E começámos todos a discutir quem são todos. Estive lá, quando o Papa nos fez repetir três vezes que na Igreja há lugar para todos, como se fossemos crianças pequenas que se esquecem de arrumar o quarto, fazer os trabalhos, lavar os dentes. Oiçam bem e decorem, que isto é fundamental: todos é todos sem uma única exceção. Falou com urgência quando disse isto, aflito que não estivéssemos a perceber. Assim, dito assim, parecia óbvio e a multidão repetiu com entusiasmo as três vezes, como se estivéssemos às portas de Jerusalém a aclamar a entrada de Jesus no Domingo de Ramos. Sempre o número três - foi assim com o Pedro, foi ao terceiro dia e são três as Pessoas da Santíssima Trindade.
Saídos dali, ainda Marcelo andava à volta do Papa, começou a discussão do todos. Todos mas...Todos se... Todos por etapas... E cada um reclamava o seu entendimento sobre quem são todos, de que modo se acolhem todos, o que quer dizer "lugar para todos". Também Pedro e Paulo discutiram sobre este tema já lá vão 2 mil anos, diz que foi discussão séria. A mulher adúltera, os judeus, os cobradores de impostos, etc., etc.. E dois mil anos depois continuamos na mesma. Pois a verdade é que esta é a regra mais difícil de engolir. "Desculpe, Sua Santidade, mas antes de se ir embora pode definir todos? É que eu conheço muita gente que não dá mesmo...". Foi o que apeteceu perguntar quando aquele descolou.
Quem são todos? Quem é que me incomoda que partilhe comigo o banco na missa? Será que ninguém ou há alguém que eu acho que não devia ali estar, que não é digno de rezar comigo ou como eu? Pessoas para as quais eu olho de cima para baixo, mas não é para ajudar a levantá-las, mas sim, porque as acho de fora, fora de todos, indignos?
Ora, nesses todos, assim para começar, estão incluídos os que desconfiam de que a Igreja deva acolher todos. Os que se acham donos do sagrado. Estão incluídos aqueles que defendem que só devem partilhar a mesma fé com quem antes de ser acolhido se reconhecer como indigno, como pecador. Estão incluídos todos os fariseus do mundo.
Todos são os que comungam de pé, sentados ou de joelhos, que se confessam diariamente ou que nunca o fizeram. São os que não querem moldar a Igreja à sua vida e os que se sentem parte de um corpo vivo. Fazem parte deste grupo todas as pessoas do mundo que desconfiam dos sacramentos, assim como os que acham que os sacramentos, os ministérios, são como recompensas concedidas aos bem comportados. Os paternalistas e os reformadores, os arrogantes e os agitadores, os céticos e os beatos fazem parte desse todos.
A verdade é que todos é muita gente. Gente a mais para os nossos pequenos mundos. Quando o Papa fala em todos explica que não é preciso visto para entrar, muito menos condições, regras, ou currículos de boas ações. É como um apelo à imigração em massas, sem campos de refugiados, sem primeiras e segundas classes, sem botes que se afundam no meio do mar. Sem terem de responder à pergunta de onde vens.
Venham, que aqui cabem todos, foi o apelo das JMJ. Cada um, depois, escreve o seu percurso, faz o seu caminho sem guardas alfandegários e sem a rigidez dos serviços de estrangeiros e fronteiras. Entrem e vamos caminhando, com mais ou menos quedas, resistências, desistências, escuridão ou claridade. Mas entrem, conheçam, partilhem e caminhem. Aproveitem o tempo que temos. E entretanto é preciso ter cuidado com a vaidade disfarçada de amor. Apenas sem ela, sem a corrosiva vaidade, é possível definir quem são esses todos.
Inês Teotónio Pereira, jurista