O governo fechou ontem, sem acordo de nenhum dos parceiros sociais, o conjunto de alterações às leis laborais que pretende encaminhar para o Parlamento após aprovação pelo Conselho de Ministros, prevista para o próximo mês. De fora, fica a revalorização parcial do pagamento por horas extra, medida negociada com PCP e Bloco de Esquerda em outubro, antes do chumbo da proposta inicial de Orçamento do Estado para 2022.
A medida é agora atirada para a discussão de um acordo de rendimentos e competitividade, que só avançará com nova reunião marcada para 29 de junho e que se prevê que fique fechado apenas em outubro, sem que o governo esclareça se ainda entrará na calha do novo processo de revisão do Código do Trabalho.
"Procurámos que todas as matérias que têm que ver com rendimentos e com áreas financeiras e fiscais sejam parte da discussão e da negociação no âmbito do acordo de rendimentos e competitividade", justificou ontem a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, após a última reunião sobre a chamada Agenda do Trabalho Digno, em Concertação Social.
A ministra fala agora num "conceito amplo do acordo de rendimentos". Além de discutir a proposta de estabelecimento de referenciais setoriais para subidas de salário na contratação coletiva, pretende avançar com alterações em sede de IRS e IRC, segundo o Programa do Governo, e passará agora também a acolher o tema da subida de pagamentos por trabalho suplementar.
Na medida que era dada como certa em outubro, está em causa a alteração dos valores de pagamento do trabalho suplementar a partir das 120 horas anuais, repondo o pagamento da primeira hora extra em dias úteis para 50% (atualmente, 25%), da segunda hora para 75% (37,5%), e com a compensação do trabalho em dias de descanso e feriados a subir para 100% (50%).
O governo garante, porém, que não recuou. "Não abdicamos em nada daqueles que são os nossos objetivos no âmbito da Agenda do Trabalho Digno. Pelo contrário, esperamos até que, em Concertação, consigamos melhores soluções", disse Mendes Godinho.
Além do trabalho suplementar, segundo a ministra, o futuro acordo de rendimentos vai debater ainda os encargos das empresas em contribuições sociais: os até 2% de contribuição adicional por abuso no recurso da contratação a prazo, medida por regulamentar desde 2019; e a contribuição de 1% das remunerações que é paga a favor do Fundo de Compensação do Trabalho, que as confederações patronais pretendem ver eliminada.
No primeiro caso, a contribuição adicional de até 2% para empresas que contratem a prazo mais que os pares do setor foi mantida em suspenso durante a pandemia, com Mendes Godinho a referir, em outubro último, que os pagamentos deveriam ser iniciados em 2023 - algo que já não deverá acontecer, pela ausência da regulamentação prévia necessária em 2022. O setor do turismo, em particular, pediu na Concertação Social para ser excecionado da medida.
Já no segundo caso, as confederações patronais alegam que os 1% adicionais foram acordados em 2012 em troca da descida das compensações por cessar contratos a prazo e que deixa de fazer sentido com o aumento de indemnizações para 24 dias por ano, previsto no pacote de alterações às leis laborais, medida que o governo mantém.
Do pacote de alterações às leis laborais saem entretanto mais algumas medidas. O governo abandona o objetivo de tornar permanentes os poderes da Autoridade para as Condições do Trabalho para suspender despedimentos ilícitos. Agora, fica previsto que o organismo recorra para o Ministério Pública para haver suspensão cautelar dos despedimentos.
O documento final do governo abdica também de obrigar entidades empregadoras a comunicarem por escrito a denúncia de contratos durante o período experimental.
Segundo Ana Mendes Godinho, foram também introduzidas alterações na possibilidade de sindicatos recorrerem a tribunal arbitral quando se verificam pedidos de denúncia de convenções coletivas. O objetivo é que possam ser apreciados os fundamentos do pedido para extinção do acordo, passo que suspenderá os prazos de sobrevigência dos instrumentos em vigor.
As propostas do governo mantêm medidas como a limitação na contratação temporária a um máximo de quatro renovações e a obrigação de empresas de trabalho temporário terem um mínimo de contratos permanentes, que terá de ser definido em diploma do governo. Mantêm-se ainda, entre outras, as regras para reconhecimento de contratos dos trabalhadores das plataformas digitais, a criminalização do trabalho não-declarado, a obrigação de empresas realizarem contribuições por empresários em nome individual economicamente dependentes, ou a impossibilidade de recorrer a prestadores de serviços após despedimentos.