Mais de um quinto das dívidas à Segurança Social em execução não existem ou prescreveram

Provedora de Justiça denuncia série de ilegalidades, caos e falta de meios nos processos de execução da Segurança Social perante "imparável aumento" de queixas.
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Mais de um quinto dos valores de dívida participados para execução pelo Instituto de Segurança Social acabam anulados ou declarados prescritos, num volume preocupante e que ficará aquém da realidade, segundo um relatório da Provedora de Justiça publicado ontem sobre aquele que é o maior motivo de queixas apresentadas ao órgão do Estado encarregado de zelar pelos direitos dos cidadãos.

Os valores que entram em processo de execução indevidamente - 300 milhões de euros em 2017 e 210 milhões em 2018 - são apenas parte de um extensa lista de problemas nas execuções fiscais levadas a cabo pela Segurança Social. Nesta, abundam exemplos de ilegalidades, "alheamento" da lei e dos direitos dos cidadãos.

É também referido como parte do problema um mecanismo de prémios, desde o verão do ano passado, que orienta as prioridades dos serviços responsáveis pelas execuções para que deem primazia a atividades com retorno - ou seja, a cobrança - havendo, por outro lado, processos de restituição de bens penhorados indevidamente que demoram "meses ou anos", segundo o relatório da Provedora, Maria Lúcia Amaral.

Há um "problema estrutural de desconhecimento - ou, pelo menos, de não reconhecimento - de direitos e garantias dos executados", refere o relatório elaborado a partir de inspeções a 11 das 22 secções de processo executivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS) e dos resultados de questionários enviados à totalidade das secções. A iniciativa, explica o documento, decorre do "imparável aumento do número de queixas" chegadas à Provedora. Foram 220 em 2018, e 242 já em 2019, constituindo a maioria das queixas tratadas pelo órgão que em 2016 abriu um processo sobre a matéria junto do IGFSS.

Segundo o documento, "apesar dos esforços desenvolvidos" desde então "não se registaram alterações significativas neste estado de coisas - no contínuo aumento, exponencial, das queixas relacionadas com a execução fiscal de dívidas à Segurança Social, a par do caráter reiterado e/ou grave das situações visadas".

Destas, o relatório da Provedora destaca "a morosidade excessiva no tratamento das oposições à execução, os atrasos no cancelamento de penhoras, a violação dos mínimos de impenhorabilidade e a instauração de processos de execução fiscal, por parte da entidade credora - o Instituto da Segurança Social -, sem que houvesse certezas de que os valores a cobrar eram efetivamente devidos", entre várias outras falhas sinalizadas no relatório.

"Deteta-se nos serviços visados algum alheamento (ou aparente sentimento de impunidade) em relação a normativos que tutelam os executados, passível de se agravar, neste enquadramento controvertido (que o potencia), com a recente aprovação de um sistema de recompensa dos trabalhadores do IGFSS pelos resultados obtidos na cobrança de dívida", refere o documento.

11 anos para anular uma dívida

Entre os exemplos citados no relatório, está o de uma dívida não exigível que entrou em execução e teve oposição do executado em 2008. Só em abril de 2019 é que o centro distrital da Segurança Social responsável comunicou a anulação da dívida apesar dos vários pedidos da secção de processo executivo do IGFSS através de "emails onde figurava a bold e sublinhado o saldo credor do contribuinte". Ao fim de mais de dez anos de espera, ia já em "quase meio milhão de euros".

Mas, são múltiplas as falhas apontadas. Desde a falta de recursos humanos (em média, um gestor de dívida lida com 3930 processos e só há 43 juristas a lidar com estes processo a nível nacional), à falta de condições de trabalho (em Leiria, trabalha-se sob 40 graus nos meses de verão) e ausência de um sistema de gestão integrada de processos e de comunicação entre os diferentes sistemas informáticos utilizados. Por exemplo, não há acesso por parte dos gestores de dívidas a informação atualizada da Segurança Social sobre dívidas que, entretanto, tenham sido repostas ou estejam a ser compensadas com deduções em prestações sociais a receber, e há e-mails que têm de ser fotocopiados e digitalizados para que possam ser juntos aos processos.

Juntam-se várias ilegalidades. Por exemplo, exigência de valores mínimos em planos de prestações, que a lei não prevê, ou a realização de penhoras por incumprimento de planos de prestações sem que haja notificação prévia para a regularização. Mesmo nesses casos, podendo a ilegalidade constituir motivo para restituição das penhoras, o relatório assinala que as orientações são para não devolver o dinheiro "em obediência à diretiva central de que, "enquanto houver dívida, não há restituição"". Outra situação é a ​​​​​​​não averiguação da existência de bens penhoráveis (nomeadamente, imóveis) antes de a dívida ser exigida a outros que não o devedor original.

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