
A Associação de Gestão de Direitos de Produtores Fonográficos (Audiogest), através do seu serviço de licenciamento, autoriza empresas e outras entidades a utilizarem música gravada na sua atividade, cobrando um valor por isso, que é depois distribuído a produtores e artistas. Miguel Carretas, diretor-geral, fala dos desafios do setor da música em Portugal, e pede ao Governo para olhar para o potencial exportador desta indústria criativa, que diz estar “subaproveitada”.
Que diagnóstico faz à indústria portuguesa da música?
A indústria portuguesa na música está, neste momento, com uma tendência de claro crescimento. Os números indicam isso. Mas, por outro lado, os números indicam-nos também que podíamos estar bem melhores em termos de valores de vendas. Ou seja, a potencialidade que a indústria da música em Portugal tem está, apesar do crescimento dos últimos anos, subaproveitada Quando cheguei a este setor, em 2002, valia qualquer coisa como 115 a 120 milhões de euros. E, na altura, as vendas eram só físicas. Portanto, quando hoje falamos nas vendas - e estamos a crescer -, que rondam os 37 milhões de euros, ainda assim, estamos a falar de uma quebra brutal comparado com os tempos áureos da indústria da música. A música, em geral, perdeu valor. E isto é um fenómeno que não é só português. E não é só da música. Ou seja, a digitalização levou à perda de valor. E em 2014 batemos no fundo, com esta indústria a valer apenas 14 ou 15 milhões. Portanto, um décimo daquilo que já tinha valido.
O que é que considera que deve ser prioritário neste governo, no vosso domínio de atuação?
O que tem sido até hoje mais difícil é convencermos os governos e os decisores políticos que o setor das indústrias culturais e criativas é também um setor gerador de riqueza. Nós também somos indústria. Contribuímos para o PIB com exportações. As indústrias culturais e criativas têm esta característica, o valor acrescentado bruto em percentagem da receita, ou do volume de negócios, é fantástica. Porquê? Porque depende essencialmente daquilo que nos está entre as orelhas. Portanto, não depende de capital intensivo e cada vez menos depende de grandes estúdios. Eu arriscaria dizer que hoje as músicas mais vendidas em Portugal não são feitas em grandes estúdios, nem tiveram um grande custo de produção. O que é que têm hoje? Têm um enorme custo de distribuição. Então qual é o problema que Portugal tem? Portugal tem o problema de escala. O negócio digital é um negócio que só é rentável numa escala maior do que era o negócio físico e a distribuição física de música. E nesse sentido, temos um problema de escala, desde logo porque temos os habitantes que temos. E não estamos a ser capazes de fazer duas coisas que temos vindo a pedir aos sucessivos governos. E vamos voltar a pedir a este.
O que reivindicam?
Uma das coisas que é essencial é que Portugal faça a transição mais depressa, não estou a dizer que não está a fazer, mas está a fazer mais lentamente do que noutros países, do streaming gratuito - portanto, suportado por anúncios e gratuito para o consumidor -, para o streaming por subscrição, pago pelo consumidor. Porque é que isto é importante? Porque cada streaming por subscrição tem o valor equivalente a seis streamings em plataformas suportadas por anúncios. Não é muito difícil fazer as contas para perceber que o nosso mercado seria bem maior se conseguíssemos fazer essa transição. E temos propostas concretas para isso. Apresentámos uma proposta aos grupos parlamentares aquando da discussão do Orçamento do Estado para 2024, que se propunha apoiar fiscalmente a subscrição de streaming. E provámos uma outra coisa. Provámos que, para mais, esta medida não só não tinha um saldo negativo para o Estado como até tinha um saldo positivo. Esta medida não foi acolhida, mas foi proposta pelo PSD. Bom, o que é que esperamos? Esperamos que elas estejam vertidas na proposta do Orçamento do Estado para 2025.
E que outras medidas vão propôr?
Outra questão é a disparidade entre os apoios que há à propriedade industrial, marcas, patentes - há apoios fiscais em sede de IRC-, e a inexistência de apoios ao direito de autor, exceto direitos de autor sobre programas de computador, como se fôssemos um país que tivéssemos grande indústria tecnológica. Não tenho nada contra o apoio que é dado aos direitos de autor sobre programas de computador, nem contra o apoio que é dado à propriedade industrial. A questão é, não faz sentido que, paralelamente, também seja dado um apoio ao licenciamento de direitos de autor. Como? Eventualmente através de uma majoração em sede de IRC das despesas.
