
"Encontrámos um défice no subsistema de solidariedade [um dos que compõem o enorme sistema da Segurança Social] de 287 milhões de euros por força de várias medidas tomadas pelo governo anterior [PS] sem a respetiva dotação orçamental", apontou ontem, quarta-feira, a ministra que tutela a área, Rosário Palma Ramalho, na estreia nas audições regulares do Parlamento.
Em simultâneo, noutra audição regular que decorreu de manhã, o ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, anunciou várias medidas que vão reduzir receita e subir despesa de forma pronunciada, em centenas de milhões de euros, já este ano. Mas disse que Portugal vai cumprir as regras de Bruxelas.
Afirmou, por exemplo, que "neste momento, os números dão-nos total conforto quanto ao cumprimento das regras orçamentais europeias", que "o País cumprirá as novas regras orçamentais porque a trajetória da despesa é consistente com o que a Comissão Europeia considera ser o ponto crítico na análise da sustentabilidade da dívida, nomeadamente a necessidade de redução anual de um ponto percentual do rácio da dívida pública".
Esta imposição de cortes sucessivos na dívida acontece porque, apesar das contas correntes "em ordem" -- défice de apenas 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2022 e excedente de 1,2% em 2023 -- a dívida continua muito acima do limite de 60% do PIB definido pelo Pacto. Terminou 2023 nos 99,1%, este ano o governo prevê baixar para 95,7%.
Segundo o novo Pacto, países nesta situação têm de continuar a reduzir despesa ou, em alternativa, arranjar novas receitas que cubram os gastos em excesso, segundo a nova regra da despesa primária líquida.
O "conforto" de Miranda Sarmento -- que desde que tomou posse já dramatizou bastante o estado em que encontrou as contas públicas e a execução orçamental herdada dos socialistas -- não o impediu de assumir, perante os deputados, que o governo vai entregar as propostas do alívio no IRS Jovem e do IRC diretamente ao Parlamento, expurgando-as da proposta do Orçamento do Estado para 2025 (OE 2025).
Tentar esvaziar argumentos do PS contra o OE
Aparentemente, é uma forma de tentar esvaziar já as críticas do PS às intenções fiscais do executivo de Luís Montenegro, convencendo, quem sabe, o partido de Pedro Nuno Santos a deixar passar o crucial OE 2025.
Ainda nos dois impostos, o ministro fez questão de frisar que "o IRS Jovem já deu entrada neste Parlamento como um pedido de autorização legislativa e a descida do IRC terá a mesma formulação". Ou seja, "nenhuma destas medidas, nem das outras medidas fiscais dentro do pacote de economia, estarão no Orçamento".
O alívio planeado do IRC pode gerar um custo fiscal na ordem dos 1,5 mil milhões de euros até ao final da legislatura, à razão de "250 milhões de euros por cada corte de um ponto percentual na taxa nominal", dois pontos ou 500 milhões por ano, contas de Sarmento, da atual taxa de 21% até aos prometidos 15% em 2027.
Além disso, o ministro anunciou que o governo vai começar a aplicar uma taxa de IRC de 15% sobre grandes grupos económicos multinacionais. Disse que vai fazer "a transposição do pilar II da diretiva da União Europeia que estabelece uma tributação efetiva mínima de 15% para grupos económicos com faturação superior a 750 milhões de euros".
Segundo o jornal público, a operar em Portugal, haverá cerca de 3000 empresas que podem vir a ser abrangidas pelas novas regras tributárias.
"Quadro orçamental positivo", insiste o governo
O ministro insistiu que “Portugal tem um quadro orçamental relativamente positivo" e que "dentro de duas semanas" o governo vai iniciar as "negociações técnicas", que servirão de base ao próximo OE, com a Comissão Europeia.
Mas revelou que a isenção prevista no Imposto Municipal sobre as Transmissões de Imóveis (IMT) e no Imposto do Selo (IS) devem acarretar uma despesa fiscal de 25 milhões de euros este ano (meio ano) e de "50 milhões em 2025".
O reforço do Complemento Solidário para Idosos (CSI) em 50 euros deve custar "50 milhões de euros este ano e 100 milhões no próximo".
Em cima disto, o ministro afirmou aos deputados que o OE vai gastar, em termos líquidos, já este ano, 300 milhões de euros com o processo de descongelamento salarial dos professores (começa em setembro). Que o acordo já firmado com as forças de segurança terá "impacto líquido de 150 milhões de euros".
Na sala ao lado, a ministra da Segurança Social falou, como referido, num défice do subsistema de solidariedade (o chamado pilar não contributivo, financiado pelo OE geral, cujo objetivo é combater a pobreza), de 287 milhões de euros.
Mas este valor não compromete o saldo global da Segurança Social que, até final de maio, registava um avultado excedente, superior a 2,5 mil milhões de euros, segundo a execução orçamental das Finanças.
Palma Ramalho explicou que detetaram "défices" nas verbas para pagar prestações como complemento solidário para idosos (menos 70 milhões), prestação social para a inclusão (menos 84 milhões), apoio via creches (menos 60 milhões) e despesas com administração e outras despesas comuns (menos 10 milhões).