O défice público português deste ano deverá ser ainda mais baixo do que a meta de 1,9% do produto interno bruto (PIB) prevista pelo ministro das Finanças, Fernando Medina, no Orçamento do Estado de 2022 (OE2022), estima a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), num estudo divulgado esta quarta-feira.
Mas a retoma da economia em 2022 será inferior ao esperado há seis meses (5,4% em vez de 5,8%) e o ritmo da expansão portuguesa deve colapsar para menos de metade no ano que vem (1,7%, três vezes menos), num ambiente em que a inflação mais do que triplica (6,3% agora em vez dos 1,7% previstos em dezembro), avança a OCDE no novo panorama económico (outlook) sobre as mais de três dezenas de países desenvolvidos do mundo.
A análise a Portugal sugere que este ano até é relativamente favorável, mas há problemas sérios no horizonte, tendo em conta a necessidade de recuperar do impacto duro da pandemia, muito explicado pelas interrupções no turismo.
Embora tenha sido revista em baixa, a previsão de crescimento real do PIB avançada pela OCDE para este ano (5,4%) continua a ser mais otimista do que a do governo, no OE2022 (4,9%).
Diz a entidade baseada em Paris que o turismo parece estar a reanimar, mas o resto, como o consumo interno, o investimento e a aderência dos fundos europeus estão mais lentos face à urgência do momento. Juros e energia começam a pesar.
Mesmo com a economia a crescer mais de 5% este ano, o consumo das famílias é revisto em baixa, o investimento também. As exportações contrariam a tendência e avançam mais do que o previsto em dezembro pela OCDE.
Preços subestimados
Problema: a inflação muito alta veio baralhar as contas e o poder de compra interno e a capacidade das empresas; e começa a causar estragos num país ainda muito endividado e dependente do petróleo e energia importados.
Recorde-se que o governo de António Costa concedeu aumentos à função pública de 0,9% este ano (inflação prevista para 2022 em outubro de 2021). Em abril passado, na segunda proposta de Orçamento do Estado de 2022 (entretanto aprovado), a previsão de subida dos preços este ano engordou para 3,7%.
Como referido, face ao outlook de dezembro, a OCDE prevê agora que o produto interno bruto (PIB) de Portugal cresça 5,4% em termos reais, um pouco menos do que os 5,8% de há seis meses.
Em comparação, a zona euro avança muito menos (2,6%). A guerra na Ucrânia está a complicar o crescimento em muitos países (Portugal é referido como relativamente menos dependente da energia do leste), sobretudo os que estão mais expostos ou dependentes face à energia da Rússia.
Daí, a Alemanha, a maior economia do euro, só avançar 1,9% pelas contas da OCDE. É um problema para a Europa e para Portugal em particular porque os alemães são dos maiores parceiros económicos do País como investidores e clientes.
Declínio generalizado, mas contas públicas bem amarradas
Mas em 2023, mesmo com fundos europeus, área onde a OCDE também nota problemas e atritos no arranque, a vaga da retoma portuguesa perde mesmo muita força: a organização estima um avanço de apenas 1,7%, uma décima mais do que a média da zona euro (1,6%). Ainda converge, mas num quadro de declínio rápido e acentuado.
No entanto, a instituição agora liderada pelo australiano (nascido na Bélgica), Mathias Cormann, destaca a forte redução do défice português, que deve cair para um equivalente a 1,5% do PIB, abaixo dos 1,9% do OE2022 recentemente aprovado pelo Parlamento. E, mesmo sem novas medidas, em 2023 o défice ainda recua mais (para 1,1%).
O peso da dívida pública, um indicador decisivo já que Portugal é um dos líderes da OCDE e da Europa neste ranking problemático, também deve baixar bastante.
A instituição prevê 120% do PIB em 2022. As Finanças atiram para 120,7% no final deste ano. Apesar do esforço, Portugal continua entre os mais endividados.
"Ritmo da retoma está a abrandar"
A economia parece estar num estado de bonança temporária em 2022 puxada pelas exportações, especialmente pelo motor chamado turismo. Mas a OCDE considera que pode ser de pouca dura.
"Um forte crescimento do consumo privado e uma recuperação do turismo apoiaram o crescimento do PIB no início de 2022. No entanto, o ritmo da retoma está a abrandar por causa da incerteza elevada, do aumento dos preços das matérias-primas e da energia e da queda nos salários reais", afirmam os peritos.
"Embora Portugal tenha poucos laços comerciais diretos com a Rússia e a Ucrânia, a guerra está a perpetuar aumentos nos preços da energia e dos alimentos, aumentando a incerteza e pesando sobre a atividade."
"As taxas de juro das Obrigações do Tesouro a dez anos aumentaram cerca de 150 pontos de base desde o início de janeiro" e "as medidas para amortecer os efeitos dos custos mais elevados da energia têm um impacto líquido no orçamento público de 2022 de 1,1 mil milhões de euros (0,5% do PIB)", anota a OCDE.
Fundos e subida dos juros levantam dúvidas
Por último, mas não menos importante, surge o uso efetivo dos fundos europeus para remodelar a economia e relançar o crescimento e o emprego. A OCDE está com muitas dúvidas.
"A primeira fase da despesa [alicerçada nos fundos do Next Generation EU, onde cabe o PRR - Plano de Recuperação e Resiliência] já está totalmente contratada, apesar dos riscos de atraso dado o montante significativo das verbas".
Mas no entender da OCDE, esses "atrasos" ameaçam já a retoma. Dá como exemplo "o atraso nas despesas dos fundos da UE ou a sua erosão em termos reais devido à inflação mais elevada" e o "aumento das taxas de juro que pode reduzir empréstimos bancários e limitar a capacidade de fazer despesa pública".
A par disto, "o turismo pode recuperar com mais força do que se espera", mas "o preço do petróleo pode vir a travar a procura por viagens internacionais", remata a organização.