O valor em depósitos do Estado (que conta como dívida pública) deverá cair quase o dobro este ano face ao previsto antes da segunda versão do Orçamento do Estado (OE2022), que foi aprovada no passado dia 27 de maio.
João Leão, ministro das Finanças até final de março, tinha um plano para usar 500 milhões de euros do chamado cofre (onde o governo centraliza as verbas de tesouraria por motivos de segurança orçamental).
Tudo considerado, a utilização desse dinheiro (que evita diretamente ter de ir buscar mais crédito aos mercados) daria uma redução líquida de 7% na referida almofada financeira do Estado, baixando-a assim de 8,8 mil milhões de euros no final do ano passado para perto de 8,2 mil milhões de euros no final deste ano.
O seu sucessor, o atual ministro das Finanças Fernando Medina, resolveu acelerar este processo, num contexto que se tornou mais incerto e arriscado para as suas metas de execução orçamental por causa da inflação e da guerra contra a Ucrânia.
Alta inflação, um ambiente que parece caminhar para uma nova crise económica (há países onde já se fala de nova recessão, como os Estados Unidos) e um fardo de dívida dos mais elevados do mundo desenvolvido tornam Portugal num dos países mais vulneráveis neste panorama de subida de taxas de juro por parte do Banco Central Europeu (BCE).
Esta pode ser mais rápida até do que se diz e começar já em julho, segundo deu a entender já a própria presidente do BCE, Christine Lagarde, de modo a garantir que a inflação europeia não entra em espiral ascendente.
No que toca ao cumprimento das regras da disciplina orçamental europeia plasmadas no Pacto de Estabilidade, Medina diz a Bruxelas e à comunicação social que Portugal vai continuar a ser bom aluno, reduzir ainda mais défice e continuar a baixar a dívida, que no final do ano passado equivalia a mais de 127% do produto interno bruto (PIB).
Mesmo com o rácio a cair desses 127% para 120,7% do PIB no final deste ano (o plano de Medina para brilhar em Bruxelas e continuar nas graças das agências de ratings, juntamente com a compressão do défice para 1,9% do PIB), significa que a dívida em si continua a aumentar, de 269 mil milhões de euros em finais de 2021 para 274 mil milhões no final deste ano.
Mais economia, menor peso
O rácio desce desde que a economia continue a aumentar de tamanho em termos nominais. O pior é que isto não acontece e se a inflação empurra a economia para uma contração, estagnação ou um crescimento nominal débil.
Neste caso, o fardo da dívida pode não descer tanto quando se prevê. Bruxelas já disse que recomenda mais um ano de isenção para os países cumprirem as regras mestras do Pacto (défice abaixo de 3% e dívida a cair de forma sólida até chegar aos 60% num prazo de 20 anos), Medina disse que concordava, mas que não seria preciso porque Portugal está no bom caminho.
De acordo com a mais recente apresentação a investidores (de 16 de maio de 2022) da agência que gere a dívida pública portuguesa (IGCP), Medina pode estar a prevenir para não ter de remediar mais à frente.
A utilização de depósitos prevista para este ano sobe para cerca de 900 milhões de euros e baixa o dinheiro parqueado (posição de liquidez ou tesouraria estatal) para 7,8 mil milhões de euros, o valor mais baixo desde 2019, segundo o levantamento feito pelo Dinheiro Vivo a partir dos dados oficiais das Finanças/IGCP. É uma redução anual significativa também, superior a 11%.
Pressões para subir e descer
Segundo o Banco de Portugal, a entidade responsável pelo apuramento da dívida, no final de abril, "a dívida pública, na ótica de Maastricht, aumentou 3 mil milhões de euros, para 279 mil milhões de euros". Ou seja, já está claramente acima da meta definida pelas Finanças para 2022 (os já referidos 274 mil milhões).
O acréscimo em abril "refletiu, essencialmente, emissões líquidas de títulos de dívida no valor de 3,5 mil milhões de euros, sobretudo títulos de dívida de longo prazo (2,3 mil milhões de euros)".
Recorde-se que este ano, Portugal já recebeu do mecanismo de apoio ao emprego da pandemia (SURE) cerca de 518 milhões de euros, que acumulam com o já recebido desde 2020. Este apoio é dívida e ascende já a 6 mil milhões de euros.
Em cima disto, a vertente empréstimos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Por esta via, Portugal já assumiu dívida (muito barata, é certo) de 351 milhões de euros este ano.
Na próxima quarta-feira, o IGCP vai ao mercado buscar mais 500 a 750 milhões de euros (nova dívida) através de um leilão de obrigações do tesouro com maturidade em outubro de 2031.
Mas há operações que desagravam a dívida. O banco central governado por Mário Centeno refere que "em sentido contrário, registou-se uma amortização parcial de empréstimos do Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira (MEEF), em 500 milhões de euros".
E em outubro próximo, o Estado prevê amortizar mais uma mega obrigação (desta feita, herdada do governo do PSD-CDS, de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas). A 15 de outubro, os contribuintes pagam aos credores, de uma assentada, 8,4 mil milhões de euros na referida operação.
(Atualizado a 7/6 com a retificação de que o nível de depósitos do Estado previsto para 2022 é o menor desde 2019 e não dos últimos sete anos (desde 2015), como referido inicialmente)