Miguel Stanley: O regresso do dentista dos famosos

Miguel Stanley teve uma ascensão meteórica. E como um meteoro caiu com estrondo quando o seu projeto de uma megaclínica em Santos, em Lisboa - que juntava aos tratamentos dentários uma componente estética completa e um spa de cinco estrelas - foi por água abaixo. Vítima de desvio de dinheiro e a acumular dívidas, o médico dentista que ajudava pessoas na televisão e fazia capas de revista chegou a ver penhorado todo o equipamento. Passou a fazer manchetes de jornal.
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O processo ainda corre em tribunal, mas pela primeira vez

o Dr. White, como ficou conhecido, decidiu explicar tudo o que correu

mal e falar sobre o seu novo projeto: fazer de Portugal um destino de

turismo dentário. A proposta já existe e será entregue já neste

início de ano ao governo, de quem garante não querer ajuda

financeira mas com o qual conta para lhe abrir algumas portas.

Trata-se de um projeto de "turismo de saúde dentária altamente

especializada - tratamentos de reabilitação complexa - que pode

representar, no pior cenário possível, 50 milhões de euros por ano

para o país", explica. A apresentação aos ministros da Saúde,

Negócios Estrangeiros e Economia terá por objetivo pedir apoio

diplomático. "Não quero dinheiro do Estado", reforça o médico

dentista celebrizado em programas como Doutor, Preciso de Ajuda (TVI,

2006) e Dr. White (SIC, 2012), que criou e produziu.

Na nova Clínica White, em Miraflores, para onde se mudou há um

ano com a ajuda de um "investidor muito próximo", mas que não

revela a identidade, 40% dos clientes são angolanos. Há também

suíços, franceses, russos, ingleses, americanos (vimos chegar dois

na hora e meia que durou esta entrevista). Uma afluência que pôs

Miguel Stanley a pensar na possibilidade de rentabilizar o fluxo de

estrangeiros. Os ingredientes estão todos cá: o país já é

reconhecido pelo potencial turístico e "a medicina dentária

portuguesa é talvez a melhor do mundo na relação qualidade/preço."

A ideia ganhou força nos sete meses que passou na Hungria. "Há

uma década, os dentistas húngaros viram o potencial deste tipo de

turismo e começaram individualmente a publicitar os seus serviços

nos media estrangeiros." O governo percebeu o peso do negócio e

criou uma associação para potenciar os ganhos para o país - cada

membro paga uma joia de 16 mil euros. Budapeste é hoje a capital do

turismo dentário da Europa, com 40% do mercado do continente, de

acordo com o gabinete de estatísticas da Hungria. Grã-Bretanha e

Irlanda são os principais países de origem deste negócio, que

movimenta cerca de 700 milhões de euros/ano.

"Queremos apanhar esse comboio, imitar o protocolo húngaro."

Não através da associação a cidades, hotéis ou companhias aéreas

- "até podia associar-me aos Pastéis de Belém, mas acho que não

devemos perder tempo com parcerias imaginárias" - mas criando uma

rede de prestadores de serviços de excelência. "A marca Portugal

já existe. ?A ideia é juntar-lhe ciência, medicina de qualidade e

tecnologia única para criar um protocolo que assegure qualidade,

eficácia e proteção dos clientes, através de clínicas

standardizadas. Fazer que mais pessoas queiram vir a Portugal."

Para já, o médico, que faz até 12 palestras por ano pelo mundo

inteiro e ainda participa na série da CBS The Doctors, nos Estados

Unidos, quer usar o seu "círculo de contactos privilegiados"

para captar turistas para uma rede de clínicas de excelência, que

já começou a contactar e que veem o projeto com bons olhos. Com o

governo ao lado, esse esforço torna-se mais leve.

E poderá o vice-primeiro-ministro, Paulo Portas - cujo sorriso

foi construído por Miguel Stanley, tal como o de Cristiano Ronaldo -, ajudar a estabelecer essa

parceria? "Vamos usar todos os meios para que isto se torne uma

realidade. Acredito que há pessoas inteligentes no governo e

acredito em portugueses que acreditam em Portugal." E acredita

também que, nos próximos três anos, "podemos ficar com 50% da

quota do mercado britânico nesta área".

Compensar a queda da faturação

No ano passado, a faturação dos dentistas caiu 40% e segundo o

bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas, Orlando Monteiro da

Silva, mais de 10% dos profissionais portugueses já emigraram. "A

crise, num sector que vive essencialmente da iniciativa privada e com

as famílias a adiar consultas e a retardar procedimentos, adensa os

problemas", disse à Lusa no final do ano.

O programa de turismo dentário permitiria também contrariar esta

tendência. "Estamos a ficar vazios de talento. Eu já tive

convites para trabalhar nos Estados Unidos, em Angola, no Qatar, na

Noruega, mas estou aqui para ficar. Optei por viver em Portugal",

diz Miguel Stanley. "Não consigo tratar mais de cem clientes por

mês - tenho sete gabinetes, sou um hotel boutique, não uma "cadeia

hoteleira". Mas posso usar o meu peso e relações para captar

clientes para a rede de clínicas."

