Martins da Cruz: Portugal teria ficado isolado se não apoiasse entrada da Guiné Equatorial

O antigo ministro dos Negócios Estrangeiros António Martins da Cruz considerou esta quarta-feira que se Portugal não concordasse com a entrada da Guiné Equatorial na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) teria ficado "isolado no seio da organização".
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Em declarações à Lusa, o antigo responsável pela política externa portuguesa no mandato de Durão Barroso explicou que "se Portugal não concordasse com a entrada da Guiné Equatorial ficaria isolado no seio da CPLP", mas rejeitou a ideia de ter sido obrigado a aceitar.

"Portugal não foi obrigado a aceitar, foi traçado um roteiro para a Guiné Equatorial cumprir, e eles cumpriram, segundo o secretário executivo da CPLP, que foi encarregado de fiscalizar o cumprimento desse roteiro, e segundo todos os ministros dos Negócios Estrangeiros da CPLP, incluindo o português, na reunião de ministros em Maputo", em fevereiro.

Questionado sobre os principais argumentos apresentados pelos que discordam da entrada do país na CPLP - direitos humanos, pena de morte, ausência do português na língua falada, exclusão social apesar da grande riqueza do país, perseguição aos opositores políticos, processos judiciais contra governantes no estrangeiro, entre outros -, Martins da Cruz respondeu que "nenhum desses argumentos é um argumento de política externa", e rebateu de seguida algumas das críticas mais frequentes.

"Sobre a pena de morte, a Guiné Equatorial comprometeu-se perante o Conselho dos Direitos Humanos, nas Nações Unidas, e não perante as ONG portuguesas, e estabeleceu uma moratória, portanto não aplica", disse o antigo diplomata.

Quanto ao respeito pelos direitos humanos, acrescentou: "Não vi todos esses seres bem pensantes que agora fazem essa argumentação preocuparem-se muito quando num país chamado Guiné-Bissau o Presidente da República foi morto à catanada diante da sua família, e a Guiné-Bissau tornou-se num narco-Estado com uma ditadura militar, e ninguém se preocupou nessa altura".

Lembrando que a pena de morte existe nos Estados Unidos, país "sobre o qual repousa na NATO a defesa de Portugal", e também na China, "país que até recebeu recentemente a visita do Presidente da República e cujos investimentos em Portugal são apreciados por toda a gente", Martins da Cruz sublinhou que se Portugal apenas se relacionasse com os países com a mesma ordem constitucional, seriam muito poucos os Estados com quem Portugal teria relações diplomáticas.

De resto, lembrou que a Guiné Equatorial faz parte da francofonia e afirmou: "Que eu saiba, a França nunca se opôs à entrada... A França, país que inventou os direitos do Homem em 1789, não se opôs, antes aplaudiu, a entrada da Guiné Equatorial na francofonia, onde aliás continua".

Estes argumentos, enfatizou, "não são poeirismos tropicais bem pensantes", para sublinhar que "a política externa não se faz com estados de alma".

Sobre a questão da ausência do português entre as línguas faladas pelos habitantes da Guiné Equatorial, Martins da Cruz deu o exemplo de Moçambique, que pertence à Commonwealth, e da Guiné-Bissau, que pertence à francofonia: "Que eu saiba, os macuas não falam inglês e os balantas não falam francês".

A adesão a estes grupos explica-se porque "a CPLP está a fazer exatamente o mesmo que outras organizações internacionais fazem, que é alargar o perímetro da sua influência, admitindo países que não foram membros fundadores".

A Guiné Equatorial foi hoje aceite por consenso como membro de pleno direito da CPLP, sem que tenha havido uma votação, disseram fontes das delegações de Portugal e do Brasil.

Fonte da delegação portuguesa disse aos jornalistas portugueses que "houve um consenso generalizado" favorável à entrada da Guiné Equatorial, mas também um "debate intenso", suscitado por Portugal, na sequência do qual ficou combinado que o Presidente deste novo membro da CPLP, Teodoro Obiang, deve explicar os passos já dados e previstos para cumprir as condições de adesão.

Por sua vez, fonte da delegação brasileira, questionada pela Lusa, afirmou que os Estados-membros da CPLP "decidiram incorporar" a Guiné Equatorial, não tendo havido uma votação, mas "uma formação de uma opinião geral", que envolveu um debate: "As pessoas discutem, colocam os seus problemas, as suas visões".

Esta decisão foi tomada na sessão restrita da X Cimeira da CPLP, que decorre em Díli, Timor-Leste.

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