A chegada da pandemia fez correr tinta sobre o salto para o teletrabalho e novos modos de organização nas empresas, mas a anunciada revolução não se concretizou, com a atividade remota a recuar em toda a linha um pouco por toda a União Europeia. Em Portugal, dois em cada três trabalhadores com funções executáveis a partir de casa estavam já nesta primavera de regresso ao escritório, sem qualquer opção sequer por soluções híbridas de teletrabalho. Só um em cada três realiza o potencial prometido.
As conclusões são da Eurofound, a Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho, que divulga esta quinta-feira os resultados do último inquérito às condições de vida e de trabalho nos 27, já na sua quinta ronda sob impacto da Covid-19, tendo até aqui recolhido respostas de 200 mil cidadãos europeus.
"A pandemia parece não ter espoletado a desejada e esperada revolução de trabalho a partir de casa, pelo menos não entre os respondentes do inquérito eletrónico, muitos dos quais estão novamente a trabalhar exclusivamente a partir das instalações do empregador", concluem os autores.
Portugal não é o pior posicionado. É apenas o 16º país com maior percentagem de trabalhadores capazes de produzir em casa e, ainda assim, de regresso ao local de trabalho, numa lista que é liderada por Croácia, Grécia, Bulgária, Eslováquia, Roménia, Malta, Espanha e Chipre, todos com mais de 70% de potencial de teletrabalho não realizado. Mas, entre os 27 são poucas as diferenças e a norma é a de uma proporção elevada de potenciais teletrabalhadores sem acesso a atividade de remota.
No caso português, se há mais de 60% de trabalhadores com pelo menos uma parte das suas funções suscetíveis a teletrabalho que agora realiza a atividade exclusivamente de forma presencial, por outro lado há também um quarto deles que realiza uma atividade totalmente compatível com o teletrabalho e para o qual também já não há opção remota.
As percentagens portuguesas ficam acima da média do bloco europeu, onde 57% dos que poderiam realizar parte das funções em teletrabalho estão sem qualquer atividade remota, e 23% dos que podem exercer atividade de forma totalmente remota mantêm trabalho exclusivamente presencial.
Os dados relativos às condições de trabalho numa União sob impacto da pandemia apontam também para que a generalidade dos países tenha assistido a recuperação de emprego entre quem o perdeu durante os severos confinamentos dos últimos mais de dois anos. Não é no entanto o caso de Portugal, onde se mantêm desde há um ano 15% de desempregados da pandemia entre os respondentes do inquérito, sem alterações, e também não é o caso de Finlândia, Países Baixos e Luxemburgo, onde a proporção de desempregados da pandemia aumenta nesta ronda do estudo da Eurofound.
Sem dados específicos por país, o documento assinala também que as famílias europeias estão atualmente a enfrentar maiores dificuldades financeiras "do que em qualquer outro período da pandemia" devido à escalada de preços na energia e outros bens. Estão também agora em maior risco de pobreza energética.
Segundo os dados, quase um terço dos inquiridos, 28%, refere dificuldades em fazer face às despesas mensais e diz ter pagamentos de contas de luz, água ou comunicações em atraso. Destes, 45% mostram-se preocupados com a possibilidade de não conseguirem fazer esses pagamentos de serviços básicos também dentro de três meses.
A deterioração da situação socioeconómica das famílias é acompanhada também de uma quebra de confiança nas instituições europeias e nos governos nacionais. Os dados por país mostram que Portugal, que há um ano liderava na confiança em relação à União, é agora apenas o quarto mais confiante do bloco quanto à atuação das instituições sob a cúpula de Bruxelas. O nível de confiança mantém-se ainda assim a rondar os 5,5 pontos numa escala de zero a sete, comparando com 4,4 pontos na média do bloco (4,6 pontos há um ano).
O nível de confiança nos governos nacionais não se encontra desagregados por país. Na média dos 27, está agora em 3,6 pontos (cerca de 3,9 pontos há um ano).
"Estes resultados revelam uma nova era de incerteza para a Europa, e devemos lembra-nos que o declínio de confiança ocorreu num período de relativa recuperação económica e descida no desemprego", sinaliza Daphne Ahrendt, da Eurofound. "É provável que a Europa enfrente crescentes desafios políticos e económicos nos próximos meses. Este estudo deve servir de chamada urgente à ação para que se trabalhe para melhorar a confiança, se envolvam cidadãos que se sentem marginalizados, e se cubram as necessidades básicas daqueles que sentem as pressões da inflação e da transformação social", diz.