Se os Estados signatários do Acordo de Paris quiserem alcançar as metas climáticas, a fim de um futuro sem emissões poluentes, as empresas de todo o mundo terão de investir 75 biliões de dólares (64,88 biliões de euros) em medidas de descarbonização. A conclusão é do relatório "Para além das metas baseadas na ciência: um plano de ação corporativa para o clima e a natureza", divulgado esta terça-feira pela Boston Consulting Group (BCG) e pela ANP|WWF.
O Acordo Paris, gizado em 2016, impõe desde 2020 que os 191 países signatários implementem medidas que limitem a subida da temperatura média global a 1,5 graus centígrados. Só na União Europeia, em conformidade com o plano traçado, os Estados-membros comprometeram-se a criar a primeira economia e sociedade com impacto neutro no clima até 2050, comprometendo-se a reduzir as emissões da UE em, pelo menos, 55 % até 2030.
Ora - realça agora o relatório da BCG - que a viragem acordada exigirá um investimento avultado, mas necessário, das empresas para que as metas sejam alcançadas. Para concretizar os objetivos, o estudo propõe um Plano Corporativo de Mitigação Climática às companhias de todo o mundo, recomendando o desenho de uma estratégia "que maximize o seu impacto climático e responda ao problema do desfasamento entre o conjunto de soluções atualmente disponíveis e a escala dos problemas que este procura resolver".
O plano proposto às empresas passa, sobretudo, pela contabilização e divulgação das emissões de gases poluentes, a fim de quantificar a pegada de carbono das empresas. Segue-se o desenho de medidas que prevejam a reduzir as emissões da cadeia de valor, em linha com um ambicioso plano com base científica, sendo necessário quantificar o compromisso financeiro fixando preços pelas restantes emissões. Por último, dá-se lugar à alocação de investimento para criar impacto positivo no clima e natureza.
Entre as soluções apresentadas para as empresas está a proposta de compra de créditos de carbono, ou investimentos diretos em projetos que mitiguem o impacto da atividade na natureza e que acabem por reverter as suas emissões.
Portugal quer descarbonização mas só algumas empresas investem
Quanto a Portugal o estudo concluiu que "as empresas trabalham diretamente na descarbonização da sua atividade, mas só algumas investem financeiramente para compensar as emissões na sua cadeia de valor".
As empresas querem alcançar as metas, mas nem todas fazem por isso. "Portugal tem progredido no caminho para a neutralidade carbónica. Exemplo disso é que, em 2019, foram emitidas menos 30% de toneladas de equivalentes de CO2 per capita do que a média da União Europeia, e Portugal está no top 10 dos países com maior utilização de energias renováveis a nível mundial. No entanto, continuam a ser necessários investimentos relevantes, em especial no setor da energia, que representa cerca de 23% das emissões totais de gases de efeito de estufa no país, e nas indústrias cimenteira e química", lê-se.
O estudo identifica como barreiras à descarbonização das empresas os desafios em termos de ineficiência de resposta e custos, "quer por não existir escala suficiente, quer por ser necessário o desenvolvimento de tecnologias adjacentes", bem como a dificuldade de se contabilizar e reduzir o impacto de algumas cadeias de valor.
"Se, por um lado, as empresas portuguesas trabalham diretamente na descarbonização da sua atividade, por outro, ainda são raros os casos em que estas investem financeiramente para compensar as emissões que não lhes é ainda possível reduzir", constatam os autores do estudo.
"Apesar de observarmos cada vez mais empresas a anunciarem planos de descarbonização, a maioria ainda não conseguiu concretizar uma estratégia que responda ao desafio climático e ao mesmo tempo permita capturar benefícios relevantes, quer na redução de custos, no crescimento de novos negócios ou na aplicação de preços premium. Em Portugal, esta dificuldade é ainda maior pela grande representatividade das pequenas e médias empresas no tecido empresarial, que têm menores recursos para estas iniciativas. Assim, é urgente que as empresas possam implementar mecanismos para contabilizar a sua pegada carbónica, entendendo melhor "onde", "como" e "quando" a minimizar e que, ao mesmo tempo, repensem o seu modelo de negócio para um novo contexto socioeconómico dominado pela temática da sustentabilidade", explica Carlos Elavai, managing director e partner da BCG.
"Não chega plantar árvores. Se queremos reverter a perda de natureza e travar as alterações climáticas, é urgente ter compromissos sérios de todos que efetivem uma mudança de fundo ao longo da cadeia de valor", sublinha Ângela Morgado, Diretora Executiva da ANP|WWF.
Para Ângela Morgado, as "empresas e fundos de investimento devem iniciar processos transformadores focados no bem-estar da comunidade, apoiando projetos e soluções baseadas na natureza, como o restauro ecológico ou a gestão ativa do território e oceano". "Mas tal como na sociedade civil, não basta o esforço individual - a verdadeira transformação vem do esforço conjunto", conclui.
No caso de Portugal, os autores relembram que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que prevê 715 milhões de euros para apoiar a descarbonização da indústria, pode alavancar uma viragem na atitude das empresas.
[Notícia Corrigida: o estudo enviado à redação referia, inicialmente, que o valor necessário para as empresas investirem para atingirem metas do Acordo de Paris era "75 biliões de dólares", mas o valor correto é "75 triliões de dólares" no sistema anglosaxónico, o que equivale a cerca de "65 biliões de euros"].