Matar o Alojamento Local: Comunismo e Populismo

Publicado a

Tornou-se pública a intenção do Governo de disparar "artilharia" contra o alojamento local, ao denunciá-lo como uma das causas da crise na habitação. Vasco Gonçalves anda, outra vez, por aí.

Após o duro golpe provocado pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que, na prática, inviabilizou o alojamento local em condomínios, somos agora confrontados com a proposta de suspensão de emissão de novas licenças até ao ano de 2030. O intervencionismo soviético não faria de forma distinta.

Em sede própria aferir-se-á da constitucionalidade dessa medida, ao não ignorarmos que ela, efetivamente proibindo o exercício de uma atividade económica, representa uma grave preterição da iniciativa privada (art. 61.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa). É uma medida, indubitavelmente, comunista.

O primeiro efeito perverso das propostas do Governo já é detetável: receosos da entrada em vigor dessa proibição, vários empresários e particulares atropelam-se numa verdadeira corrida ao licenciamento. Nos Estados Unidos é sabido que os registos de aquisição de novas armas de fogo aumentam consideravelmente sempre que são anunciadas medidas restritivas ao porte de arma... O Governo (aqui personificado na inexperiente Ministra da Habitação) não pode, pois, alegar estupefação perante o aumento exponencial de pedidos de emissão de licenças.

O segundo efeito perverso também não passará despercebido a um olhar atento. Ao obviar-se à emissão de novas licenças durante quase uma década, monopoliza-se o mercado nos estabelecimentos de alojamento local já existentes, ferindo-se de morte o princípio da livre concorrência. Acresce ainda a proposta de agravamento do enquadramento fiscal, a qual certamente afastará pequenos empresários e particulares - ou seja: aqueles que menor capacidade económica têm para absorver o acréscimo sardónico de encargos tributários - do alojamento local.

Se o objetivo do Governo for o de promover a cartelização do mercado num número diminuto de grupos empresariais, só podemos elogiar a eficácia e irrepreensibilidade das medidas apresentadas.

Esquece-se o Governo que foi através do alojamento local que muitas famílias de classe média conseguiram superar os efeitos nefandos da crise económica de 2008 e garantir a rentabilização do seu património imobiliário. Contrariamente à indústria hoteleira, hoje dominada por multinacionais ou por modelos assentes em mão-de-obra barata, preside ao alojamento local uma lógica peer to peer, no quadro daquilo que economistas e sociólogos identificam como a economia de partilha. Em tese, os rendimentos obtidos através da exploração de estabelecimentos de alojamento local enchem os cofres de famílias portuguesas e não as contas de empresas estrangeiras. Pretenderá o Governo que se fechem hostels para em seu lugar se abrirem hotéis?

Talvez haja um fundo de verdade quando se afirma que a economia portuguesa está excessivamente dependente do turismo, com toda a contingência e sazonalidade que lhe é característica. Nem se coloca em causa que seja o turismo a força motriz que seduz as famílias e empresários portugueses a recorrerem ao alojamento local enquanto fonte de rendimento. Contudo, a incapacidade de atração de investimento externo e de retenção de talento nacional, motivada pela mediocridade e falta de visão estratégica das políticas governamentais, não permite a transação para uma economia que garanta melhores postos de trabalho, empresas portuguesas mais competitivas e, concomitantemente, salários mais elevados.

Perante a economia que temos, as famílias portuguesas obtêm o sustento que podem. Coartar o alojamento local é retirar-lhes esse sustento e entregá-lo de bandeja a grupos económicos estrangeiros.

Carecemos urgentemente de um novo Governo que entenda que não é a empobrecer os portugueses que se dará resposta aos problemas estruturais do país.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt