O Deutsche Bank deu o mote para a tempestade perfeita nos mercados. O receio de o maior banco alemão entrar em incumprimento no pagamento de obrigações alastrou-se a todo o setor bancário. As bolsas afundaram e, em simultâneo, os juros da dívida nacional dispararam. O Deutsche Bank viu-se obrigado a avançar com a recompra de 4,8 mil milhões de euros em obrigações.
Mas, afinal, o que se passa com a banca? 2016 será um dejá vu de 2008? “Quando olho para os mercados financeiros vejo um sério desafio que me faz lembrar a crise que tivemos em 2008”, vaticinou George Soros a 7 de janeiro. Cinco dias depois, o Royal Bank of Scotland recomendava: “Vendam tudo. Os investidores devem ter medo. Este é o ano do cataclismo”. As teorias motivaram críticas, até que esta semana a volatilidade das bolsas causou preocupação generalizada e a aversão dos investidores ao risco acentuou as múltiplas comparações com a crise do subprime. A banca a ser castigada pela conjuntura económica mundial? Ou é o setor que está a arrastar os mercados para um novo “Pearl Harbor económico” - expressão usada por Warren Buffett para definir a crise de 2008?
Os especialistas contactados pelo Dinheiro Vivo dão várias pistas para interpretar o nervosismo e deixam um alerta: anunciar uma crise ajuda a concretizá-la. Os fundamentais do setor não se alteraram nos últimos dias. E a instabilidade será uma sequela da crise iniciada em 2007, a que se somam o contexto macroeconómico mundial e a divulgação de resultados da banca.
“Não creio que seja um déjà vu de 2008. Tal como um tremor de terra, o epicentro na China faz com que as placas tectónicas na Europa e nos Estados Unidos mexam e criem instabilidade. Na Europa, estamos a viver essa instabilidade, com réplicas deste abalo ainda a poderem ser sentidas, mas não na escala de 2008 ou 2011”, defende Tiago da Costa Cardoso, gestor da XTB.
O abrandamento da economia chinesa e de outros emergentes, o receio de uma desaceleração nos Estados Unidos, a expectativa de uma inflação muito baixa, reforçada pela queda das matérias-primas, alteraram a narrativa da retoma económica mundial. Em simultâneo, os receios sobre o atual estado de saúde da banca dispararam com os rumores de que o Deutsche Bank não seria capaz de pagar as obrigações convertíveis. Até Wolfgang Schaüble, ministro das finanças alemão, sentiu necessidade de assegurar publicamente a resiliência da instituição. Também os resultados do Société Générale aquém das estimativas dos analistas levaram a banca a afundar. Só as contas do Commerzbank surpreenderam pela positiva.
BCP abaixo de 2000 milhões
A banca nacional não está a escapar à fuga dos investidores, numa altura em que já são conhecidos os resultados das quatro maiores instituições e apenas a CGD recebeu nota negativa. O banco público soma quase dois mil milhões de prejuízos nos últimos dois anos e tem pela frente um plano de financiamento e capital que poderá exigir uma reestruturação mais profunda. Enquanto o BPI tenta ultrapassar o diferendo acionista para encontrar uma solução para diminuir a exposição a Angola e cumprir as exigências do Banco Central Europeu, o BCP está a virar a página. O Millennium inverteu o ciclo de perdas, apesar de o mercado ainda não estar a refletir o trabalho realizado por Nuno Amado no valor das ações. Já o Santander Totta reforçou os lucros, embora a aquisição do Banif, num contexto de resolução, obrigue a pequenos ajustamentos na estrutura do banco liderado por Vieira Monteiro.
“Continuam a existir grandes dificuldades ao nível do sentimento de confiança no setor bancário. Do ponto de vista financeiro, o facto de apenas este ano termos tido resultados positivos em alguns bancos portugueses, ainda não dá certezas se 2016 é uma exceção ou se passará a ser a regra”, acrescenta o gestor.