Vou dar um exemplo. A TSF tem um acordo connosco, através do qual remunera as músicas que passa, não é? Como devem calcular, outras rádios que passam mais música pagarão valores maiores. É assim mesmo. Estamos agora a começar a licenciar as rádios locais e este custo, apesar de ser, a nosso ver, absolutamente miserável - é de longe a tarifa mais baixa da Europa, mas foi decidida por uma comissão arbitral ad hoc e, portanto, respeitamo-la -, ainda assim é um custo que parece relevante para as rádios locais. E admito que sim. Estava aí uma boa forma de incentivar, pela positiva e não pela negativa, não pela perseguição judicial, ao cumprimento. Se tivéssemos um incentivo, se o pagamento da licença pudesse descontar em sede IRC, 120%, por exemplo, isto é uma calibragem que depois compete às finanças fazer, se calhar estávamos a dar um incentivo sério às empresas para se licenciarem.
E já teve oportunidade de apresentar estas propostas ao novo governo?
Já escrevemos ao novo governo e estamos à espera de uma oportunidade para as apresentar. É verdade que o fizemos há muito pouco tempo, porque entendemos que o que fazia sentido não era só pedir uma reunião, mas que ela fosse acompanhada de um memorando explicativo de cada uma destas questões em detalhe. Porque uma reunião para nos dizerem que vão avaliar não deixa de ser uma boa vontade, mas não passa disso. E, portanto, quisemos fazer acompanhar esse pedido de um memorando. Ou seja, quando chegarmos a essa reunião, que esperamos vir a ter com a Sra. ministra da Cultura, que é quem tem a nossa tutela, aquilo que esperamos é que ela saiba já ao que vimos e que possa começar a ter algumas posições sobre isto.
E considera que no atual quadro parlamentar seja possível avançar com essas medidas?
No essencial, o apoio às indústrias culturais e criativas, sobretudo na área do direito de autor, e as alterações ao Código de Direito de Autor sucessivas, têm sido objeto de um muito amplo consenso na Assembleia, às vezes unânime. Os dois maiores partidos nacionais, o PSD e o PS, normalmente coincidem nestas posições. Como é evidente, quando um está no governo é mais conservador em relação a alterações ao orçamento do que o que está na oposição. É natural que assim seja, compreendemos esse fenómeno, mas achamos que há contexto para isso. A não ser que haja aqui uma alteração radical das posições.
Ainda em matéria fiscal, tínhamos uma proposta em sede de IRS. A lógica da proposta que temos em sede de IRS é a tal das famílias poderem, querendo, descontar a subscrição dos serviços de streaming. Fizemos as contas a 20% e chegámos à conclusão que, se assim for, tendo em conta que, independentemente de as plataformas serem estrangeiras ou nacionais, o IVA que é cobrado vem todo para Portugal - com o regime de IVA intracomunitário - e é cobrado à taxa de 23%. Sabendo nós, também, que isso vai permitir alimentar toda uma cadeia que paga IRC, que paga IRS, que remunera autores, que remunera artistas e que remunera margens de produtores, é evidente que é fácil de ver que, só com o IVA, provavelmente, o Estado ganha e não perde. Não há razão nenhuma para isto não ter sido feito. E o PSD apresentou essa proposta.
O que mostram os dados do primeiro trimestre sobre as vendas do setor?
Esses dados consolidados dão-nos um valor, se olharmos para o streaming neste momento, de 7,6 milhões de euros, e se olharmos para as vendas físicas totais, de 2,.6 milhões. Portanto, é uma diferença significativa. Também posso dizer que os dados relativos ao mês de abril, já do segundo trimestre, mantêm esta tendência de crescimento.
E qual é a evolução face ao ano passado, no mesmo período?
