Margarida Vila-Nova. A atriz merceeira na vida real

Antes de vestir a pele de Leonor Trigo da novela Mar Salgado (SIC), Margarida Vila-Nova passa pelo menos duas horas a consultar os e-mails vindos do outro lado do mundo. Aproveita a diferença horária com Macau para, logo pelas sete da manhã, falar com a outra Leonor (a Matias) da sua vida: a gerente da loja Mercearia Portuguesa, que há três anos a atriz abriu em Macau com o marido, o realizador Ivo Ferreira.
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Nesse momento encarna o papel que tem sido exclusivamente o seu: o de empresária, dona das lojas Mercearia Portuguesa e Futura Clássica, o de distribuidora dos produtos Claus Porto para Macau, Hong Kong, Singapura e Taiwan e, desde dezembro, também do café Nicola para Macau.

O gosto de "fazer coisas" começou cedo. Tinha 20 anos quando lançou a Magníficas Produções, que produziu peças como Confissões de Adolescente ou Pedras Rolantes. Aos 28 anos era estrela de algumas das novelas de maior sucesso da televisão portuguesa, como Filha do Mar ou Tempo de Viver (TVI). Foi o momento de repensar a vida. "Tinha um contrato de televisão há sete ou nove anos, tinha já feito de boa, má, de rica e pobre. Sentia que o percurso que estava a fazer não era o que tinha sonhado", conta Margarida Vila-Nova. "Senti uma enorme necessidade de parar, de reestruturar a minha vida."

Durante um ano, ainda ponderou abrir com o marido um negócio em Lisboa. O último, uma churrasqueira. "Pensámos: "se andamos a virar frangos, vamos virá-los como deve ser"", diz bem-humorada. "Pensámos em vários negócios, mas nunca houve nenhum que nos tivesse apaixonado. Queríamos segurança, que esse negócio nos desse a liberdade de poder fazer os filmes, as peças de teatro, as novelas que fossem a nossa escolha e não uma imposição de sobrevivência", diz.

Numa viagem pelo Oriente, pararam em Macau. "O Ivo viveu lá durante quatro anos e quando lá chegámos pensámos: porque não um negócio aqui?", conta. "Estávamos muito zangados com Portugal: política, social, económica e culturalmente", revela. "Foi um misto de sentir que estava saturada do país onde vivia, que estava estagnada na minha profissão e que podia fazer muito mais coisas: porque é que um ator só pode ser ator?", questiona. Apesar da desilusão com o momento do país, depois "somos uns saudosistas do caraças" e a escolha do novo negócio acabou por recair numa loja de produtos tradicionais portugueses. "Em 500 anos de história ninguém se tinha lembrado disso. Hoje percebo porquê: dá um trabalhão."

Levaram um ano a definir o negócio, a preparar a imagem, a escolher o tipo de produtos que queriam vender. Viajou por Portugal para escolher os fornecedores. Catarina Portas, a fundadora de A Vida Portuguesa, deu também uma ajuda. "A Catarina conhece-me desde sempre, deu conselhos, dicas", conta. "A título familiar, foi uma consultora", acrescenta. Hoje é um dos cerca de 40 fornecedores da Mercearia Portuguesa. "Como diz a Catarina, somos lojas amigas."

Três anos depois, a Mercearia Portuguesa está em velocidade de cruzeiro. Mas no início não foi fácil. "Havia o complexo da atriz, do "ah! agora vão brincar às lojas, são artistas"", lembra Margarida Vila-Nova sobre o primeiro contacto com alguns fornecedores. "Pagávamos tudo à cabeça, não havia isso de faturas a 30 dias. Alguns fornecedores de artesanato tinham medo da contrafação, nunca tinham exportado", descreve. Depois, houve que estudar. Aprender sobre o negócio e os produtos. "Para mim ser merceeira é como ser atriz: como atriz vou para casa decorar um texto, preparar uma personagem; se vou vender uma conserva da Pinhais, tenho de saber a sua história, que foi fundada em 1920, que é ainda uma empresa de cariz familiar", explica. "Tenho de saber a história para vender o meu peixe", brinca.

Na Mercearia Portuguesa, os portugueses representam apenas 15% da faturação. Visitantes de Hong Kong - que "vão a Macau uma vez por mês jantar jogar nos casinos e fazer compras" -, mas também do Japão e de Taiwan são o maior número de clientes. E até já conhece os seus gostos. O japonês compra lenços dos namorados de Viana do Castelo, conservas de atum de Santa Catarina e produtos da Claus Porto. Já um cliente de Hong Kong opta por conservas de sardinha, cavala ou petinga - "mas sempre picante" -, e Bordallo Pinheiro. "É um público que segue tendências", diz. "Quando sabia que ia sair um artigo em alguma revista sobre a loja, fazia encomendas, que mesmo que fossem enviadas por avião e me custassem o triplo evitavam entrar em rutura de stock no dia em que o cliente chegava", diz.

Vender em Macau produtos made in Portugal não é uma desvantagem. "Quando percebem que o doce de abóbora é feito em Portugal, os clientes acham exótico. E isso é bom", garante. "A maior conquista da Mercearia Portuguesa foi criar uma identidade: culturalmente a imagem de Portugal estar representada nas andorinhas da Bordallo Pinheiro ou nas conservas de sardinha da Pinhais."

A loja também teve um impacto mais pessoal. "As minhas pazes comigo, com o meu país, com a minha cultura vieram através da Mercearia Portuguesa", diz. "Reapaixonei-me pelo meu país."

Há pouco mais de um ano, de mera vendedora de produtos da Claus Porto, Margarida Vila-Nova passou a ser distribuidora da marca de saboaria para Macau, Hong Kong, Singapura e Taiwan. Nasceu a Futura Clássica, um projeto com mais dois sócios (Carlos Machado e Rui Simões). O convite partiu da Claus Porto.

"A Futura Clássica é uma empresa de importação e exportação. A loja surge porque era necessário criar a marca Claus Porto na Ásia", diz. "Estamos a vender um produto de luxo, de produção artesanal. É um processo moroso e achámos importante criar uma montra da Claus Porto - a loja - para aparecermos em revistas de referência, à semelhança do que aconteceu com a Mercearia Portuguesa", afirma. A loja de dois pisos tem no segundo andar um barbeiro que trabalha com produtos Musgo Real (da Claus) e no piso térreo a loja propriamente dita. Em Macau, território da responsabilidade de Margarida Vila--Nova, "as vendas da Claus Porto subiram da ordem dos 40%". E já têm contratos fechados com lojas em Singapura.

Crescer "pelo menos 15%", os resultados a nível da distribuição da Futura Clássica é um objetivo para 2015. Colocar a Mercearia Portuguesa no segmento dos corporate gifts, mas também desenvolver a distribuição do café Nicola em Macau, que representa no território desde dezembro, também faz parte dos planos.

Depois, "temos um projeto, mais uma vez a representar produtos portugueses, com investimento chinês. Um namoro para arrancar no próximo ano", diz. Pormenores, só no próximo episódio.

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