
É muito improvável que um português – ou um italiano, ou um espanhol – não comece o seu dia com um café. Pode ser expresso ou de outro tipo qualquer, mas é sabido que os povos mediterrânicos apreciam esta matéria-prima, num amor que remonta, aliás, a tempos muito idos. Por alguma razão os árabes consideram ser de mau tom não aceitar uma segunda chávena de café: é sinal de que estamos a travar conhecimento e que a conversa está a seguir o rumo previso.
A boa notícia é que os hábitos são difíceis de mudar e, portanto, todos nós deveremos continuar a beber o nosso café matinal – até porque dois cafés expresso por dia previnem o aparecimento de doenças neurodegenerativas, como já foi amplamente divulgado pela comunidade científica; a má notícia é que é muito possível que tenhamos de continuar a pagar cada vez mais por essa tradição.
O preço do café continua a ser alvo de elevada volatilidade nos mercados internacionais, com os futuros a três meses a cotar atualmente nos 326 dólares a tonelada, acima dos 319,75 em que fecharam o ano passado. No mesmo sentido, os contratos futuros de cacau seguiam a negociar acima dos 10 mil dólares a tonelada, depois de, a meio de dezembro de 2024, terem passado a barreira dos 12 500 dólares – há cerca de um ano, os analistas acreditavam que 10 mil seria o máximo que esta matéria-prima poderia atingir no ano.
Recorde-se que, com exceção da década de 1970, quando o mercado das matérias-primas assistiu a uma escalada transversal dos preços, o cacau sempre negociou a preços relativamente baixos e constantes. Na ocasião, contam os registos históricos, chegou mesmo a ser a única commodity a cotar consistentemente com preços baixos.
No ano passado, a agência financeira Bloomberg escrevia que o problema do cacau é o facto de ele ser resultado de colheitas de homens pobres. Para entender isto, é preciso perceber de onde vem a matéria-prima: há quatro principais países produtores de cacau, todos eles no continente africano: Costa do Marfim, Gana, Camarões e Nigéria. Juntos, representam cerca de 75% da produção global de cacau, e em todas elas os produtores recebem preços muito abaixo daquilo que é negociado nos mercados internacionais.
No café, o problema não é tão flagrante, sendo a quebra na oferta uma das variáveis mais determinantes – e esta tem, sem surpresa, sido fortemente impactada pela pelas alterações climáticas. Eventos extremos nos países produtores, bem como a persistência de algumas doenças que proliferam em temperaturas muito altas, acabam por causar um dano imenso nas plantações. A guerra na Ucrânia e as intermitentes decisões das autoridades sobre o comércio de matérias-primas também não têm ajudado.
Esta segunda-feira o Financial Times salientava a importância da nova lei da União Europeia sobre a desflorestação, e como esta constituiu mais um obstáculo para os agricultores. O regulamento, bem intencionado, proíbe a venda, no bloco económico, de produtos fabricados com matérias-primas cultivadas em terras desflorestadas. Esta lei devia ter entrado em vigor no ano passado, mas a sua implementação foi adiada por mais um ano, devido à incerteza quanto à sua aplicação.
Os europeus, que são os maiores consumidores de café do mundo, reagiram antecipando as compras de grãos enquanto lidam com a legislação, que exige que provem que as suas importações de café não provêm de áreas desflorestadas. Uma corrida às compras que motivou a subida dos preços do grão no último ano.
Enquanto a legislação europeia está em stand by para ser clarificada, os pequenos agricultores esperam que essa clarificação os ajude a receber mais pelas suas produções. Porque, ainda que o Gana e a Costa do Marfim tenham (finalmente) aumentado os preços do cacau para os produtores – nestas nações, os preços são controlados pelo governo – a verdade é que há quem defenda que só o fim de qualquer controlo pode ajudar quem produz.
Isto significa que ainda é cedo para conseguir antecipar o que vai acontecer com o cacau, cada vez com menos oferta e maior procura – há já quem fale nele como um produto de luxo, e é possível que não se esteja muito longe da verdade. Até porque muito vai depender de como o clima ajudar, ou não, estas commodities, que sempre foram raras, mesmo que o consumo as tenha tentado transformar num produto relativamente acessível.
É preciso também esperar para perceber como vai evoluir a Guerra na Ucrânia e qual o impacto das novas políticas económicas de Donald Trump no resto do mundo, para se poder antecipar com alguma certeza qual o caminho que cacau e café vão seguir num mercado que, para já, se mostra totalmente descontrolado.
Ainda assim, o Banco Mundial prevê que o preço de ambos os grãos desça, ao longo dos anos, com o aumento da oferta e também com o amor incondicional dos consumidores, que continuam a rejeitar os sucedâneos destes produtos – o que é um incentivo para os produtores continuarem a investir.