Miranda Sarmento diz que Orçamento de Medina não baixa a carga fiscal

Programa de Estabilidade. Ministro das Finanças revela cenário para a economia sem novas medidas, nem mesmo as suas, como a polémica e confusa descida do IRS. Em 2024, crescimento e emprego aguentam-se. Excedente orçamental até sobe face à meta de Fernando Medina.
Paulo Rangel, ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, e Joaquim Miranda Sarmento, ministro de Estado e das Finanças. Fotografia: PATRICIA DE MELO MOREIRA / AFP
Paulo Rangel, ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, e Joaquim Miranda Sarmento, ministro de Estado e das Finanças. Fotografia: PATRICIA DE MELO MOREIRA / AFPPATRICIA DE MELO MOREIRA / AFP
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A carga fiscal pura (só impostos) vai manter-se num nível elevado em 2024, em 25,2% do Produto Interno Bruto (PIB) se apenas fosse aplicado o Orçamento do Estado (OE 2024, o que está em vigor) do anterior governo e do ex-ministro das Finanças e não fossem tomadas novas medidas prometidas pelo atual governo liderado pelo PSD, indicam as previsões do Ministério das Finanças, agora sob a tutela de Joaquim Miranda Sarmento, reveladas esta segunda-feira.

Fernando Medina previa que o peso dos impostos (todos) diretos e indiretos fosse de 25,1% do PIB este ano, mesmo com o alívio concreto que já se sente ao nível do IRS.

De acordo com o Programa de Estabilidade 2024-2028 (PE 2024-2028), ontem entregue à Assembleia da República, assumindo num cenário de "políticas invariantes", ou seja, onde não há novas medidas, a coleta só de impostos (Impostos sobre a produção e a importação e Impostos correntes sobre rendimento, património) mantém-se em 25,2% do PIB. Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), foi esse o valor final de 2023.

No OE 2024 (ainda aprovado pela maioria PS), o peso da fiscalidade em sentido estrito ainda desceria uma décima, para os referidos 25,1%, face ao número oficial do INE (em contas nacionais).

E podia cair ainda mais se a estimativa de Fernando Medina no OE (24,9%, em outubro) se tivesse verificado nestas preojeções. Não é o caso.

Seja como for, o PE de Miranda Sarmento, feito pelo seu Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais (GPEARI), admite que a tendência herdada do PS aponta para um desagravamento fiscal medido em proporção do PIB, até 2028.

"Sem medidas de política adicionais, a receita deverá diminuir o seu peso no PIB em 2 pontos percentuais (p.p.) no período 2024-2028".

"Esta evolução resulta essencialmente do perfil de execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e da diminuição dos recebimentos de fundos europeus, refletida nas outras receitas correntes (-0,5 p.p.) e na receita de capital (-0,9 p.p.)", diz o novo e último Programa de Estabilidade.

Até 2028, "projeta-se também de uma redução da receita fiscal de 0,3 p.p., essencialmente explicada pela redução do peso da tributação sobre a produção (-0,2 p.p.), que cresce a um ritmo inferior ao do PIB nominal."

Falta tudo o que a AD prometeu

Como isto é um cenário de "políticas invariantes", significa que, além da descida grande do IRS das classes médias deixado pelo PS, o novo governo AD (PSD-CDS, essencialmente) diz que pretende ir mais longe. No alívio do IRS (uma medida mal explicada, envolta em confusão, e sob acesa polémica, sobre a qual haverá novidades na próxima sexta-feira), mais uma descida notável no IRC.

Algumas medidas acontecem já, outras só se vão sentir ao longo da legislatura, nos próximos quatro anos (até 2028, justamente).

Esse quadro atualizado com as medidas deste governo e os respetivos efeitos na economia e nos indicadores orçamentais até 2028 serão divulgados apenas no final de setembro, num novo documento a enviar a Bruxelas: o Plano Orçamental Estrutural de Médio Prazo.

Até lá, temos o Programa de Estabilidade para nos apontar as grandes tendêncis, mas sem medidas novas. Relativamente a este ano, a margem orçamental das contas públicas portuguesas parece ser ligeiramente superior ao que foi projetado pelo anterior governo PS e o ex-ministro Fernando Medina.

Cálculos mais conservadores feitos pelo Dnheiro vivo apontam para cerca de 300 milhões de euros, ou o equivalente a 0,1% do Produto Interno Bruto (PIB), a diferença entre o excedente previsto pelo executivo do PSD-CDS para 2024 (0,3% do PIB) e o excedente previsto pelo anterior governo do PS (0,2%).

Como referido, este novo cenário das Finanças é desenhado no pressuposto de as políticas serem "invariantes", ou seja, não existem novas medidas além do que foi aprovado no OE2024 e até finais de março.

A referida margem adicional de 300 milhões de euros é a diferença entre o excedente de 0,3% do PIB, cerca de 996 milhões de euros (assumindo o pressuposto do PIB nominal implícito nas contas de Medina para este ano), previsto agora por Miranda Sarmento e o excedente de 0,2% avançado por Medina no OE 2024 (664 milhões de euros, segundo o Orçamento aprovado e em vigor).

