Melhor cannabis, mais impostos

A cannabis que se vende na rua é miserável e não paga imposto. Se com a segunda afirmação ainda é possível simpatizar, com a primeira não.
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Vender caldos Knorr (e sabe-se lá mais o quê) por haxixe, faz mal à saúde e é um logro contra o qual o cidadão se encontra indefeso; ao contrário do que se passa, por exemplo, no Colorado, um estado norte-americano com uma população que é sensivelmente metade da nossa, e que em 2014 legalizou a venda da cannabis com aparente sucesso. Uma experiência que eu acompanhei pessoalmente e que aqui descrevo, embora não me lembre de tudo.

Em primeiro lugar, comprar em lojas abertas para a rua, com informação, cartazes, folhetos e decoradas com bom gosto, é um prazer - o contraste com a Marechal Saldanha, um dos super-mercados lisboetas, não podia ser maior. As lojas onde entrei eram impecáveis, acolhedoras e com gente muito amável, dir-se-ia que em estado Zen. Na loja onde finalmente adquiri o produto, o serviço foi profissionalíssimo: explicaram-me as diferenças entre as variedades e quais os efeitos esperados de cada uma: tanto quanto à intensidade (vulgo moca) como à duração e evolução dos mesmos. Até folhetos informativos disponibilizavam. O preço era razoável e a quantidade generosa. O produto vinha bem enrolado e acondicionado em pequenos tubos de plástico com tampa hermética. E depois de pagar ao balcão, a simpática comerciante apontou-me os locais nas redondezas onde fumar a coisa, e aconselhou-me a ter cuidado para não o fazer perto de crianças, nem em sítios por elas frequentados. Resultado? Um cliente satisfeito. Muito satisfeito, mesmo; com aquele sorriso fixo com que se fica derivado à satisfação.

Uma parte do dinheiro que paguei foi parar aos cofres do estado do Colorado. Fechadas as contas anuais, veio a ver-se que o montante recolhido, cerca de setenta e seis milhões de dólares, excedia o que estava estimado. Segundo a lei da terra, quando isso acontece, o estado tem que devolver o excedente aos cidadãos. É o que se vai fazer. Mas o balanço não fica por aqui. Com a legalização da venda da cannabis, aumentaram os números do turismo, bem como da economia relacionada com o fenómeno e, ao contrário do que previam as Cassandras, o crime não aumentou. Poderá mesmo ter diminuído.

Melhor cannabis, mais impostos. Eis uma ideia bonita e inclusiva. Tem laivos de esquerda, é certo, mas como a voragem fiscal passou a ser uma política da maioria, também é o tipo de proposta que pode agradar à direita. Até porque todos os meus amigos de direita fumam tantos charros como os de esquerda; e nem uns nem outros deixam de ser bons jornalistas, bons gestores, bons advogados, bons médicos, bons pais e boas mães.

Voltando ao princípio. A cannabis que se vende por aí, sobretudo na rua, não é boa para a saúde da população, inclusive a que nos visita, nem dá uma boa imagem do país. Tenho a certeza que se fosse legalizada mais turistas para cá rumariam, e o estado mais imposto embolsaria: uns cento e cinquenta milhões de euros ou talvez mesmo duzentos. Já para não falar do incentivo que isso daria ao novo comércio de proximidade - já não há mais espaço (nem paciência) para pastéis de nata, padarias, croqueterias e hamburguerias - que ganharia um novo folgo com a abertura das novas e certificadas charrarias.

Melhor cannabis, mais impostos. Soa bem, não soa?

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