O processo ainda corre em tribunal, mas pela primeira vez
o Dr. White, como ficou conhecido, decidiu explicar tudo o que correu
mal e falar sobre o seu novo projeto: fazer de Portugal um destino de
turismo dentário. A proposta já existe e será entregue já neste
início de ano ao governo, de quem garante não querer ajuda
financeira mas com o qual conta para lhe abrir algumas portas.
Trata-se de um projeto de "turismo de saúde dentária altamente
especializada - tratamentos de reabilitação complexa - que pode
representar, no pior cenário possível, 50 milhões de euros por ano
para o país", explica. A apresentação aos ministros da Saúde,
Negócios Estrangeiros e Economia terá por objetivo pedir apoio
diplomático. "Não quero dinheiro do Estado", reforça o médico
dentista celebrizado em programas como Doutor, Preciso de Ajuda (TVI,
2006) e Dr. White (SIC, 2012), que criou e produziu.
Na nova Clínica White, em Miraflores, para onde se mudou há um
ano com a ajuda de um "investidor muito próximo", mas que não
revela a identidade, 40% dos clientes são angolanos. Há também
suíços, franceses, russos, ingleses, americanos (vimos chegar dois
na hora e meia que durou esta entrevista). Uma afluência que pôs
Miguel Stanley a pensar na possibilidade de rentabilizar o fluxo de
estrangeiros. Os ingredientes estão todos cá: o país já é
reconhecido pelo potencial turístico e "a medicina dentária
portuguesa é talvez a melhor do mundo na relação qualidade/preço."
A ideia ganhou força nos sete meses que passou na Hungria. "Há
uma década, os dentistas húngaros viram o potencial deste tipo de
turismo e começaram individualmente a publicitar os seus serviços
nos media estrangeiros." O governo percebeu o peso do negócio e
criou uma associação para potenciar os ganhos para o país - cada
membro paga uma joia de 16 mil euros. Budapeste é hoje a capital do
turismo dentário da Europa, com 40% do mercado do continente, de
acordo com o gabinete de estatísticas da Hungria. Grã-Bretanha e
Irlanda são os principais países de origem deste negócio, que
movimenta cerca de 700 milhões de euros/ano.
"Queremos apanhar esse comboio, imitar o protocolo húngaro."
Não através da associação a cidades, hotéis ou companhias aéreas
- "até podia associar-me aos Pastéis de Belém, mas acho que não
devemos perder tempo com parcerias imaginárias" - mas criando uma
rede de prestadores de serviços de excelência. "A marca Portugal
já existe. ?A ideia é juntar-lhe ciência, medicina de qualidade e
tecnologia única para criar um protocolo que assegure qualidade,
eficácia e proteção dos clientes, através de clínicas
standardizadas. Fazer que mais pessoas queiram vir a Portugal."
Para já, o médico, que faz até 12 palestras por ano pelo mundo
inteiro e ainda participa na série da CBS The Doctors, nos Estados
Unidos, quer usar o seu "círculo de contactos privilegiados"
para captar turistas para uma rede de clínicas de excelência, que
já começou a contactar e que veem o projeto com bons olhos. Com o
governo ao lado, esse esforço torna-se mais leve.
E poderá o vice-primeiro-ministro, Paulo Portas - cujo sorriso
foi construído por Miguel Stanley, tal como o de Cristiano Ronaldo -, ajudar a estabelecer essa
parceria? "Vamos usar todos os meios para que isto se torne uma
realidade. Acredito que há pessoas inteligentes no governo e
acredito em portugueses que acreditam em Portugal." E acredita
também que, nos próximos três anos, "podemos ficar com 50% da
quota do mercado britânico nesta área".
Compensar a queda da faturação
No ano passado, a faturação dos dentistas caiu 40% e segundo o
bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas, Orlando Monteiro da
Silva, mais de 10% dos profissionais portugueses já emigraram. "A
crise, num sector que vive essencialmente da iniciativa privada e com
as famílias a adiar consultas e a retardar procedimentos, adensa os
problemas", disse à Lusa no final do ano.
O programa de turismo dentário permitiria também contrariar esta
tendência. "Estamos a ficar vazios de talento. Eu já tive
convites para trabalhar nos Estados Unidos, em Angola, no Qatar, na
Noruega, mas estou aqui para ficar. Optei por viver em Portugal",
diz Miguel Stanley. "Não consigo tratar mais de cem clientes por
mês - tenho sete gabinetes, sou um hotel boutique, não uma "cadeia
hoteleira". Mas posso usar o meu peso e relações para captar
clientes para a rede de clínicas."
Na White, apesar de tudo, o negócio vai correndo. Com uma equipa
de 38 pessoas - a maioria está com Stanley há oito a 13 anos -
"faturámos cerca de 2,1 milhões de euros em 2012 - em 2013 deve
ter caído um bocado - e temos um EBITDA [resultados antes de juros,
impostos e amortizações] de 39%. Mas este foi ano atípico",
reconhece. "Recebemos muitos estrangeiros, o que acabou por
compensar a grande quebra no mercado interno". Uma quebra que
garante não ter nada que ver com os preços praticados. "Há uma
crença generalizada de que somos uma clínica cara, de elite. Já
fomos, mas em 2010 ajustámo-nos à média e a última vez que
subimos os preços foi em 2007." Com a mesma qualidade.