Desde janeiro, a capitalização do BCP encolheu 974 milhões de euros e vale agora menos de 2000 milhões de euros, com os títulos a custar 0,0325 euros. Já o BPI perdeu 200 milhões. O mercado avalia a instituição em menos de 1,4 mil milhões. “Os investidores já estão assustados, quando vemos as praças chinesas a caírem quase 25% desde o início do ano, o DAX a cair 17% e o Eurostoxx a cair 16%, algo está mal. Este sell-off que tem vindo a ser gerado é o agregar de todos os drivers negativos que se vivem no mercado”, explica.
(Des)confiança generalizada
O setor bancário nacional tem ganho maior protagonismo internacional com a decisão de o Banco de Portugal de retransmitir quase 2000 milhões de euros em obrigações seniores do Novo banco para o BES. Uma resolução que suscitou forte contestação dos grandes investidores internacionais - bancos, seguradoras e gestoras de fundos - que não se inibiram de tecer críticas, ameaçar judicialmente e reponderar o investimento em Portugal.
“O que aconteceu no Novo banco, com a dívida senior a ser chamada para capitalizar um banco, e as novas regras em vigor desde o início do ano, em que também os depositantes acima de 100 mil euros podem ser chamados, claramente acrescenta risco ao setor. É compreensível que os investidores não queiram ter banca. Acho mesmo que se subestimaram os efeitos destas medidas, nesta perspetiva”, refere João Leite, diretor de investimentos do Banco Carregosa.
2008 versus 2016
Para o professor João César das Neves, “a banca é o setor dos setores, porque a sua saúde depende da saúde de todos os setores a quem ela empresta” e, de alguma forma, “está a sofrer por ser um amplificador dos choques que os outros sofrem”.
Apesar das comparações com 2007/2008, o ADN da banca é hoje diferente: “O nível de alavancagem dos bancos baixou, o crédito mal parado também cresceu menos, as taxas de juro estão muitos mais baixas e estamos com crescimento económico, embora ainda anémico”, explica João Pereira Leite.
Simon Smiles, diretor do departamento de investimento para os clientes com património mais elevado, é assertivo: “Os mercados estão a ser conduzido pelo medo e não pelos fundamentais do setor”.
Rentabilidade e credibilidade
O setor está empenhado em aumentar a rentabilidade. Aumentar a margem financeira é a principal missão, num contexto de taxas de juro negativas. “Nos últimos anos, os bancos conseguiram ter alguns resultados, mas foi sobretudo à conta das carteiras de investimento que, num movimento de procura por taxa, investiram em obrigações que se valorizaram extraordinariamente. Foi uma almofada muito confortável - que já não existe agora porque o mercado de obrigações já não está apelativo - e que compensou o aumento do crédito malparado, que entretanto também abrandou”, diz João Pereira Leite.
Em matéria de capitalização, os bancos europeus estão longe da média dos bancos norte-americanos. E há um grande descrédito nos resultados dos testes de stress e pressão para repor a credibilidade no setor. “Muita gente perdeu muito dinheiro em bancos e produtos financeiros que se diziam muito sólidos (em Portugal, o Banco Espírito Santo, o mais simbólico dos bancos, é um caso espantoso e até mais dramático que os de outros países). Agora, qualquer sinal gera pânico. No caso europeu e português temos o facto de a recuperação económica da crise de 2008 nunca ter chegado a ser muito sólida, persistindo bloqueios, debates e incertezas que fragilizam todo o sistema”, diz César das Neves.
E é neste contexto de turbulência nos mercados que o ceticismo sobre o Orçamento do Estado agrava as taxas das obrigações portuguesas. Os juros a dez anos chegaram a tocar nos 4,5% com Bruxelas a exigir ao Governo de Costa um plano B para controlar as contas públicas. Falar em crises ajuda a torná-las reais. E, por isso, “não é bom fazer afirmações alarmistas”, recomenda César das Neves. “O que se pode dizer com segurança é que o país tem uma situação financeira que permanece muito delicada e tem de continuar um esforço de ajustamento. Isso é verdade no setor público, mas ainda mais no privado, com famílias endividadas, poupança muito baixa, empresas descapitalizadas e investimento mínimo. Ignorar isto resultará numa crise ainda pior que a anterior”.