Os ganhos que a Bolsa portuguesa tem registado em 2021 têm vindo a emagrecer mas analistas antecipam que diversas empresas cotadas em Lisboa podem vir a tirar proveitos de algumas tendências. É o caso do aumento dos preços de energia e das matérias-primas.
"As empresas que compõe o PSI-20 são suscetíveis às alterações dos custos dos inputs (energia, matérias-primas, mão-de-obra, licenças), tal como todas as empresas no mundo", referiu Nuno Sousa Pereira, diretor de Investimentos da gestora de ativos Sixty Degrees. "Pela sua composição setorial, no entanto, constatamos que os setores energético/elétrico deverão de algum modo beneficiar, a longo prazo, com a subida de preço da energia", adiantou. Quanto à subida dos preços das matérias-primas, "o impacto deverá ser diferenciado de empresa para empresa, sendo que nem todas conseguirão passar a totalidade do aumento de custos para o consumidor".
Segundo uma análise da Maxyield-Clube dos Pequenos Acionistas, o crescimento anual do PSI-20 passou de uma subida de 17% no final de outubro para um ganho de 10,9% no fim de novembro.
Regista agora uma subida de apenas 8,5%. Do total, 12 títulos do PSI-20 apresentam uma variação positiva neste ano. Os CTT lideram atualmente as subidas com um ganho superior a 74%, seguidos da Novabase, com um ganho de 51%, da Sonae SGPS, com uma valorização de 42%, e da Jerónimo Martins, que sobe 37%.
A subida do principal índice da Bolsa portuguesa está aquém da registada pelos principais índices bolsistas de referência mundiais. O crescimento em 2021 do índice S&P 500 composto pelas maiores 500 sociedades cotadas na Bolsa de Nova Iorque (NYSE) foi de 22,4%, enquanto o STOXX 600, que agrega as 600 maiores cotadas europeias, foi de 16%.
Em Lisboa, sete cotadas fecharam novembro com uma descida no ano. A Pharol recua mais de 36%, a Mota-Engil e a EDP deslizam 12%.
Também nos resultados das empresas se notam melhorias. No total, as empresas do PSI-20 lucraram 1700 milhões de euros até setembro deste ano, mais 91% do valor registado nos nove meses de 2020, segundo a Maxyield. Falta ainda incluir os resultados da Novabase, Mota-Engil e Pharol, que não divulgam contas trimestrais. O ano passado ficou marcado por uma das maiores crises económicas de sempre, devido às medidas adotadas no combate à pandemia.
Preços de energia mais altos
Entre as cotadas em Lisboa, a Galp é vista a beneficiar diretamente da subida do preço do petróleo. "Por outro, empresas como a EDP e a EDP Renováveis (e a própria Galp) deverão poder vender energia de base renovável, a longo prazo, com um preço base mais elevado", destacou Nuno Sousa Pereira. Ressalvou que, "no curto prazo, alguns contratos de distribuição de preço fixo poderão prejudicar estas empresas, em especial a EDP e a Galp. Quanto às cotadas de outros setores, "nomeadamente as do setor industrial, como a Semapa, a F. Ramada, a Navigator ou Altri - talvez em menor proporção, pois têm alguma produção de energia a partir da biomassa -, sofrerão com o aumento destes custos, pois são indústrias que consomem grandes quantidades de energia".
No setor da distribuição, "o aumento do custo da energia terá maior implicação no transporte de mercadorias, conservação em frio e produção industrial de marcas próprias, mas deverá ser um aumento de custo marginal face à globalidade do negócio". O diretor da Sixty Degrees acredita que "os custos derivados da subida dos preços energéticos deverão ser passados para o consumidor final, à semelhança do que se passa a nível global". Acresce que as empresas portuguesas cotadas do setor da distribuição, "na sua maioria, possuem quotas de mercado elevadas, o que facilita a passagem destes custos". E, em Portugal, a subida da inflação foi moderada comparativamente aos restantes países da zona euro - 1,8% em outubro versus 4,1% na zona euro.
De olho nas matérias-primas e taxas de juro
No que toca ao aumento dos preços das matérias-primas, o impacto deverá ser diferenciado. "As matérias-primas, além de terem diferentes evoluções de preço consoante o tipo de produto, têm diferenças de disponibilidade em função da sua origem geográfica, em resultado dos atuais problemas ao nível das cadeias logísticas/distribuição", frisou Nuno Sousa Pereira. O aumento do preço das matérias-primas poder ser benéfico para empresas industriais, como a Semapa, a F. Ramada, a Navigator ou Altri. Mas "esse impacto positivo só se sentirá em pleno caso os canais de distribuição se mantenham funcionais e permitam que as matérias produzidas cheguem ao mercado de destino".
Nas empresas consumidoras de matérias-primas, como a Mota-Engil, esta poderá ver os materiais subirem de preço e essa subida vir a ser reconhecida nos contratos vigentes. "Este efeito também será negativo para todas as outras empresas com investimentos avultados em novos ativos - como a EDP-R, a EDP e a Galp que pretendem continuar a investir na produção de energia. Também a REN tem um plano de investimento para os próximos cinco anos para aumentar a capacidade da rede. Quanto ao fator escassez, "tem sido sobretudo sentido ao nível da produção do setor automóvel que não está representado em Bolsa".
Sobre o impacto de uma eventual subida das taxas de juro, poderá ser negativo por via de um potencial contágio, caso surja pessimismo em torno da dívida da República. "As empresas que mais dependem de financiamento externo, como a EDP, poderão ter um período em que o custo médio da sua dívida cresce", disse Nuno Sousa Pereira. Do lado positivo, o BCP pode beneficiar. "Na nossa opinião, a subida de taxas de juro na Europa é algo ainda longinquo, em especial quando se compara com os EUA, e será de menor dimensão", salientou.