"Mantemo-nos sempre atualizados, tudo tem de refletir a qualidade,
até o papel higiénico."
Um tratamento da Clínica White, em Miraflores, pode ir de 100
euros (limpeza básica) a 70 mil (implantes complexos, com excerto de
osso, um trabalho que leva até dois anos). Os custos não ficam
aquém. Além dos stocks - "temos de ter sempre grandes
quantidades, para garantir o serviço quando chegam clientes
estrangeiros, que têm um número certo de dias para ficar" -, cada
um dos sete consultórios dentários implicou um investimento de
cerca de 100 mil euros só em equipamento. A máquina de raios X
digital 3D, que tem sala própria, custou 300 mil euros. Há ainda os
serviços de estética, massagens, depilação, manicura e pedicura e
até um psicólogo. Serviços associados que, apesar da menor escala,
não se perderam na megaclínica de Santos.
As dívidas, a insolvência e os processos em tribunal
Mas afinal o que correu mal no negócio que Miguel Stanley montou
quando estava no auge da exposição mediática? Profissionalmente,
nada. Mas ao nível da gestão "foi a tempestade perfeita".
Depois de seis anos à frente da Clínica Dentária da Lapa, onde
começou a ser conhecido como o médico dos famosos, estreia na TVI,
em 2006, o Doutor, Preciso de Ajuda (inspirado no Extreme Makeover),
e com ele vem uma exposição que leva a clínica a "um ritmo de
crescimento de 30% a 40% ao ano". "Criei um fluxo inacreditável
de clientes. Cheguei a faturar 4,5 milhões de euros por ano - em
alguns meses fazia meio milhão." Esse volume, a par das
necessidades do programa de televisão, levou-o a imaginar um espaço
que integrasse todos os serviços médicos e estéticos num centro
com todas as condições. "Em 2008 decidimos crescer em grande. Fui
dono e mentor do projeto White Spa. Acreditava tanto nas minhas
capacidades que fui avalista único da totalidade dos investimentos."
O Santos Design District, que estava então a ser montado, ditou a
escolha do bairro que acolheria a megaclínica. E onde se revelaria o
primeiro problema. "Escolhemos um edifício que estava devoluto há
12 anos e fizemos um contrato de 25 anos com o senhorio. A renda era
de 28 mil euros/mês - nessa altura equivalia a 10% da faturação."
Miguel Stanley contava transformar o espaço e abrir a clínica em
cerca de seis meses. Mas foi preciso esperar mais de um ano - a pagar
renda - só pela licença para as obras.
Nesse impasse, em março de 2009, "descobri que o meu
contabilista e diretor financeiro, meu amigo de longa data, fizera
uma apropriação ilícita de largas centenas de milhares de euros
que desviara dos pagamentos que devia ter feito à Segurança Social
e ao fisco". Dívidas que Stanley ainda está a pagar - "e
estarei, pelo menos enquanto o caso estiver em tribunal, apesar de
ter até uma confissão assinada por ele".
Na mesma altura, a crise abate-se em força sobre o país e Miguel
Stanley fica com 250 mil euros de financiamentos feitos pela clínica
a clientes por pagar. "Nessa altura, a clínica da Lapa funcionava
só para compensar os custos do projeto parado, mas nunca deixei um
salário ou subsídio atrasar", diz.
A nova clínica abre finalmente em novembro de 2010. O programa da
SIC, Dr. White, que estreava no ano seguinte e no qual a clínica
tinha investido consideravelmente, ajudaria a trazer mais clientes e
a aliviar a situação financeira. Mas a estreia foi adiada um ano.
Em setembro de 2011, saiu a notícia no Correio da Manhã: o
dentista dos famosos era alvo de uma penhora da Direção-Geral das
Contribuições e Impostos. "Cadeiras, computadores e máquinas
para o exercício da atividade estão disponíveis online no portal
das Finanças", lia-se no texto, publicado na própria semana da
estreia de Dr. White.
Nesse mesmo ano, Stanley abriu insolvência. "Foi a decisão
mais difícil da minha vida. Todo o caso foi uma lição de
humildade. Mas levantei-me. E hoje estou completamente em cumprimento
com as Finanças." Nessa altura apareceu "um investidor muito
próximo de mim", comprou o conceito e a marca White e levou-a -
assim como a ele e aos seus clientes - para a nova clínica, em
Miraflores. "Consegui negociar com ele para trazer todos os
funcionários comigo e mantive a maioria dos fornecedores", diz.
"Destruíram o meu sonho, mas tenho fé no futuro. Afinal,
entra-se mais depressa em Harvard com uma bancarrota no currículo."