ano de 2022 não foi exceção. Aliás, foi o ano do maior aumento deste desequilíbrio desde, pelo menos, 1993.

Contas do DV com base nos dados oficiais do Instituto Nacional de Estatística (INE), o défice comercial de Portugal face ao estrangeiro (considerando apenas comércio de mercadorias) disparou quase 60%: o desvio está agora nos 30 mil milhões de euros - o valor em importações que excede o das exportações.

Este défice agravou-se mais de 11 mil milhões de euros entre 2021 e 2022, altamente pressionado pelo custo galopante da energia e de matérias-primas alimentares (como cereais).

O setor dos combustíveis, onde estão campeões da exportação, como Petrogal (grupo Galp), foi o que mais contribuiu para a deterioração desse défice, com um desequilíbrio agravado em 5,8 mil milhões de euros.

O setor dos químicos e plásticos, também altamente exposto ao custo do crude, e onde está, por exemplo, a Repsol Polímeros, também foi grande contribuinte, tendo visto o seu défice agravar-se em mais 900 milhões de euros.

O setor do fabrico de veículos e outro material de transporte, onde figura o peso pesado Autoeuropa, piorou o seu défice em mais 1,3 mil milhões de euros.

Devido ao dever de sigilo estatístico, o INE não pode revelar valores importados e exportados por estas empresas. Apenas o lugar que ocupam nos rankings.

Mas sabe-se que as dez maiores exportadoras venderam menos em valor do que as importadoras, o que significa que há um défice quando se olha para o grupo do top 10.

Em 2021, este saldo até ficou relativamente equilibrado (com 11,5 mil milhões de euros, quer em exportações, quer em importações).

Com a crise de preços e energética que rebentou no ano passado, o grau de dependência das maiores empresas portuguesas do comércio internacional aumentou.

As exportações aumentaram quase 35% em 2022, para 15,5 mil milhões de euros.

Mas as importações das 10 maiores compradoras avançaram quase ao dobro daquele ritmo, cerca de 63% mais. As importações totais deste grupo de empresas chegaram assim aos 19 mil milhões de euros no ano passado.

O peso destas aquisições das dez maiores companhias no total importado ronda os 17%. No caso das exportações, o top 10 é responsável por 20% do total das vendas ao exterior.

Que empresas são

De acordo com informação enviada pelo INE ao DV, há mais de uma década, pelo menos, que o ranking das maiores exportadoras portuguesas é liderado por Petrogal (grupo Galp), Volkswagen Autoeuropa e Navigator Company. Em 2022, foram as empresas que mais exportaram, por esta ordem.

Desde 2011, a ordem verificada no ano passado foi variando, mas as três empresas garantiram sempre o seu lugar no pódio (três maiores) durante estes anos todos.

No entanto, há o reverso da medalha. Muitos destes campeões das exportações, também lideram o ranking das maiores importadoras.

Segundo a informação pedida ao INE, a Petrogal é, desde 2011, pelo menos, a líder incontestada entre as empresas que mais compram lá fora.

Neste caso, compra petróleo estrangeiro porque cá não há e cujo custo nos mercados internacionais disparou em 2022. O crude é a matéria-prima que a empresa depois refina em Portugal e exporta em forma de combustíveis.

Com a Volkswagen Autoeuropa acontece a mesma coisa. Exporta muito, mas também compra forte ao estrangeiro.

Exportadora de referência desde a sua fundação nos anos 90, a empresa de origem alemã ocupou, desde 2011, o primeiro lugar do ranking das exportações durante dois anos seguidos (2019 e 2020), tendo o resto do tempo segurado o segundo lugar do pódio.

As únicas exceções foram 2016 e 2013, anos em que baixou ao terceiro lugar, ultrapassada pela Navigator (antes de 2014, este produtor de pasta e papel denominava-se Portucel Soporcel).

Como referido, a Autoeuropa é também uma das maiores importadoras e, assim, também grande contribuinte para o crescimento enorme das compras ao exterior (que subiram mais de 31% em 2022), ocupando invariavelmente a posição 2 ou 3 dos rankings oficiais apurados pelo INE desde 2011.

Para fazer carros é preciso componentes e alta tecnologia. Alguma é produzida em Portugal, mas a maioria, não. Daí a forte dependência da economia, seja no setor automóvel, seja em muitas outras indústrias.

No ano passado, o segundo lugar teve uma estreia. A EDP Gem (antiga EDP Gás) tornou-se a segunda maior importadora nacional, puxada para este lugar cimeiro da lista por causa do choque nos preços da energia.

Outras duas empresas são presença habitual, desde pelo menos 2011, no ranking dos maiores importadores e não figuram sequer na lista dos exportadores. São ambas do retalho alimentar: Lidl e Pingo Doce. Em 2022, quinto e sexto maior importador nacional, respetivamente.

Défice pesa mais no PIB e reduz crescimento

O défice comercial português de bens está agora num nível recorde e o seu peso em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) foi, em 2022, o mais elevado desde o tempo do governo PS de José Sócrates, noticiou recentemente o DV.

Se há défice, significa que há mais importações do que exportações, logo, isso penaliza o valor do PIB, uma vez que as importações não são riqueza criada internamente na economia portuguesa. São valor acrescentado do estrangeiro.

O maior défice desde a crise da dívida

As contas do DV indicam que o rácio do défice comercial terminou o ano passado num valor equivalente a cerca de 13% do PIB anual.

É preciso recuar até 2008 para encontrar um grau de dependência externa maior face ao exterior. Há 14 anos, dois anos e meio antes da bancarrota, esse mesmo défice comercial chegou a ser de 14,2% da riqueza interna do país.

Atualmente, a força da inflação importada é extremamente elevada por via dos preços da energia, mas também porque outros bens também estão a ser adquiridos a custos muito elevados e nunca vistos na História recente da economia portuguesa. É o caso dos produtos alimentares, como já foi referido.

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