É de cerca de 15%. Agora, isto não nos pode fazer embandeirar em arco. Ou seja, sabemos que há uma série de fenómenos que podem levar a este aumento no primeiro trimestre. O difícil depois é mantê-lo. Desde logo, há aqui algumas questões regulatórias que também entram nesta equação. Repare que não foi por acaso que a Audiogest, e aí sejamos justos, as outras entidades de gestão em Portugal, como a Sociedade de Portuguesa de Autores, como a Visapress, a GDIB, que representa produtores audiovisuais, fizeram um esforço muito grande para a aprovação da chamada diretiva dos direitos de autor no mercado único digital. Isso fez com que plataformas que ou não pagavam, ou não pagavam num esquema de verdadeiro licenciamento, estivessem sujeitas ao licenciamento. E, portanto, à medida que esses acordos vão ser feitos à escala europeia, porque são acordos internacionais, isso vai tendo depois repercussão também nos nossos valores. E não podemos pôr de parte esse efeito nestas contas.
Está a falar do impacto da Lei do Mercado Único Digital...
Exatamente, da diretiva e da sua transposição. É muito difícil avaliar nestes números gerais, mas quando vamos ao concreto... posso dizer que há cerca de dois meses falava com um associado nosso, que é produtor e artista também. A esmagadora maioria hoje dos nossos associados são produtores e artistas. A autoedição é uma realidade. Quando não são eles, é uma empresa controlada por eles. E, portanto, é esse o substrato que temos hoje, completamente diferente daquilo que tínhamos há 20 anos. Houve uma evolução muito rápida. E dizia-me esse produtor e artista que, naquele momento, aquilo que ele ganhava, aquilo que ele recebeu do Facebook, que é uma destas plataformas que de repente ficou sujeita a estas obrigações, valia mais do que todo o resto das plataformas juntas. Há também um esforço enorme que esta indústria faz para promover cada vez mais os artistas. Ou seja, o custo hoje não está na gravação, está na promoção. E já falámos de uma forma de aumentar o mercado, que é passar para a subscrição. Mas há outra, que é conseguirmos internacionalizar cada vez mais os nossos artistas. E esse tem sido um desafio complexo e difícil. Neste momento, o único organismo que temos que está diretamente vocacionado para isto, além da Audiogest, é o IPortugal. O IPortugal é uma espécie de gabinete de exportação, que é financiado quase exclusivamente pela Audiogest e pela GDA, e depois com fundos comunitários que vai conseguindo ter.
Devia haver apoios públicos à promoção?
É evidente. Por exemplo, nos países escandinavos, na Finlândia, Dinamarca, Suécia, que neste momento são países exportadores de música, e que têm apoio estatal, por cada euro que é investido, recebem nove. Portanto, vem nove para a economia do país. Quando defendemos os apoios, são apoios à promoção de uma indústria que pretende ser lucrativa e funcional. Ou seja, estes apoios vêm alavancar o capital privado que está lá investido. Há expressões culturais que, quer pelo custo que têm, quer por não serem expressões culturais dirigidas ao grande público, terão necessariamente de ter apoios estatais para existirem. Não é disto que estamos a falar. Esta indústria não precisa de apoios estatais para existir, nem para produzir. O que este país precisa, e não somos só nós, é aumentar as exportações, nomeadamente de música.
E para que mercados?
A Audiogest é uma associação de indústria e não é ela que decide pelos seus associados, mas na minha opinião e na opinião da associação, osmercados de língua oficial portuguesa devem ser prioritários. Eles precisam ainda de um grande desenvolvimento, não é? Exceto o Brasil, que é um mercado extraordinariamente desenvolvido, com o qual, apesar de conseguirmos algumas parcerias, é obviamente um mercado que será sempre um mercado maior do que o nosso, onde é difícil aos portugueses penetrarem, ao contrário da música brasileira em Portugal.
E incorporar esta área na promoção em feiras? Isso já acontece?
Já vai acontecendo, de algumas formas, mas não é por acaso que nos queremos também dirigir ao turismo, à área que tutela a economia e as relações internacionais. Temos de perceber que quando exportamos a nossa cultura, estamos a exportar também a imagem de Portugal. Quando artistas nossos vão ao estrangeiro, estamos também a exportar uma determinada ideia do que é a portugalidade, do que é aquilo que se faz em Portugal. De uma forma mais interessante, se calhar, ou mais visível, do que outras formas de exportação. Temos uma excelente indústria de calçado, por exemplo, que exporta.
E há dados em relação às exportações de música?
Não temos dados detalhados, temos algumas ideias, mas não gostamos de falar sobre números que não consigamos determinar com todo o rigor.
E o peso na economia, o contributo para a riqueza nacional?
