O capital de uma marca decorre da capacidade que ela tem para acrescentar valor aos produtos e serviços que são vendidos sob a sua chancela. Essa capacidade depende da notoriedade, da imagem e do envolvimento, tanto funcional como emocional, que os clientes têm com a marca.
Há casos de marcas que possuem uma forte carga emocional - são as chamadas love brands. Algumas até dão origem à emergência de verdadeiras comunidades de consumidores unidos pela paixão que por elas têm. Apple e Harley Davidson são exemplos desse tipo de marcas tribais.
Contudo, o fenómeno inverso também pode ocorrer - isto é, marcas que congregam à sua volta, não comunidades de fãs, mas de opositores que partilham, não uma paixão, mas a antipatia que por elas sentem. Ryanair e McDonald"s são algumas das marcas que mais sofrem com este tipo de fenómenos de reação ao posicionamento que elas representam.
Curiosamente, o mesmo género de situações ocorre na política. Hoje, véspera da segunda volta das eleições presidenciais em França, vale a pena refletir sobre o que se passa com Marine Le Pen. Muito daquilo que é a sua proposta política assenta na aversão ou mesmo ódio ao establishment: é contra a NATO, é contra o Euro, é contra a globalização, é contra o combate coletivo às alterações climáticas. Isto é, uma grande parte daqueles que amanhã vão votar nela é constituída pelos insatisfeitos que até são capazes de reconhecer alguns defeitos na senhora, mas que estão dispostos a "perdoá-la" porque a aversão que têm ao atual estado de coisas é ainda maior.
Esta situação tende a estar na base de muitos movimentos populistas, sejam encabeçados por Le Pen, Trump, Bolsonaro ou Ventura. Aquilo que une os seus apoiantes não é tanto a paixão que sentem por esses líderes, mas o ódio que nutrem ao "outro", àquilo que lhes parecendo estranho funciona como bode expiatório para os seus males e dificuldades. Na Alemanha nazi o "outro" eram os judeus - agora o "outro" tanto podem ser os imigrantes como Bruxelas com tudo o que acarreta de integração europeia.
Curiosamente, o mesmo tipo de fenómeno revela-se no posicionamento que o PCP está a assumir em relação à invasão russa da Ucrânia. Por muitas justificações que os comunistas deem, já se entendeu que o partido não quer reconhecer o óbvio: que se trata de uma agressão totalmente injustificada de um país em relação a outro. E porquê? Porque o partido se coloca ao lado da comunista Rússia? Obviamente que não, pois o regime da Rússia de hoje está longe de poder ser catalogado de comunista. Isto até o PCP consegue entender. Que paixão move então os dirigentes comunistas para, de uma forma clara, se colocarem do lado da Mãe Rússia?
Aquilo que move os comunistas portugueses não é paixão - é aversão. É a aversão à NATO, é a aversão aos EUA, é a aversão ao Euro, é a aversão à democracia liberal. Não tenho dúvidas de que os comunistas portugueses não morrem de amores por Putin - mas também não tenho dúvidas de que a animosidade que sentem pelo establishment (do qual, aliás, beneficiam, quanto mais não seja pela liberdade de expressarem as suas opiniões) é ainda maior.
A Europa atravessa momentos difíceis. Momentos em que o ódio se manifesta de múltiplas formas: desde a agressão militar por parte de um país com tendências históricas imperialistas até opções políticas que encontram a sua raison d"être mais na aversão e repulsa do que na adesão e apoio a ideias e ideais.
Carlos Brito, professor da Universidade do Porto - Faculdade de Economia e Porto Business School