A Medway vai investir 93 milhões de euros para conquistar o mercado ibérico de transporte ferroviário de mercadorias. A aquisição de 16 novas locomotivas elétricas e de 113 vagões foi assinada nesta sexta-feira em cerimónia realizada na Doca de Santo Amaro, em Lisboa. A "compra massiva de locomotivas" tinha sido anunciada pelo presidente do conselho de administração da empresa, Carlos Vasconcelos, em entrevista ao Dinheiro Vivo em julho de 2020.
A operação também permitirá à Medway devolver as cinco locomotivas alugadas à CP desde 2016, aquando da privatização do negócio de transporte de mercadorias (ex-CP Carga). O contrato de aluguer termina no final de 2023 e envolve as locomotivas 5600, as mesmas que rebocam as carruagens do serviço Intercidades.
As novas locomotivas da Medway começarão a chegar entre o final de 2023 e o primeiro trimestre de 2024. Depois disso, o material será entregue progressivamente - por um período de dois anos - e será fabricado pelos suíços da Stadler, que também têm a encomenda dos 22 novos comboios regionais para a CP, a partir de 2025.
"As locomotivas Stadler foram escolhidas por causa da sua capacidade de tração, do preço e características técnicas como durabilidade e fiabilidade", destaca ao Dinheiro Vivo o presidente da Medway. O novo material da Stadler tem 6170 kW de potência (8274 cavalos) e poderá circular nas linhas ferroviárias de Portugal e de Espanha. O concurso internacional incluiu a procura de material circulante na China, assume o empresário. Mas a decisão final ficou numa fabricante europeia.
A aquisição de novas locomotivas foi um processo prolongado por causa do futuro do sistema Convel (de assistência ao maquinista) e da respetiva comunicação de segurança entre as locomotivas e a restante rede ferroviária, conforme alertou Carlos Vasconcelos em julho de 2020.
O investimento de 93 milhões - que conta com o Banco Europeu de Investimento como um dos financiadores - inclui a compra de 113 vagões à empresa eslovaca Tatravagónka.
Com a aquisição e depois de devolver o material à CP, a Medway passará a contar com 80 locomotivas e 3030 vagões.
Concluído o reforço da frota, a Medway praticamente vai deixar de usar material diesel nos seus serviços ibéricos, com exceção, por exemplo, do ramal que serve as minas de Neves-Corvo.
Atualmente com 20% da quota de mercado em Espanha, a transportadora encontra no país vizinho "a grande zona de expansão" e onde é possível "atrair carga da rodovia para a ferrovia". Em Portugal há menos oportunidades, embora "perspetivem-se alguns negócios, como o minério de Moncorvo e a eventual exploração de lítio, em que estamos interessados".
O reforço do material elétrico ganha importância numa altura em que a subida do preço dos combustíveis "está a aumentar os custos" à transportadora. "Com a grande generalidade dos clientes temos fórmulas de repercutir os aumentos e as reduções do custo do gasóleo porque temos uma indexação dos preços à sua flutuação. Ou seja, quando o gasóleo está mais barato, o cliente paga menos, e vice-versa", assinala Carlos Vasconcelos.
O assunto muda de figura na hora de pagar a conta da eletricidade. "Somos obrigados a comprá-la através do contrato que existe entre a CP e a IP, que nos fixa preços para todo o ano. Na negociação do contrato para 2022 vamos sentir o aumento dos preços", lamenta o empresário.
A Medway defende liberdade para as transportadoras. "Temos sensibilizado a tutela e a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT) para que no médio prazo cada operador ferroviário possa comprar a eletricidade ao fornecedor que entender. Assim, poderemos baixar os preços aos nossos clientes."
Outra das batalhas da transportadora tem a ver com as "portagens", que, no caso da ferrovia, correspondem às tarifas de utilização da infraestrutura, pagas à Infraestruturas de Portugal. Carlos Vasconcelos defende igualdade de tratamento para as linhas ferroviárias do interior, assim como acontece com os descontos nas antigas autoestradas sem custos para o utilizador (ex-SCUT).
"Os descontos nas ex-SCUT por questões de coesão territorial fazem todo o sentido e são uma opção do país. Então, se as vias férreas são um fator de coesão social e territorial também devem ter exatamente os mesmos descontos da rodovia. O discurso não pode ser esquizofrénico: não se pode querer transferir as cargas da rodovia para a ferrovia e uma economia mais verde e depois põem-se custos superiores na ferrovia aos da rodovia", assinala o empresário.