Se olharmos para Portugal, o setor das ideias culturais e criativas, e não temos a desagregação em termos só de música e, portanto, é um setor bem mais abrangente do que a música. Tinha, em 2021, 38 600 empresas e empregava cerca de 64 194 pessoas, e o valor acrescentado para a economia em 2021 terá sido de 1,3 mil milhões de euros. Que é um valor muito significativo. É evidente que isto, por exemplo na área da música, vai muito além de edição discográfica. Abarca setores como a comunicação social, que muitas vezes são aqui também colocados. A conta satélite da cultura é sempre uma coisa difícil de perceber, tudo o que lá está dentro. A música, ao contrário do cinema, não tem dados desagregados. E também não é por acaso. O cinema tem um investimento do Estado fantástico, à produção e, atenção, o cinema tem de ter apoio à produção, mas a música não reivindica apoios à produção. São coisas diferentes. Nós reivindicamos apoio idêntico aos que há para o cinema, mas para a distribuição e a internacionalização. Isso faz todo o sentido. Porque esse é que é o custo. E não é só uma questão de dinheiro, é uma questão de estratégia. Quando dizemos que vamos falar com os Negócios Estrangeiros, é uma questão de estratégia. Quando dizemos que vamos falar com o Turismo e Economia, é uma questão de estratégia. Mas, na falta de dados, a Organização Internacional da Indústria Fonográfica, uma dessas organizações onde também participo, encomendou um estudo à Oxford Economics, que foi com base em dados de 2018. Portanto, estamos aqui a falar de dados com algum atraso, mas antes da pandemia, no período pré-pandemia, o setor da música contribuiu anualmente, de acordo com esses dados, com 82 mil milhões de euros para a economia da União Europeia. Incluindo, na altura, o Reino Unido, já agora, que é importante. E rendia 31 mil milhões de euros em impostos e gerava 9,7 mil milhões de euros em receitas de exportação. Portanto, para fora da Europa. O valor acrescentado bruto para a economia europeia do setor da música era 37,5 mil milhões de euros. Isto equivale a 1,5 vezes superior ao contributo dos setores do vinho ou da cerveja europeus para o valor acrescentado bruto da Europa.
Ou seja, o potencial de crescimento em Portugal é ainda muito grande?
É ainda muito grande. E precisamos, de facto, desses incentivos, que num dos casos não custa ao Estado, em boa verdade. É um incentivo fiscal, mas que não tem custo para o Estado, até tem vantagem para o Estado. No outro defendemos que o custo seja medido, estamos a apoiar indústrias e, portanto, é muito importante que consigamos demonstrar se os apoios estatais estão ou não a atingir o seu objetivo. Quando o Estado apoia, quanto é que estamos a receber com as exportações? É muito importante medir isso para depois podermos calibrar e afinar políticas públicas.
Em relação à transposição da diretiva europeia do mercado único digital, houve algumas queixas dos artistas. Em sua opinião a lei acabou por ser uma lei equilibrada para todas as partes?
A lei fez exatamente aquilo que a diretiva mandava fazer, que é criar uma regulação contratual a propósito do direito à remuneração proporcionada e justa, a propósito do direito à informação, a propósito do direito à resolução, ou seja, o que a diretiva faz é resolver isso no quadro contratual, impondo regras que não podem ser afastadas pela vontade das partes, no caso da música, entre produtores e artistas. Quando perguntamos aos artistas se ganhavam mais antes quando só vendiam discos ou agora eles dizem que ganham menos, e é verdade. Lembram-se dos 120 a 115 milhões e que batemos no fundo em 2014 com 15 milhões e agora estamos à volta dos 30 e tal milhões? Isso é verdade, porque a música agora vale toda menos. Mas há uma coisa que também é verdade: o artista e também o autor ganha uma parte maior do bolo final, ou seja, do valor que é pago pelo consumidor ou pelo anunciante. Ganha uma parte maior do que o que ganhava antes. Nós todos estamos a ganhar menos, mas curiosamente o artista ganha uma parte maior. E é justo que assim seja, porque o produtor também tem menos custos de distribuição.
Quanto é que foi esse aumento? Há alguma percentagem?