Excedente para reduzir a dívida

Assume-se esta diferença como a margem possível na medida em que o governo não deve querer reduzir o excedente a zero, para mais porque isso levantaria problemas graves no cumprimento do Pacto de Estabilidade e, em concreto, na necessidade de reduzir a dívida.

Este ano, sem novas medidas, o peso do endividamento público deve descer de 99,1% do PIB (2023) para 95,7% em 2024 (segundo o novo PE), menos 3,4 pontos percentuais.

O OE socialista prevê um corte maior (menos 4,1 pontos do PIB), mas com um ponto de partida superior (estimativa feita em outubro: desceria de 103% para 98,9% do PIB.

Seja como for, é de referir que o atual governo também não se comprometeu em cumprir a meta de excedente do governo socialista, mas prometeu não regressar a um défice.

Assumindo que consumiria toda o excedente até ao limite (mas sem nunca baixar de 0% do PIB no saldo orçamental), este governo teria, claro, uma margem superior, na ordem dos 800 a 900 milhões de euros. No entanto, uma postura destas teria implicações diretas na estratégia de redução da dívida, que está a baixar, mais ainda perto de 100% do PIB (99,1% em 2023).

Dito de outra forma, as Finanças consideram agora que num cenário em que não há novas medidas do lado da despesa nem da receita -- nem os aumentos dos professores e das forças de segurança, nem a polémica descida de IRS, que parece muito mais pequena do que o anunciado na campanha --, as contas públicas herdadas do anterior governo socialista parecem ser, de acordo com os cálculos do novo executivo (com informação até 5 de abril, a data de fecho do estudo), ligeiramente mais folgadas.

Na dinâmica da economia, o PE está totalmente alinhado com o OE 2024. O PIB real (incorporando a inflação) cresce na mesma 1,5%, as exportações ganham alguma força (3,1%), o investimento também (4,4%), mas as importações comem estes ganhos porque também aceleram (para 4%). O emprego continua a crescer apenas 0,4%, a taxa de desemprego fica inalterada em 6,7%. Tudo comparado com o cenário do OE 2024.

O último Programa de Estabilidade

Em princípio, este Programa de Estabilidade ser o último a ser publicado (por Portugal e restantes países da Zona Euro), uma vez que a União Europeia e a Comissão Europeia (CE) vão reformular o ciclo de avaliação orçamental dos Estados-membros, bem como os documentos que servem de base a essa avaliação, em concreto, relativamente ao cumprimento (ou não) do novo Pacto de Estabilidade renovado, que começa a ser aplicado a partir de 1 de janeiro de 2025.

Apesar disto, e de a CE nem sequer exigir aos país um PE (bastava um resumo, com 2 quadros de projeções em políticas invariantes), este governo ainda quis fazer um documento com algum peso (43 páginas, cerca de metade da dimensão do PE de Fernando Medina, feito há um ano) para respeitar a Lei de Enquadramento Orçamental (LEO), que obriga à entrega do Pe no Parlamento até 15 de abril de cada ano. Como a LEO ainda não foi revista, essa exigência continua.

Portanto, o PE deve ser entregue à AR até 15 de abril para ser discutido num prazo de 10 dias e depois enviado a Bruxelas até 30 de abril de cada ano. Essa era terminou.

No seu lugar vai surgir um novo modelo de documento para as Finanças Públicas, o chamado Plano Orçamental Estrutural de Médio. Tal como o PE também abrangerá um horizonte de cinco anos, mas trará outras variáveis. Este Plano deve ser entregue até 20 de setembro de cada ano (segundo disse presidente do CFP, na semana passada), mas a CE está disponível para combinar outra data limite, como final de setembro, por exemplo. Ainda está a ser negociado.

Como explicam agora as Finanças neste PE, "as perspetivas orçamentais para o período 2024-2028 assentam no cenário macroeconómico de base" subjacente.

"Este assenta numa hipótese de políticas invariantes, isto é, apenas são consideradas as medidas adotadas no Orçamento do Estado para 2024, bem como as legisladas até ao momento. Assim, não reflete a futura implementação do Programa do XXIV Governo, nem outras medidas de política económica que vão ser tomadas daqui em diante."

"Partindo do saldo positivo de 2023 [1,2% do PIB], as perspetivas orçamentais asseguram saldos positivos ao longo do período de projeção, uma trajetória compatível com a manutenção da dívida pública em valores abaixo de 100% do PIB, convergindo para 79,8% em 2028", afirma o documento de Miranda Sarmento.

"Em 2024, espera-se que o saldo orçamental se situe em 0,3% do PIB, em linha com o apresentado na proposta de Orçamento do Estado para 2024, dado que, apesar de o resultado de 2023 ter sido melhor do que o previsto, o saldo de 2024 reflete a revisão do cenário macroeconómico e informação atualizada a abril de 2024. Ao longo do período 2024-2028, o saldo orçamental deverá manter-se positivo", diz o novo documento.

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