Na White, apesar de tudo, o negócio vai correndo. Com uma equipa

de 38 pessoas - a maioria está com Stanley há oito a 13 anos -

"faturámos cerca de 2,1 milhões de euros em 2012 - em 2013 deve

ter caído um bocado - e temos um EBITDA [resultados antes de juros,

impostos e amortizações] de 39%. Mas este foi ano atípico",

reconhece. "Recebemos muitos estrangeiros, o que acabou por

compensar a grande quebra no mercado interno". Uma quebra que

garante não ter nada que ver com os preços praticados. "Há uma

crença generalizada de que somos uma clínica cara, de elite. Já

fomos, mas em 2010 ajustámo-nos à média e a última vez que

subimos os preços foi em 2007." Com a mesma qualidade.

"Mantemo-nos sempre atualizados, tudo tem de refletir a qualidade,

até o papel higiénico."

Um tratamento da Clínica White, em Miraflores, pode ir de 100

euros (limpeza básica) a 70 mil (implantes complexos, com excerto de

osso, um trabalho que leva até dois anos). Os custos não ficam

aquém. Além dos stocks - "temos de ter sempre grandes

quantidades, para garantir o serviço quando chegam clientes

estrangeiros, que têm um número certo de dias para ficar" -, cada

um dos sete consultórios dentários implicou um investimento de

cerca de 100 mil euros só em equipamento. A máquina de raios X

digital 3D, que tem sala própria, custou 300 mil euros. Há ainda os

serviços de estética, massagens, depilação, manicura e pedicura e

até um psicólogo. Serviços associados que, apesar da menor escala,

não se perderam na megaclínica de Santos.

As dívidas, a insolvência e os processos em tribunal

Mas afinal o que correu mal no negócio que Miguel Stanley montou

quando estava no auge da exposição mediática? Profissionalmente,

nada. Mas ao nível da gestão "foi a tempestade perfeita".

Depois de seis anos à frente da Clínica Dentária da Lapa, onde

começou a ser conhecido como o médico dos famosos, estreia na TVI,

em 2006, o Doutor, Preciso de Ajuda (inspirado no Extreme Makeover),

e com ele vem uma exposição que leva a clínica a "um ritmo de

crescimento de 30% a 40% ao ano". "Criei um fluxo inacreditável

de clientes. Cheguei a faturar 4,5 milhões de euros por ano - em

alguns meses fazia meio milhão." Esse volume, a par das

necessidades do programa de televisão, levou-o a imaginar um espaço

que integrasse todos os serviços médicos e estéticos num centro

com todas as condições. "Em 2008 decidimos crescer em grande. Fui

dono e mentor do projeto White Spa. Acreditava tanto nas minhas

capacidades que fui avalista único da totalidade dos investimentos."

O Santos Design District, que estava então a ser montado, ditou a

escolha do bairro que acolheria a megaclínica. E onde se revelaria o

primeiro problema. "Escolhemos um edifício que estava devoluto há

12 anos e fizemos um contrato de 25 anos com o senhorio. A renda era

de 28 mil euros/mês - nessa altura equivalia a 10% da faturação."

Miguel Stanley contava transformar o espaço e abrir a clínica em

cerca de seis meses. Mas foi preciso esperar mais de um ano - a pagar

renda - só pela licença para as obras.

Nesse impasse, em março de 2009, "descobri que o meu

contabilista e diretor financeiro, meu amigo de longa data, fizera

uma apropriação ilícita de largas centenas de milhares de euros

que desviara dos pagamentos que devia ter feito à Segurança Social

e ao fisco". Dívidas que Stanley ainda está a pagar - "e

estarei, pelo menos enquanto o caso estiver em tribunal, apesar de

ter até uma confissão assinada por ele".

Na mesma altura, a crise abate-se em força sobre o país e Miguel

Stanley fica com 250 mil euros de financiamentos feitos pela clínica

a clientes por pagar. "Nessa altura, a clínica da Lapa funcionava

só para compensar os custos do projeto parado, mas nunca deixei um

salário ou subsídio atrasar", diz.

A nova clínica abre finalmente em novembro de 2010. O programa da

SIC, Dr. White, que estreava no ano seguinte e no qual a clínica

tinha investido consideravelmente, ajudaria a trazer mais clientes e

a aliviar a situação financeira. Mas a estreia foi adiada um ano.

Em setembro de 2011, saiu a notícia no Correio da Manhã: o

dentista dos famosos era alvo de uma penhora da Direção-Geral das

Contribuições e Impostos. "Cadeiras, computadores e máquinas

para o exercício da atividade estão disponíveis online no portal

das Finanças", lia-se no texto, publicado na própria semana da

estreia de Dr. White.

Nesse mesmo ano, Stanley abriu insolvência. "Foi a decisão

mais difícil da minha vida. Todo o caso foi uma lição de

humildade. Mas levantei-me. E hoje estou completamente em cumprimento

com as Finanças." Nessa altura apareceu "um investidor muito

próximo de mim", comprou o conceito e a marca White e levou-a -

assim como a ele e aos seus clientes - para a nova clínica, em

Miraflores. "Consegui negociar com ele para trazer todos os

funcionários comigo e mantive a maioria dos fornecedores", diz.

"Destruíram o meu sonho, mas tenho fé no futuro. Afinal,

entra-se mais depressa em Harvard com uma bancarrota no currículo."

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