Aquilo que sabemos é que de uma forma geral - e não estou autorizado a falar de números concretos das minhas associadas -, diria que o royalty aumentou entre 40% a 60%. É significativo. Mas vai dizer-me que agora o royalty é sobre coisas muito mais pequenas e também me vai dizer que há muito mais gente que edita e que não consegue viver da música. Claro que há. Porquê? Porque já não há gatekeepers. É precisamente porque o mercado está mais aberto. Aliás, há um estudo da Comissão de Mercados e Concorrência inglesa que deixa isso claro. É porque o mercado está mais aberto que isso acontece. Ou seja, como neste momento não é preciso uma editora para se chegar às plataformas, há muito mais gente a editar. Agora, isso não significa que haja uma propensão maior para haver mais artistas a poderem chegar ao sucesso. Esta é a questão.
A quota de 30% para a música portuguesa na rádio é suficiente para estimular a produção?
Sobre as quotas de música portuguesa nas rádios, a conclusão que podemos tirar é que a curva de aumento de quota real, não legislada, acompanha a curva de crescimento das audiências. O que queremos dizer com isto não é que a música portuguesa aumenta necessariamente as audiências de rádio porque, sendo sérios, não conseguimos saber se há outros fatores que as estejam a aumentar. Agora, conseguimos saber uma coisa: é que pelo menos não prejudica ao contrário daquilo que as rádios diziam. As rádios são ou não são essenciais para a promoção de música? Depende. Porque se há música que se promove através da rádio, mais, há música que se promove através de determinadas rádios e que não se promove através de outras.
Da mesma forma que há hoje muita música cuja promoção não depende em nada, ou depende muito pouco das rádios, e que já só vai para as rádios depois de ser um sucesso absoluto junto da juventude. Porque ela foi promovida através das redes, às vezes organicamente e através de circuitos informais também, nem sempre de uma forma direta.
Agora, a rádio continua a ser importante, mas não é tão determinante no sentido de ser tão exclusiva como era anteriormente. Atualmente temos outras formas de promoção que funcionam bem e a promoção digital é importantíssima.
Apesar das quotas, o consumo de música portuguesa ainda fica aquém do que poderia ser?
Muito aquém. Houve uma comparação que foi feita por uma empresa independente e que está disponível online, de como é que cada país - num conjunto de países onde Portugal, por sorte, fazia parte -, tratava a sua música e as músicas de outros países. Se olharmos para os países europeus envolvidos, que são França, Itália, Polónia, Portugal, Alemanha, Irlanda, Suécia, Reino Unido e Espanha, chegamos à seguinte conclusão: Portugal, à exceção da República da Irlanda, por razões evidentes, é o país onde menos música nacional é escutada. Isto tem de nos fazer pensar.
A inteligência artificial é uma ameaça para o setor? Como é que olha para esta questão?
A inteligência artificial é uma oportunidade e uma ameaça para o setor. O setor da música usa inteligência artificial como forma de apoiar a criação artística. A inteligência artificial puramente generativa é muito mais artificial que inteligente e não é criação. A máquina não cria. O que a máquina é capaz de fazer é uma coisa completamente diferente - cria um produto novo e inovador e diferente daquilo que já existe, mas com base em tudo o que existe.
Nesta próxima legislatura, a regulamentação do Regulamento Europeu de Inteligência Artificial vai ser muito discutida. O regulamento está feito, está aprovado, é um texto muito complexo, que aborda muito mais matérias além dos direitos de autor. Diria que conseguimos salvaguardar o essencial nesse texto, mas o que falta fazer ainda é gigante. E aqui há dois momentos de proteção: o que defendemos é que aquilo que entra na máquina tem de ser autorizado pelos titulares e aquilo que sai da máquina não é seguramente propriedade nem da máquina, nem da dona máquina, não é suscetível a ter direitos de autor quando a inteligência artificial é generativa. Outra coisa é situações como a que vimos há pouco tempo, que é uma nova música dos Beatles, onde os Beatles que sobram, e tentando reconstituir ao máximo a vontade do John Lennon, pegaram nas gravações do John Lennon e conseguiram limpar através da inteligência artificial e fazer uma música em inteligência artificial e isso serviu para quê? Para fazer uma música tão próxima quanto possível daquela que seria a vontade do John Lennon, ou que eles admitem que seria a vontade do John Lennon hoje. E isso é algo de fantástico. Ainda por cima a música é boa e é bem feita.